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Identidade e imaginário | Eustáquio Neves

A subversão das referências coloniais sobre as quais se construiu a identidade da América Latina e a representatividade do negro nas...

Publicado em 09/06/2016

Atualizado às 14:58 de 13/08/2017

A subversão das referências coloniais sobre as quais se construiu a identidade da América Latina e a representatividade do negro nas artes visuais brasileiras e internacionais são alguns dos assuntos analisados pelo fotógrafo mineiro Eustáquio Neves nesta entrevista.

Eustáquio participa da exposição Arquivo Ex Machina – Identidade e Conflito na América Latina (que acontece no Itaú Cultural de 16 de junho a 7 de agosto) com o trabalho A Boa Aparência – Arquivos da Escravidão no Estado da Bahia. Para produzi-lo, o fotógrafo reuniu, a partir de arquivos públicos, retratos elaborados para aumentar o valor de mercado de negros escravizados.

Arquivo Ex Machina revisita as imagens que compõem a ideia do continente latino-americano e questiona os paradigmas subliminares a elas. Problematiza também a noção de arquivo, com foco em quem o produz, com que objetivos, para contar qual história e fundamentar quais ações. Quem define, quem nomeia, para quem define, para quem nomeia? Nesse processo são criados símbolos que interessavam, naquele momento, muito mais aos que falavam do outro do que aos que tentavam falar de si mesmos.

Arquivo Ex Machina discute a identidade da América Latina vista a partir de arquivos cheios de vícios coloniais. Qual é o papel das artes na reconstituição da memória de um país – em especial das nações latino-americanas, marcadas por um olhar colonizador até hoje?

Subverter essas referências coloniais, das quais a maioria não me representa, é um bom começo. Ao longo da infância, na escola, conheci meu país por gravuras do [pintor alemão Johann Moritz] Rugendas [1802-1858] – maravilhosas, mas… Também seria bem interessante os museus repensarem seus acervos.

Posso estar enganado, mas os movimentos artísticos mais importantes que tivemos são aqueles que privilegiaram uma brasilidade, ou seja, os que lidaram com uma identidade brasileira – como a tropicália, o movimento manguebeat, o cinema novo etc.

Negro e fotógrafo desde os anos 1980, como você analisa a representatividade do negro nas artes visuais brasileiras? Que alterações o cenário sofreu ao longo desses anos?

Essa representação é inexpressiva, somos muito poucos. Devolvo a pergunta: quantos artistas visuais brasileiros negros em atividade e com um trabalho expressivo vocês conhecem? O cenário sofreu poucas alterações, mas está muito melhor do que quando eu comecei. Hoje os jovens, mesmo ainda não sendo o ideal, têm alguma política pública favorável e muito mais acesso aos meios de informação e formação. Adquiri o meu primeiro computador e tive acesso à internet no início dos anos 1990, mas isso era uma exceção na realidade social da qual eu venho.

Você identifica países e/ou instituições culturais no mundo que possuam políticas (públicas ou privadas) que deem conta da diversidade de produções artísticas?

Sim, eu mesmo faço parte como membro da Autograph/ABP, em Londres, na Inglaterra, que oferece vários suportes aos fotógrafos negros de Londres. Também recebi recursos para projetos, pelo menos duas vezes, da Prince Claus, sediada na Holanda e que privilegia a diversidade. Além disso, participei do programa Reflecting Skin, da BBC4, que trata dessas questões. Menciono também a importância do Museu Afrobrasil, em São Paulo, no apoio aos artistas negros e na promoção dos seus trabalhos.

As artes visuais são, historicamente, bastante fechadas em seu círculo – uma produção de e para si mesma. Como romper com isso, principalmente em relação aos artistas negros, às questões raciais e ao preconceito? E como também atrair um público outro?

Desde o começo da minha trajetória, discuto temáticas minhas – como a relação com o meio ambiente e as questões sociais e raciais – por acreditar que isso faz parte de um todo e é do interesse de todos. Não sou a favor de fazer arte para um gueto; acho difícil trazer mudanças falando a um grupo fechado, e fazer isso dificulta ainda mais romper esse círculo maior das artes visuais.

Cada artista precisa expor seu ponto de vista para romper com esse círculo. Mas, ao mesmo tempo, os meios precisam ser democratizados para que mais artistas, principalmente os negros, tenham acesso e possam distribuir sua produção e suas ideias, não somente pelas redes sociais. Eu não me interesso por galerias, mas sei que isso é o sonho de muita gente, e as mais sérias não deixam de ser um meio de dar visibilidade a quem depende do mercado da arte, o artista.

Eu, particularmente, busco as minhas referências o mais próximo de mim possível – na minha família, por exemplo. Não tenho necessidade de procurar essas referências do outro lado do Atlântico, muito menos na Europa; faço o que eu acredito e o que sei fazer melhor. Falo da minha aldeia e das coisas em que acredito e vejo isso como o meu meio de levar o meu trabalho a um público diverso.

Neste momento de intolerância e polarização que estamos vivendo, como artistas e instituições culturais podem ir de encontro a esse contexto?

Os artistas, com ações que façam refletir; as instituições, facilitando e difundindo a produção dos artistas, atraindo o público em geral para o seu discurso.

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