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Bill Plympton: “O humor é um dos mais importantes valores humanos”

Nome de destaque no campo da animação, o ilustrador e desenhista descreve como cria seus filmes e os critérios que guiam seu trabalho

Publicado em 29/11/2017

Atualizado às 12:02 de 03/08/2018

por Amanda Rigamonti e Duanne Ribeiro

“Deveria haver um Prêmio Nobel do Humor”, propõe o animador norte-americano Bill Plympton – também desenhista e ilustrador e um dos grandes nomes da animação independente. “Porque o humor é essencial para que as pessoas sobrevivam à vida, aproveitem a vida”. Por isso, ao fazer produções que não são experimentais ou de vanguarda, são apenas filmes engraçados”, Plympton quer se “comunicar por meio deles e fazer com que os outros se sintam bem quanto à vida”.

O artista ministrou no Itaú Cultural, em agosto, uma masterclass sobre seu campo de trabalho, parte da programação do Encontros de Cinema. Nesta entrevista, ele fala sobre seu processo criativo, cita animadores, ilustradores e cineastas de quem “rouba” ideias e estilos e explica um pouco como – é este o nome do seu livro – “fazer livros que vendam sem se vender”.

De onde vêm as ideias para suas animações?
Bem, eu moro em Nova York. Nova York é uma cidade de desenho animado. Há tantas pessoas estranhas, e roupas, e línguas que em um quarteirão eu tenho muitas ideias. Eu levo comigo um caderno e nele eu escrevo todas as ideias que eu tenho para desenhos. Além disso, penso que é importante ser curioso sobre a vida. Por que algo aconteceu de tal jeito? Por que isso está ocorrendo? Como se explica isso? Muitas ideias surgem daí, de tentar resolver os mistérios da vida.

Por exemplo, o filme Guard God, eu estava andando em um parque e vi um cachorro latir para um passarinho. Eu me perguntei: por que esse cachorro está latindo para um passarinho? E então adentrei o cérebro do cão e conclui que ele estava com medo de que o passarinho atacasse seu dono e ele perdesse seu companheiro. Isso é o que me dá ideias. Coisas malucas que vejo todos os dias nas ruas de Nova York.

E qual é o próximo passo? Você tem a ideia e já começa a desenhar?
Sim. Com Guard Dog comecei escrevendo diferentes ideias, diferentes experimentos sobre o conceito, além de rascunhar o cachorro. Ia para o parque, lá havia vários cachorros correndo, e eu ficava rascunhando cachorros. Fiz um monte de testes e esboços, fiz um roteiro e daí fui direto para a animação. Tomou cerca de duas semanas. Fui bem rápido. Curtas têm só cinco minutos. Então eu posso fazer 30 segundos de animação por dia. Algo assim.

Você disse que em Nova York tem sempre alguma coisa acontecendo que o inspira. E São Paulo, como está sendo sua estadia aqui? Porque esta é uma cidade maluca.
Cidade bem maluca, sim. Não tive nenhuma ideia ainda. Hoje foi meu primeiro dia turistando pela cidade [literalmente, Plympton diz “doing turista visit to the city”]. Não tive nenhuma ideia hoje, mas tenho certeza que terei.

Ser um animador para você não é apenas fazer filmes, mas dar palestras, ter um contato direto com seu público, dar aulas na internet e encorajar outros animadores. Comente essas múltiplas atividades e como elas se relacionam umas com as outras.
Bem, antes de tudo, eu adoro viajar. Adoro vir ao Brasil, é muito agradável. E eu adoro falar com estudantes. Quando eu estava na faculdade, na década de 1970, a animação era quase uma forma de arte morta. Havia produções bem pouco excitantes. Agora a animação se tornou esta indústria enorme. Todos os jovens querem ser animadores. Eles veem filmes da Pixar, da Disney, filmes brasileiros e dizem: “É isso que eu quero fazer!”.

Então, eu recebo muitos convites para viajar pelo mundo e falar sobre animação. Não só sobre animação, mas animação independente. Porque eu não trabalho para um estúdio, eu não pego dinheiro do governo, não pego dinheiro de Hollywood. Eu mesmo financio os meus filmes. Pessoas em todo o mundo dizem: “Como Bill Plympton faz seus filmes sem dinheiro do governo?”. E, portanto, eu fico feliz de falar sobre isso e contar às pessoas que não importa onde você viva –  você pode viver no Ártico e ainda fazer grandes filmes e ganhar dinheiro, graças à internet, às tecnologias digitais. Qualquer um pode fazer um filme e ganhar dinheiro. E isso é o que eu gosto de falar para estudantes e outras pessoas, também adultas, nesse ramo.

Você já disse que é muito importante sentir o público. Ver se as pessoas riem. Como é sua relação com esse feedback? Se a resposta não é positiva você volta à mesa de edição?
Bem, por exemplo, o filme Guard Dog, ele era o primeiro de uma série de filmes com cachorros. Eu tinha 20 gags e durava uns sete minutos. Eu o testei. E uma dessas gags, que eu pensei que era a melhor gag no filme, não fez ninguém rir. E não há nada pior do que ver uma plateia assistir ao seu filme em silêncio. Então abandonei aquela gag, porque é realmente importante para mim que as pessoas gostem do filme. Eu quero que meus filmes sejam populares. Alguns me chamaram de “McDonald’s da animação” porque eu faço esses filmes de que todo mundo gosta, mas que são todos iguais, sabe? Não tem nada de diferente, de experimental, de vanguarda neles – são só filmes engraçados.

Mas eu acho que o humor é muito importante, acho que o humor é, provavelmente, um dos mais importantes valores humanos. No mundo de hoje há tanto carisma, crises financeiras, políticos corruptos – eu estou falando da América – que as pessoas têm de rir. E acho que deveria haver um Prêmio Nobel do Humor, na medida em que o humor é tão essencial para que as pessoas sobrevivam à vida, aproveitem a vida. E é isso o que eu quero, quero que as pessoas aproveitem a vida. Então é por isso que eu não faço filmes experimentais ou de vanguarda ou muito abstratos. Quero me comunicar por meio deles e fazer com que os outros se sintam bem quanto à vida, se sintam bem consigo mesmos. Portanto, é muito importante para mim fazer os melhores filmes que eu possa fazer.

Você publicou o livro Make Toons That Sell without Selling Out [Faça Filmes que Vendam sem Se Vender]. É um ótimo título porque resume o que você diz na masterclass. É uma visão pragmática da criação e alguns podem criticá-la por não ser artístico o bastante pensar sobre seu trabalho como um produto. Você já ouviu críticas assim, e o que pensa delas?
Sim, eu recebo muitas críticas. Veja, meus filmes não são os melhores filmes do mundo e eu admito isso porque estou competindo com produções da Pixar e da Disney, e eles gastam milhões de dólares nos seus curtas. Eu não tenho essa quantidade de recursos. Financio os meus filmes, então meus orçamentos têm de estar em torno de 10 mil dólares. Minhas obras não são perfeitas e eu sei disso. Eu não tenho o tempo ou a energia ou o dinheiro para fazer um filme perfeito. Além disso, gosto de filmes que têm falhas, que não são perfeitos, filmes que têm erros. Para mim isso os faz muito mais humanos. Eles trazem uma sensação calorosa de que quem os criou é uma pessoa imperfeita – que sou eu. Então eu sinto que esse é o tipo de filme que vou continuar fazendo e gosto disso. Eu nunca vou ser a Pixar, nunca vou competir com a Pixar. Estou feliz com seu sucesso e com os filmes que fazem. Mas não é o que vou fazer.

Poderia citar alguns animadores ou estúdios de animação que você admira?
Acima de todos, a Disney. Eu não estaria aqui se não fosse a Disney, a maioria dos animadores americanos devem algo a ela.

Um sujeito chamado Winson McCay, um animador dos Estados Unidos atuante nas décadas de 1910, 1920. Ele era ótimo, talvez um dos melhores animadores que já tivemos. Era um gênio.

Além desses: Tex Avery (1908-1980), Bob Clampett (1913-1984) e Chuck Jones (1912-2002), três caras que eu admiro mesmo.

Vou lhe dar nomes de algumas pessoas que provavelmente você não conhece, são ilustradores: N. C. Wyeth (1882-1945), Robert Crumb, Saul Steinberg (1914-1999), Milton Glaser – essas são pessoas que me influenciaram muito. Também um cara da Argentina, Carlos Nine (1944-2016), é uma grande influência, assim como Oscar Grillo, Marv Newland, Paul Driessen.

Artistas como Goya – suas pinturas em preto e branco me inspiram muito –, Jacques Tatit (1907-1982), o cineasta francês, e diretores como Frank Capra (1897-1991), os irmãos Cohen, Quentin Tarantino, Elia Kanzan. Eu poderia continuar com isso sem parar.

É interessante porque essas são as pessoas de quem eu roubo. Roubo as ideias ou as boas técnicas ou o estilo. E eu sempre tenho medo de que as pessoas digam: você roubou isso daqui e daqui. Mas eles nunca dizem isso, eles dizem: o seu estilo é tão único, tão diferente. É engraçado, porque quando eu vejo meu trabalho vejo todas as pessoas de quem roubei. Mas eu acho que é assim que o negócio funciona, quero dizer, todo mundo é influenciado por alguém e eu certamente sou influenciado por um monte de artistas contemporâneos.

O que faz com que você goste de uma animação, o que o impressiona?
Eu gosto da história, as histórias são importantes para mim. Gosto da técnica, adoro a excelência no desenho, pessoas que podem desenhar muito bem, fico muito impressionado com isso.

Eu gosto da integração entre música, história, fundos, animação, isso tudo junto, funcionando em conjunto, isso me impressiona muito. É algo que eu sempre estou tentando fazer.

Humor, bom humor. Eu realmente respeito o humor. Por exemplo, Nick Park, que teve grande influência sobre mim; ele é um ótimo comediante e um cineasta engraçado.

É, essas são as coisas principais.

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