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Crítica teatral nas redes | Laka

A produtora cultural Laka conta como é ter um canal no YouTube voltado à crítica de teatro e quais são as possibilidades da plataforma.

Publicado em 04/07/2017

Atualizado às 10:55 de 03/08/2018

Laka é educadora, produtora cultural e responsável pelo Cenatório, canal do YouTube sobre artes cênicas. Mais que indicar e comentar espetáculos, o canal é um convite e uma provocação para as pessoas irem ao teatro.

Assista aos vídeos do Cenatório.

Você poderia contar um pouco sobre o Cenatório? Qual sua origem e por que esse nome?

Bem, eu trabalho como educadora e produtora cultural. Desde a época da minha graduação, em artes do corpo, mantive blog de críticas e resenhas de teatro. Em 2015, finalizei uma pós-graduação em educação em museus e centros culturais pesquisando mediação em teatro: quais ações já estavam sendo feitas, qual a percepção dos profissionais das instituições culturais sobre o diálogo entre obra e público e quais as vontades e os receios desse tipo de iniciativa.

Concluí dessa pesquisa que, muitas vezes, esses diálogos são centralizados na figura dos artistas, são acadêmicos, os discursos são tradicionalmente validados. Com isso, o público desse tipo de bate-papo geralmente é a própria classe artística. E onde então estaria o público não artista? Quais seriam seus interlocutores? Eles existem?

Alguns meses depois de defender minha pesquisa, estava fazendo um curso de extensão em crítica de teatro na SP Escola de Teatro e, num debate sobre plataformas e suas especificidades, surgiu a ideia: por que não no YouTube?

Escolhi o nome Cenatório porque quero falar sobre a cena, sobre todos os limites e pluralidades a que essa palavra diz respeito. Ela lembra também a palavra sanatório, porque sempre achei meio maluca (e supercênica) essa coisa de vlogger, de ligar uma câmera e falar com desconhecidos como se fossem nossos melhores amigos. Então, Cenatório é um canal do YouTube no qual promovo discussões sobre teatro independente. Tenho planos de fazer projetos pequenos para grupos de teatro, para instituições, fazer encontros, mas tudo isso ainda está sendo gestado.

Como é estar numa plataforma como o YouTube comentando espetáculos de teatro? Você acha que o YouTube e as redes sociais em geral descentralizaram o papel do crítico?

É bem solitário! Não tem ninguém mais no YouTube que eu conheça fazendo exatamente isso. Tem gente que dá dicas para atores, faz esquetes e resenhas de livros ou filmes e, às vezes, faz algo sobre teatro, mas alguma coisa mais especializada em temas de teatro eu não conheço. Isso é libertador, pois tenho espaço para criar. Ao mesmo tempo, minhas referências no YouTube não são canais de teatro.

Uma coisa de que eu gosto muito no YouTube é justamente isso: descentralizar o papel do crítico. A crítica de jornal não é mais aquela que víamos nos anos 1950 ou 1960, extensas e aprofundadas. Hoje em dia, o crítico precisa ser quase um malabarista da redação, que precisa conciliar o serviço, a sinopse e dar alguma pincelada nas questões fundamentais da montagem numa quantidade pífia de caracteres, pois o espaço de cultura do jornal é pequeno – o espaço para teatro é menor ainda, exceto quando são montagens de grupos e artistas consagrados, claro. Então, para quem gosta mesmo de ler críticas, o jornal já não é mais a melhor fonte.

Eu já tive esse sonho de escrever em jornal, mas acho que ficaria bastante frustrada com essas questões. Hoje em dia, com a internet, muitos críticos desses de jornal têm oportunidade de desenvolver mais seus textos, mas também tem muita gente, como eu, que quer se expor e trocar ideia. Isso para mim é lindo e é um presente da internet que não só diz respeito à nossa maneira de falar sobre arte, mas pode ser transposto para várias outras esferas como discussões LGBT, questões raciais, de violência contra a mulher etc. Se você comparar a quantidade desse tipo de discussão que sai na mídia convencional e na internet, dá para ver o potencial de descentralização de informação com que estamos lidando.

Quais as vantagens e desvantagens desse tipo de plataforma?

A grande vantagem, no meu caso, é que eu tenho um canal bem pequeno em que eu faço tudo: escolho qual peça quero ver, faço o roteiro, fico na frente da câmera, boto meu celular para gravar, edito, faço meu Instagram e Facebook, respondo aos comentários. Apesar de ser trabalhoso, eu tenho muita autonomia. E eu gosto muito disso.

A desvantagem é que eu estou colocando muita energia nesse trabalho, mas estou muito longe de ser remunerada por ele, então preciso conciliá-lo com outros trabalhos, o que faz com que em alguns momentos o canal fique menos movimentado.

Isso é muito complicado porque, apesar de essas plataformas virtuais criarem possibilidades novas de expressão, a gente precisa repensar um pouco os modelos e aprender uma maneira de tornar esse tipo de trabalho mais sustentável.

O público do YouTube é diferente do público que vai ao teatro?

É totalmente diferente. Tanto que meu público é em sua maioria formado por pessoas que já estão no YouTube e querem se aproximar mais do teatro, que querem dicas de pessoas não tão inacessível. Algumas pessoas também migram do Facebook ou do Instagram porque se interessam pelo tema e pela discussão.

Acho que não é à toa que existe essa dificuldade de o público ir para o YouTube; não é à toa que essas discussões sobre arte raramente são horizontais; não é à toa que tem tanta resistência por aí para aceitar o papel dos influenciadores digitais. Quando a discussão vai para internet, o artista e a instituição perdem o controle, nem que seja momentaneamente. E isso dá medo.

Tem muita gente do teatro que está enxergando a potência desse debate, mas geralmente quem enxerga e incentiva é também quem, de alguma maneira, se sente prejudicado ou silenciado por essa lógica de “distribuição de fala”. E são justamente esses parceiros que eu quero ter. É um trabalho de formiguinha.

O teatro é um lugar de troca, de deslocar o pensamento. Como você problematiza essa questão no seu canal e provoca o público a se deslocar pela cidade e ir até o teatro?

Como eu disse anteriormente, o Cenatório tem uma proposta de recorte dentro do teatro e que tem tudo a ver com esse papo de deslocar e descentralizar. O primeiro recorte é que eu trato principalmente de teatro independente, que é um leque de trabalhos que nem pode ser chamado de mercado de fato.

O segundo recorte é que o canal é pensado em termos de acessibilidade, de valor, de local, de linguagem e de tema. A proposta é tirar o máximo possível os empecilhos para as pessoas se deslocarem para o teatro. Claro que ainda temos um grande caminho a trilhar nesse sentido, mas tem muitas programações voltadas para esse tipo de demanda em São Paulo. E a ideia é que paremos de ver isso como exceção e privilégio e comecemos a ver como direito.

Se tem teatro feito com dinheiro público ele tem de ser acessível para bastante gente, não é? Em termos tanto de localização e de valor, como também de linguagem e temática. São discussões muito complexas, mas que a gente tem de fazer para começarmos a nos educar como público de cultura.

Você fez um desafio no fim do 2016 de indicar/comentar uma peça por dia. Como foi?

Em dezembro de 2016, eu me desafiei a indicar uma peça por dia. Essa vontade veio porque, nesse período, tem bastante gente em São Paulo com tempo e recursos para ir ao teatro, por conta das férias escolares. Mas dezembro também é visto como um mês morto pelos programadores culturais e, por isso, as ofertas são poucas.

A ideia foi criar uma programação de férias mesmo. Para as instituições e para os artistas é um momento vazio, mas para o público que está na cidade é um ótimo momento. Então, por que não aproveitar? Acho que esse desafio tem muito a ver com a ideia do Cenatório – enxergar uma oportunidade e aproveitá-la.

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