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Lutas e memórias | João Silvério Trevisan

Em entrevista, o escritor e ativista João Silvério Trevisan fala sobre sua militância pelos direitos LGBT da década de 1970 até hoje....

Publicado em 04/07/2017

Atualizado às 13:12 de 25/10/2019

João Trevisan fala sobre sua trajetória de lutas pelos direitos LGBT, a necessidade de políticas públicas que dialoguem com esta população, os avanços da ciência em entender a diversidade de gêneros, entre outros assuntos.

João Silvério Trevisan é escritor com 12 livros publicados, entre ensaios, romances e contos. Dirigiu o longa-metragem cult Orgia ou o Homem que Deu Cria (1971), censurado por mais de dez anos pela ditadura civil e militar brasileira. Foi contemplado com bolsas da Fundação Nacional de Artes (Funarte), da Fundação Vitae (São Paulo) e da prefeitura da cidade de Munique, na Alemanha. Recebeu mais de uma vez o Prêmio Estímulo, da prefeitura de São Paulo, para o desenvolvimento de roteiros cinematográficos. Em 2001, foi escritor-residente na Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Seu conto “Dois Corpos que Caem” compõe a antologia Cem Melhores Contos Brasileiros do Século XX. Ativista na área de direitos humanos, fundou em 1978 o grupo Somos, primeiro em prol da liberação homossexual no Brasil, e foi um dos fundadores do mensário Lampião da Esquina.

Acompanhe a entrevista abaixo.

João Trevisan (Foto: Agência Ophelia)

Você pode comentar sua trajetória de lutas pelos direitos LGBT e as criações do Grupo Somos e do jornal Lampião da Esquina?

Foi uma luta necessária, mas difícil de ser articulada, principalmente porque precisamos começar do zero – buscando até mesmo conceitos políticos específicos dos direitos LGBT, que ainda não conhecíamos. Além do mais, íamos na contracorrente da direita e da esquerda, nossa suposta aliada, cujos preconceitos nos tornavam cidadãos e cidadãs de terceira categoria.

Como você avalia hoje o papel da imprensa na questão LGBT, principalmente em relação às novas maneiras de se comunicar – redes sociais, canais de vídeos, blogs etc.?

Com a internet e as redes sociais surgiram maneiras novas de se comunicar com o público, objetivo que o movimento pelos direitos LGBT no Brasil historicamente sempre teve dificuldade de atingir. Isso possibilitou um crescimento impressionante da consciência política das pessoas em relação aos seus direitos. As novas gerações LGBT estão começando a cumprir sua parte ao tomar a história em suas mãos.

Nas últimas décadas foram conquistados direitos muito importantes na questão de gênero. Porém, no Brasil, a cada 27 horas um homossexual é assassinado. Em 2015, foram registradas 318 mortes de gays, travestis, lésbicas e bissexuais [fonte: Grupo Gay da Bahia (GGB)]. Levando em conta a sua luta pelos direitos LGBT desde os anos 1970, você acredita que as políticas públicas atuais são suficientes para mudar esse cenário?

Absolutamente não. Nenhum movimento social pode deixar as políticas públicas nas mãos de nossos “representantes”. Os governos recentes deixaram a prova de como a comunidade homossexual é manipulada em função das prioridades partidárias. O mais desagradável é que boa parte das lideranças LGBT continua se deixando levar por essas promessas do paraíso na terra da política partidária. Resta saber se o fazem por mediocridade ou má-fé, por estarem mamando nas tetas do Estado “protetor”.

A questão de gênero está em discussão e a ciência busca entender essas novas identidades e comportamentos que estão mudando. Como você vê essa transformação?

Essa é uma grande conquista dos últimos anos. Depois de exigirmos o direito de viver o nosso amor e a nossa sexualidade, agora desdobramos a questão para um novo patamar: tomar posse dos nossos corpos de fato e subverter a ordem estabelecida que mantinha velhos valores a partir das diferenças de gênero rigorosamente impostas. É uma grande perspectiva que se abre na compreensão de como as culturas patriarcais nos têm moldado, sob pretexto de que tudo seria ditado pela imutabilidade da natureza. A verdade é que fazemos parte dessa natureza e, portanto, somos protagonistas dela e não seus servidores. Somos parte da sociedade que elabora a cultura e molda os gêneros para um lado ou outro.

O Museu da Diversidade Sexual é o primeiro equipamento cultural da América Latina relacionado à temática. Foi criado em 2012 pelo Decreto 58.075 vinculado à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Você entende que iniciativas como essas podem ampliar políticas públicas ou outros mecanismos que estimulem a construção de uma memória coletiva? Comente.

Para uma comunidade relegada à invisibilidade durante tanto tempo é crucial levantar o véu do passado que nos forjou e desvendar a cultura própria que criamos, como num processo de arqueologia LGBT. Para ficar num só exemplo, é impossível falar do Carnaval sem incorporá-lo como parte da cultura LGBT. A diversidade e os aspectos multifacetados dessa cultura certamente tornarão a própria cultura brasileira mais viva e palpitante.

Quais são suas expectativas para o futuro em relação às lutas e às conquistas das pessoas que estão nessa classe tida como “minorias”?

Eu não sou futurólogo, nem acho que esse exercício de adivinhação seja necessário. Não sei o que acontecerá, por exemplo, com o crescimento do poderio dos evangélicos integristas, cujo fanatismo beira o fascismo, em nome de Deus. Suas lideranças políticas têm um projeto de tomada do poder, claramente, e pretensão de excluir nossos direitos conquistados ou por conquistar. São nossos inimigos ferozes, mas eles não passarão se nós, LGBT, fizermos nossa parte, sem titubear. Infelizmente, temos um longo e tortuoso caminho pela frente.

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