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Classificação Indicativa: -18 – Louie Ponto e Keka Reis

A youtuber Louie Ponto e a roteirista Keka Reis recordam a adolescência e falam sobre a programação audiovisual de julho

Publicado em 13/07/2018

Atualizado às 11:48 de 03/08/2018

Libras

Transformar-se é, por si só, um processo difícil, árduo. E, quando a mudança é múltipla, tudo se torna mais delicado e intenso. É o que ocorre com um sem-número de adolescentes, em fase de fervura constante. Para enfrentar o entre infância e madureza, há quem ache companhia em amigos, livros, esportes – e por que não em filmes e vídeos do YouTube?

Classificação Indicativa: -18, mostra cinematográfica de julho, reúne a tela maior com o universo virtual. Além da lista de filmes voltados para o público adolescente (que você encontra aqui), a programação também conta com duas oficinas – no dia 17, com a youtuber Louie Ponto; no dia 24, com Nátaly Neri, dona do canal Afros e Afins. E, como conversa é esteio quente, Louie rememora um eu anterior e Keka Reis, colaboradora do Itaú Cultural na curadoria do evento, recapitula obras que despertaram a sua atenção na mocidade.

Louie Ponto | foto: Isabela Catão

Um sair do coração

Há uma década, em uma esquina de 2008, Louie Ponto começou a gravar vídeos caseiros de músicas tocadas (e, em dadas vezes, compostas) por ela mesma. A internet, bem se sabe, era distinta do quadro de agora: conexão discada, um ritmo vagaroso de cliques e as redes sociais não tinham robustez. O início do canal se deu como um desafio à timidez da criadora. Com o tempo, a empreitada ganhou certo público. A visibilidade, porém, trouxe mensagens de naturezas variadas: “Vieram tanto comentários preconceituosos, que abordavam desde a roupa que eu usava até a minha sexualidade, quanto pedidos de ajuda”, conta Louie. Os pedidos eram, no fundo, a busca por representatividade – pilar que é, em um mesmo passo, incentivo e colo. Um amparo que muito faltou àquela garota introvertida, nos anos 2000, recém-ingressa na esfera digital.

De sua adolescência, Louie não guarda lembranças das melhores. “Na infância, sentia uma inadequação, pois achava que não havia lugar no mundo para mim”, afirma. Uma solidão tamanha a acompanhou durante a puberdade – mas, concomitantemente, aos 14 anos, começou a procurar por textos que a estimularam a refletir sobre algumas questões. Nesse momento, notou uma carência no terreno representativo, contestou arquétipos e iniciou bastante cedo um processo de desconstrução. Processo, aliás, que não termina, coisa permanente que é.

Ao pensar no próprio caminho, decidiu, em 2016, dar um direcionamento outro ao seu canal: parou de veicular canções e armou fagulhas de debates dos quais a Louie adolescente gostaria de ter participado. De lá para cá, produziu vídeos pesados, como o intitulado “Trollei a minha mãe dizendo que sou lésbica” (uma resposta a gravações com esse teor); vídeos com grande carga emotiva, caso de uma carta que fez para si mesma mais nova; e vídeos ao lado de colegas, a exemplo de “Heterofobia e racismo reverso existem?”, com Nátaly Neri. Experiências cujo fermento vem da troca e do toque: troca de alegrias e angústias, toque de empatias, um partilhar que ultrapassa o computador.

Em maio de 2018, convidada a conhecer o aplicativo LGBT+ Amino, ambiente direcionado a jovens, Louie se viu novamente envolta em memórias de sua mocidade. Prestes a completar 27 anos, a mestranda em literatura da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) remexeu em dores e reviveu passagens. O vídeo “Como foi minha adolescência?” nasceu desse retorno e do desejo de, talvez, aliviar o peito de quem anda às voltas com descobertas identitárias. “Voltei aos meus 15 anos, época em que me entendi lésbica, período solitário e sem representatividade”, pontua. A televisão não trazia referências para ela. Nem os livros. Nem o cinema. Decidiu, portanto, falar do aplicativo e não só: em frente à câmera, abordou o passado, enfrentou a dificuldade de desnudar marcas particulares, pôs a sua subjetividade na superfície. “Representatividade não significa que simbolizo todas as mulheres lésbicas, porque cada ser humano tem um monte de vivências. Eu tenho as minhas. No entanto, trata-se de dar visibilidade a outras narrativas, a outras pessoas que fogem do padrão”, explica.

Louie Ponto | foto: Micaela Torres

A idade adolescente é o gancho da oficina que Louie conduz no dia 17, terça-feira. Após os participantes assistirem ao vídeo com o tema central, ela divide e escuta desassossegos, inquietações, com o mesmo intuito acolhedor que permeia a atividade audiovisual da youtuber. A ideia é erguer um espaço em que todos possam se expressar, em um bate-papo que reflete sobre avanços e sobre as faces preconceituosas que ainda existem na sociedade.

Na segunda parte da oficina, Louie expõe as suas técnicas de feitura de gravações: escolha de tema, pesquisa, escrita de roteiro. “É uma responsabilidade enorme produzir conteúdo e influenciar, de alguma maneira, alguém”, salienta. Por último, o grupo inteiro se coloca no âmbito prático: cada participante opta por um assunto e escreve uma sequência. “Fico feliz demais por ter a oportunidade de dialogar com jovens. Já dei palestras em escolas que foram as primeiras aproximações de adolescentes com feminismo ou demandas LGBT”, relata. Virtual ou pessoalmente, o propósito é enfatizar que todas as histórias são válidas e não devem ser escondidas. É preciso transmiti-las – para um amor próximo ou para 420 mil seguidores. É preciso sair do armário, da tela, do coração e ganhar vida.



Um regresso aos anos 1980

Foi o exercício o que fisgou Keka Reis. Encarregada de montar a compilação juvenil de filmes, acabou visitando quem ela era há 25 anos. Quais títulos a entusiasmaram? A Garota de Rosa-Shocking (1986), Clube dos Cinco (1985), Curtindo a Vida Adoidado (1986) e O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas (1985). Dos filmes nacionais, Bete Balanço (1984), Menino do Rio (1982) e Garota Dourada (1984). Apaixonada por livros, destaca Feliz Ano Velho (1986), de Marcelo Rubens Paiva. Filha de uma jornalista e alerta às recomendações de filmes feitas pela imprensa, Keka acredita que foi assim que surgiu em si a vontade de ser uma profissional ligada à sétima arte.

Mover-se ao pretérito é uma boa ferramenta empática. Não se esquecer de que, um dia, foi-se como o outro. Dotada dessa sensibilidade, a roteirista arquitetou a programação em conjunto com o Itaú Cultural, cuja diretriz priorizou obras recentes. Do introspectivo Beira-Mar (2015) ao suspense Mate-Me por Favor (2015), a mostra carrega o esforço de apresentar tramas com propostas diferentes, um leque de realizações brasileiras focadas no espectador adolescente. “Acho fraca a nossa produção em termos quantitativos. Contudo, agora, vejo que há um pouco mais de preocupação com esse público de vasto potencial”, considera Keka.

Além de voltar ao passado, a curadora enxergou o atual com novo olhar. Ao planejar as oficinas, indagou-se quais youtubers levantam conteúdos relevantes. “A Louie e a Nátaly são politizadas, inteligentes, cada uma com o seu jeito. Conhecer os trabalhos das duas me fez rever e quebrar preconceitos”, revela. Meta que, no âmago, sustenta Classificação Indicativa: -18 por completo.



Classificação Indicativa: -18 – Terceiro dia
Oficina com Louie Ponto [com interpretação em libras]

terça 17 de julho de 2018
às 16h
Sala Multiúso (piso 2) –  50 vagas
Classificação indicativa: 12 anos 

Classificação Indicativa: -18 – Quarto dia
Oficina com Nátaly Neri [com interpretação em libras]

terça 24 de julho de 2018
às 16h
Sala Multiúso (piso 2) –  50 vagas
Classificação indicativa: 12 anos 

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