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O Vinil e a Cena Musical Contemporânea | Entrevista com Frédéric Thiphagne, da Goma Gringa

Em entrevista ao Observatório Itaú Cultural, Fred nos contou sobre a trajetória da Goma Gringa, sobre os motivos para gostar de vinis e sobre os próximos projetos do selo

Publicado em 23/08/2018

Atualizado às 12:29 de 20/09/2018

Para quem acha que produzir discos de vinil é coisa do passado, Frédéric Thiphagne está na cena musical para provar o contrário. Com o apoio do seu sócio Mathieu Hebrard, ele produz sob o selo independente Goma Gringa álbuns de artistas musicais independentes – entre eles, Metá Metá, Juçara Marçal e Thiago França. Além disso, a Goma Gringa trabalha com a venda de discos raros ou, segundo eles próprios, com o garimpo, com “a exploração de metais preciosos”.

Entre os objetivos do selo estão “promover a música esquecida do passado e artistas brasileiros contemporâneos”. Seus lemas são: “Perceber, entender e descrever o mundo por meio da música. Defender e difundir a cultura em suas mais relevantes particularidades, diversidade e riqueza humana”. Em entrevista ao Observatório Itaú Cultural, Fred nos contou sobre a trajetória da Goma Gringa, sobre os motivos para gostar de vinis e sobre os próximos projetos do selo.

Comente um pouco sobre a história da Goma Gringa.

Inicialmente a ideia da Goma era ser apenas uma loja on-line de discos importados, mas logo percebi que a importação não era tão simples. Nesse tempo conheci o Mathieu, que virou meu sócio, e pensamos em criar um selo no Brasil para fazer edições de lançamentos de fora. Mas também mudamos de ideia rápido, pois queríamos produzir algo nosso, com capa própria, por exemplo. Como o Mathieu, por ser músico, conhecia a cena paulista – Marcelo Cabral, Kiko Dinucci, Thiago França etc. –, começamos a trabalhar com eles. Assim, a proposta foi simples. Acho que é a mesma de todos os selos: promover a música na qual a gente acredita, em vinil, por meio da produção e da edição.

A proposta da Goma Gringa foi simples e acho que é a mesma de todos os selos: promover a música na qual a gente acredita, em vinil, por meio da produção e da edição.

Você entende o vinil como patrimônio? Por quê?

Sim, entendo, porque o vinil é o formato mais perene que existe. Por ser duradouro, você de fato entra no patrimônio musical mundial – amanhã você não sabe se vai estar aqui, mas o vinil vai estar lá. Eu tenho essa cultura do garimpo, de ir atrás do que está meio esquecido, nas caixas de discos, e essa ideia está ligada a isso. Mesmo que a banda não tenha feito tanto sucesso, o disco continua lá, e permite que, daqui a um tempo, nas próximas gerações, alguém o pegue para escutar. É isso que faz a obra ser duradoura, que é algo muito difícil de alcançar na música. Para mim, essa é a vantagem número um do vinil, para além da beleza e do fetiche. Isso porque a tecnologia exige apenas uma agulha.

Em relação ao financiamento, como a Goma Gringa se banca?

Nós, assim como a maioria dos selos independentes, estamos mais na sobrevivência do que qualquer outra coisa. A gente tinha um orçamento para investir em um lançamento. E tomamos a decisão, no início, de reverter toda a renda obtida, reinvestindo 100% na Goma. Chegou um momento que isso não estava mais sustentável, então começamos a trabalhar com o garimpo no site, com a venda de discos usados, nacionais e importados. O financiamento disso vem do selo e o lucro é de onde sai meu sustento – mas é basicamente o funcionamento de uma loja on-line. E aos poucos vamos andando. Não está sendo simples, mas fechamos um escritório agora que é uma grande vitória para nós.

Mesmo que a banda não tenha feito tanto sucesso, o disco continua lá, e permite que, daqui a um tempo, nas próximas gerações, alguém o pegue para escutar. É isso que faz a obra ser duradoura, que é algo muito difícil de alcançar na música. Para mim, essa é a vantagem número um do vinil, para além da beleza e do fetiche

Vocês foram atrás de financiamento público, por meio de editais e políticas de fomento?

Fomos muito pouco atrás disso. Neste ano até chegamos a mandar um projeto para o Rumos, mas infelizmente não fomos selecionados. Eu sei que é uma maneira muito utilizada para conseguir financiamento por projetos culturais. Mas por eu e o Mathieu sermos franceses não sabíamos muito como funciona esse tipo de incentivo. Então estamos um tanto quanto por fora desse sistema. Acho que tem um pouco também da minha forma de ver as coisas, de não querer dever nada para ninguém. Por isso a Goma se banca com dinheiro próprio desde sempre. Mas é algo que vale a pena estudar e entender melhor, principalmente para pensar outras formas de financiarmos os nossos projetos.

Em relação aos artistas com os quais vocês trabalham, há algum critério ou estilo musical?

Tem uma questão muito simples que é trabalhar com aquilo que a gente acredita; eu não consigo levar para a frente um projeto no qual eu não acredite na música da banda. Outra coisa da Goma é que nós nos aproximamos muito da cena a partir do contato com o Metá Metá, e dos projetos solos e dos artistas ao redor. A gente chegou em um momento que essa turma toda estava ultraprodutiva, então não tivemos tempos para pensar nessas questões, porque gostamos muito e acreditamos muito nos projetos deles. E era um atrás do outro e seguimos essa linha. Mas, lógico, tentamos ser na medida do possível ecléticos. Outro objetivo que temos para o ano que vem é relançar obras antigas, algo que deixamos um pouco de lado para trabalhar com esses projetos que surgiram. Isso para fortalecer a cena do garimpo, de redescobrir e compartilhar coisas esquecidas ou discos raros e de difícil acesso.

Tem uma questão muito simples que é trabalhar com aquilo que a gente acredita; eu não consigo levar para a frente um projeto no qual eu não acredite na música da banda

Há outros objetivos na Goma Gringa para além da produção de discos?

A gente está com vontade de ser também uma editora. Na verdade, editora é uma palavra muito forte. Mas pensar a produção de livros para ampliar um pouco o leque de atuação. A linha de fundo em um primeiro momento, claro, vai ser a música. O Kiko Dinucci, por exemplo, tem uma produção de desenhos e artes plásticas bacana e ligada à música, e podemos começar por aí.

Outra temática que gostaria de trabalhar é o concretismo brasileiro, do poema processo. De fazer relançamento de obras um tanto quanto esquecidas. Esses dias, aliás, fui a uma livraria e pedi ao vendedor uma obra de poesia concreta e não só não tinha na loja como também o rapaz que me atendeu não conhecia. E isso é surpreendente, pois é um movimento literário muito conhecido fora do país; algo genuinamente brasileiro que influenciou diversos artistas pelo mundo e que aqui tem um acesso meio difícil. Mas, lógico, é uma ideia e uma vontade de trabalhar um pouco com essa arte. Outra ideia, nesse sentido, é começar a fazer cartazes – serigrafados, assinados, numerados. E isso tudo tem relação com a ideia de patrimônio que havíamos conversado anteriormente, o livro e o disco, se não queimar, vão continuar lá, sem sumir dele mesmo. A tecnologia do CD some com o tempo, sem contar que exige outras tecnologias específicas para ler. Já o disco não, é algo muito simples de entender, mais analógico. Eu sou um cara das antigas e gosto do objeto material. Mas, assim, as novas tecnologias são ótimas, tanto em relação ao acesso para descobrir quanto à descoberta de informações que a gente não conhece.

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