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Casa do Núcleo | Série ‘Casas de show’

A equipe do Observatório conversou com Benjamim Taubkin e Gustavo Martins, respectivamente diretor e coordenador da Casa do Núcleo,...

Publicado em 09/10/2015

Atualizado às 10:17 de 03/08/2018

A equipe do Observatório conversou com Benjamim Taubkin e Gustavo Martins, respectivamente diretor e coordenador da Casa do Núcleo, centro cultural instalado em uma pequena casa no Alto de Pinheiros.

Os dois falam um pouco sobre o funcionamento do Núcleo Contemporâneo e da Casa do Núcleo, contam algumas das histórias acumuladas nesses 18 anos de trajetória e discutem as formas de financiamento artístico no Brasil.

Conte-nos um pouco da história da Casa do Núcleo.

Benjamim Taubkin: O Núcleo Contemporâneo nasceu antes da casa. O nome Casa do Núcleo é para simplificar Casa do Núcleo Contemporâneo. Neste ano o núcleo fez 18 anos e, quando o criamos, um centro cultural já estava no nosso horizonte. Então, comecei a procurar um lugar onde desse para ter um escritório, uma gravadora e um espaço a mais para poder trabalhar. Enquanto procurava, uma amiga me chamou e disse “olha, tenho uma amiga com uma casa que quer transformar em um centro cultural e não sabe como. Vocês não querem se falar?”. Então comecei um projeto, que se chamou A Casa, uma parceria que durou um ano.

O lugar ficava na Rua Irlandino Sandoval, entre o Shopping Eldorado e o Shopping Iguatemi, e tinha um espaço muito interessante: um pagode chinês contemporâneo do arquiteto Eduardo Gum, um terreno gigante com uma piscina ao fundo, dessas piscinas de inverno. Nós decidimos colocar as cadeiras ali na piscina – vazia, claro – e o público ficava ali acompanhando, enquanto o artista se apresentava do lado de fora. No começo tivemos problemas – como qualquer casa que está iniciando um projeto novo –, mas acabou que deu tão certo que tivemos que fechar por excesso de público, pois ali era zona 1 e não podia fazer barulho, nem ter aquela fila na rua.

O projeto parou um pouco, fui trabalhar no Itaú Cultural, onde pude pensar a gestão e a produção cultural. Participei do primeiro Rumos, em que tínhamos uma programação legal com vários seminários. Até que, em 2001, acabei pedindo para sair, porque sentia a necessidade de voltar a tocar esse projeto do núcleo. Voltei a me concentrar na minha vida de música e passei a procurar uma casa nova, tendo sempre a intenção de fazer um pequeno centro cultural e não só uma casa de show. Em 2010, o João, meu filho, nos indicou essa casa onde estamos até hoje.

Em relação ao poder público, vocês recebem algum tipo de financiamento?

B.T.: Nosso princípio, desde o começo do Núcleo, foi de não trabalhar com editais e não trabalhar com patrocínio. Isso veio de várias motivações, mas a principal era não ficar refém dos editais. Até acredito que, para fazer um festival, algo de uma proporção maior, é necessário recorrer a um patrocínio, mas para tocar o dia a dia dá para viver fora disso, a não ser que você tenha uma situação de extrema carência.

Com esse tipo de financiamento, a arte fica mais frágil. Hoje temos uma densidade cultural menor que há vinte anos. O conteúdo. Ás vezes, é preciso peitar e bancar sua arte, mas como você vai bancar sua arte se há alguém pagando por ela? Isso ocorre no mundo todo, não só no Brasil. Com isso, a arte vai ficando muito frágil. Um exemplo é o questionamento das guerras nos EUA por parte dos músicos. Durante a Guerra do Vietnã havia milhares de músicos questionando. Na recente Guerra do Iraque, você via só o Bruce Springsteen e as meninas do Dixie Chicks; ninguém se pronunciava.

Tem gente que vai dizer que esse não é um papel do artista, mas os artistas sempre fizeram essas críticas, Beethoven, Wagner e vários outros, não foi só no nosso tempo. Mas de repente os artistas deixaram de fazê-las e isso é uma queda no nível dessa densidade cultural. Se precisarmos do dinheiro do poder público para pagar o aluguel e sobreviver, é melhor buscar outras alternativas para manter o espaço vivo, usar nossa criatividade para isso. Agora, estamos começando uma associação da casa, convidando pessoas para se associar e financiar um projeto em que acreditem, mas são cidadãos comuns que se identificam com o projeto, não o Estado.

Gustavo Martins: A relação com o poder público é mais de dependência que de parceria, acaba não dando para construir algo junto. O poder público cumpre um papel mais de patrono que de parceiro.

Qual a relação de vocês com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad)?

G.M.: Nós pagamos o custo mensal e existem algumas possíveis negociações com o Ecad, seja por metragem ou por número de apresentações. As últimas vezes que vieram foi para registrar as músicas que tocaram aqui – segundo eles, são feitos esses registros para saber o que está tocando e para poder dividir melhor a arrecadação entre os artistas. Como temos esse acordo mensal, acabam não vindo para a cobrança.

Teve uma ocasião em que vieram cobrar um show ocorrido, aí acabamos pagando a taxa normalmente. De certa maneira, poderíamos indicar um caminho para um pagamento direto aos artistas que se apresentam aqui, mas é muita música autoral, as formações das bandas são mais orgânicas e os repertórios acabam surgindo em cima da hora. Portanto, optamos por esse esquema mensal, que para a casa funciona bem, mas para o artista é um pouco complicado. Não dá para saber se de fato esse dinheiro chega à mão deles.

Perguntamos para alguns artistas que se apresentaram aqui se eles recebem do Ecad o dinheiro referente aos direitos de suas músicas e muitos dizem que, se vão atrás, recebem, mas não é um processo fácil, tem bastante burocracia.

Como funciona a curadoria e a programação da casa?

B.T.: A casa passou por diferentes fases, no começo fazíamos uma programação extensa, chegava a ter vinte concertos por mês, e esse movimento funcionava nas duas mãos, nós procurávamos os músicos e os músicos também nos procuravam. Com o passar dos anos, passamos a criar novos projetos, sempre com essa reflexão sobre a vocação da casa. Hoje em dia, diminuímos o número de eventos e temos uma média de dez ou doze por mês. O foco são projetos que fazem mais sentido com nossa proposta.

Alguns deles são: Landscapes, que une música e poesia, com a participação de três poetas e três músicos que se dividem e vão improvisando trocas, uma vez por mês; um coletivo de improvisação com sete músicos; audições de disco; a Semana do Piano, na qual convidamos nove pianistas e, a cada noite, três deles se apresentam, preenchendo todos os dias da semana; Residência na Casa, quando convidamos um músico de importância para a cidade e ele se apresenta durante três noites com três formações diferentes; oficinas que trabalham outras linguagens.

Esse é um trabalho que precisa de motivação para fazer, não dá para burocratizar, simplesmente abrir a casa para o show. Outro ponto importante é a postura da casa de não se assumir como um espaço neutro. Há vezes em que um músico de fora quer tocar três noites em três casas diferentes. Esse é um tipo de coisa que não fazemos, porque cada casa quer ter sua identidade própria.

G.M.: Existe uma diferença entre programar e fazer a curadoria. Se um artista vai fazer um show em três lugares diferentes, você tem que adequar sua agenda com a dele, programar e encaixar ele em algum lugar. Já a curadoria é enxergar a obra do artista e pensar que sentido faz a apresentação naquele determinado espaço, se será um show ou uma conversa. Esse tem sido o desafio da casa, o de pensar uma curadoria do mês e não só a agenda. Acaba que a casa cria uma identidade e nós desenvolvemos uma relação boa com os músicos.

B.T.: Nosso espaço é um espaço pequeno e existem coisas boas nisso, temos que saber aproveitar. Trata-se de encontrar a natureza do que funciona bem aqui. Posso quase dizer para vocês que é uma coisa abstrata, de sentir se a casa está ou não está contente. E isso nem sempre está ligado à quantidade de público.

Entrando na questão do orçamento, como vocês equilibram a balança?

B.T.: Para encontrar esse equilíbrio, em primeiro lugar, focamos em uma boa programação; quando programamos bem funciona bem. Em segundo lugar, temos o bar. Temos também a loja, que por incrível que pareça funciona bem. A bilheteria nós dividimos com os artistas, então buscamos outras possibilidades. A casa abre para o almoço durante o dia; locação é uma coisa que funciona também – alugamos o espaço para gravações, ensaios, mas sempre com a preocupação de manter a identidade da casa. E tem também a ideia de associação, que nasceu quando dissemos que a casa iria parar. Algumas pessoas que se identificam com a casa não queriam que ela fechasse e isso gerou uma mobilização. Vamos fazer algum financiamento coletivo – não vai ser via Catarse, vai ser algo nosso, que iremos criar. Por não ter recursos vindos de fora, vamos nos estruturando para nos manter dessa maneira autossustentável.

G.M.: Percebemos que houve uma evolução grande nesses últimos quatro anos, desde as coisas mais básicas, como fechamento de bilheteria ou controle de vendas, até esses modelos de negócio com a cozinha. Os discos são 20% da renda nos eventos, o que é um pouco difícil, mas com essa preocupação da curadoria e da escolha sentimos que acaba refletindo na receita. A nossa linha financeira não é um pico, mas está sempre em ascendência.

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