A pesquisadora

foto: acervo pessoal

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“A música caipira é uma coisa que mora dentro das pessoas. Não é um modismo, é uma paixão pela raça, pela terra.”

Inezita Barroso (Folha de S.Paulo, Ilustrada, 6/3/2005)

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A pesquisadora

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Escritos da adolescência

Caderno com escritos de Inezita na década de 1940. A descrição, feita por ela, diz: “Crônicas… Bobagens… Provas… Versos Vagabundos… Vontade de encher papel”. Os textos trazem informações que destacam a dedicação da cantora à pesquisa.

 

 

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“Ninguém tem o direito de fazer a gente parar e eu nunca tive um período ruim. Como profissional, estou realizada; como artista, não.”

Inezita Barroso (Folha da Tarde, 14/8/1974)

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Cardápio do restaurante Casa da Inezita, fundado em 1977 | Acervo pessoal

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Inezita Barroso, a vida [Capítulo: A pesquisadora]

Por Paulo Freire*

*Curador da Ocupação Inezita Barroso, Paulo Freire conta aqui a história de uma vida. Uma vida de 90 anos, muitas músicas e muitos “causos”. Dividida em seis capítulos (A menina, A família, A artista, A pesquisadora, Eta programa que eu gosto e Um legado), essa história se espalha pelas seções do site. Um passeio pela vida e pela obra daquela que é uma das artistas mais importantes da cultura popular brasileira. 

Calma, queridos amigos que me acompanharam até aqui. O senhor e a senhora conseguem imaginar uma jovem artista brasileira, no auge da fama e da glória, paparicada por todos, ganhando os principais prêmios da classe artística, sair do conforto e do estrelato para se jogar numa aventura como a de uma longa viagem de carro? Para essa empreitada conseguiu um Jeep. E partiu de São Paulo com o cunhado Maurício Barroso e o ator paulista Nelson Camargo. Só que nenhum dos dois companheiros dirigia…

Moço, dona, vão ouvindo: Inezita Barroso saiu de São Paulo dirigindo um Jeep pelas estradas do Brasil, em 1957, com dois homens, e o objetivo era chegar a Belém!

Na entrevista para Aloísio Milani, ela contou: Quis chegar até o Rio Grande do Norte, se possível, pelo litoral. Não tinha estrada nenhuma, a gente chegava na praia e ia pela areia. Se tinha um rochedo muito alto que entrava pelo mar, entrávamos 100 quilômetros lá para dentro e dávamos uma volta para sair na frente, para passar o rochedo”.

Nessa viagem, aproveitou para recolher músicas que ouvia pelo caminho, alimentando sua paixão pela cultura popular. Um mês e meio depois da partida, já na Paraíba, através de um rádio amador, recebeu a notícia de que precisaria voltar para São Paulo. Mais uma vez receberia o Prêmio Roquete Pinto de Melhor Cantora. E ela voltou de sua aventura direto para a cerimônia de premiação, no Teatro Cultura Artística, na capital paulista.

A viagem foi fundamental para firmar em Inezita o desejo de se aprofundar na cultura do homem do campo, conhecer as diferenças que existem entre as regiões, anotar as músicas, reforçar a importância do violão no encontro das estradas, cantando para os caminhoneiros acampados na beira das rodovias e nas pequenas cidades do interior do Brasil.

Em 1961, saiu da Record. Gradativamente foi se afastando da TV e do rádio. Sentiu-se deslocada com a nova cara da televisão brasileira, que passou a apostar nos programas de variedades, deixando de valorizar o trabalho do artista. Recebeu alguns convites, mas se recusou a fazer programas desse estilo.

Inezita começou, então, uma fase nova em sua vida. Decidiu ficar mais perto da filha e da família. Minha filha está crescendo e precisa de mim”, dizia. Passou a dar aulas de violão em São Paulo (das 8 da manhã até meia-noite!”). Viajou com a família para São Vicente, no litoral paulista, de férias, mas continuou dando aulas lá. Chegou a ter mais de 60 alunos. Fez cerâmica, montou corais.

Abriu o restaurante A Casa de Inezita, na Avenida Santo Amaro. Tinha o sonho de que o local se tornasse uma escola de folclore, com aulas de culinária e venda de artesanato brasileiro. A decoração do restaurante era feita com os objetos que vinha recolhendo sobre cultura popular. E lá ela servia pratos de comidas típicas.

Deu aulas de folclore. Continuou gravando discos, sempre mantendo o foco no repertório de suas pesquisas. Dizia: Gosto de gravar músicas tradicionais, de autores desconhecidos… Não se confundindo, evidentemente, tradicional com velho, pois a própria música folclórica vive em constante transformação”.

Em 1969, os jornais começaram a anunciar “a volta de Inezita” para o mundo artístico, com shows, recitais. Era como se houvesse naturalmente uma necessidade de tê-la novamente em cena: ela e tudo o que representava para a cultura brasileira. Os convites para shows aumentaram. Chegou a se apresentar em 120 cidades do interior de São Paulo em 1977, e o mesmo tanto em 1978. Em todas essas viagens ela tinha a oportunidade de assistir às festas populares que amava – e de participar delas – e entendia morar ali a música que corre em nossas veias.

Ao mesmo tempo que voltou à cena, Inezita declarou textualmente que não iria mais se aproximar da TV, apesar dos convites que continuava recebendo. Ela via um futuro sombrio no que vinha sendo veiculado artisticamente pela televisão. Declarou em uma entrevista: Não canto mais para a luz vermelha de uma máquina fria, que leva o espetáculo para um público massificado, que só gosta da música imposta pela moda. O povo mais humilde sente o meu canto e não tem TV. Portanto, para mim, é tão importante cantar no Municipal como num circo de bairro ou do interior”.

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Em 1980, Inezita deu aulas sobre o folclore brasileiro no Conservatório de Pouso Alegre, no sul de Minas Gerais | foto: acervo pessoal

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“Uma das coisas importantes entre tantas outras que rapidamente aprendi e compreendi foi a origem do machismo nas manifestações folclóricas brasileiras. Mulher quase não canta, só bate palmas. Quem dança e aparece todo bonito é sempre o homem [...].”

Inezita Barroso (Inezita Barroso, a História de uma Brasileira, de Arley Pereira)

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A viagem

Matérias de jornais contando sobre a viagem que Inezita fez pelo Nordeste, em 1957, dirigindo o jipe Jovita, acompanhada pelo amigo Nelson Camargo e pelo cunhado, Maurício Barroso. A viagem foi uma pesquisa sobre músicas e manifestações folclóricas da região, a fim de compor a personagem Jovita em um filme que nunca chegou a ser realizado. A obra contaria a história da jovem cearense que se vestiu de homem para lutar na Guerra do Paraguai (1864-1870) | fotos: Revista Sete Dias na TV e Revista do Globo/acervo pessoal

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Breve história sobre uma viagem de jipe

Imagens cedidas pela Fundação Padre Anchieta (TV Cultura) para a Ocupação Inezita Barroso

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Santa Inezita

Por Myriam Taubkin

Na minha carreira de produtora e curadora musical, dediquei-me durante um longo período à viola brasileira, a seus artistas, a suas tradições. Nesse mergulho, pude constatar a importância de Inezita Barroso. Sua alma sertaneja – expressa em suas conversas, suas leituras, viagens, pesquisas e, sobretudo, na orientação que deu ao seu programa Viola, Minha Viola – deixa evidente o quanto Inezita representou um oásis para os tocadores e para os amantes da viola no Brasil.

Público e profissionais da música identificavam Inezita como um porto seguro para tudo o que significasse cultura caipira. Sua presença estimulava o encantamento que tínhamos com um Brasil do interior do século passado, nas pequenas coisas, clichês mesmo – um fogão a lenha, o cultivo de mandioca, um cigarrinho de palha, um homem a cavalo, o gado no pasto, um queijo à mesa, uma estrada de chão –, e com poder desfrutá-las com orgulho, vivê-las com prazer.

Inezita foi fundo à cata de compositores, músicos, poetas, cantores e escritores deste Brasil que ela amava e sobre o qual ansiava saber sempre mais. Conheceu o país como poucos; adorava viajar, fuçar, entrar nas rádios de cada vilarejo, puxar assunto com as pessoas do lugar, descobrir um novo tocador, um compositor desconhecido do público. Seu programa semanal de TV estava a serviço disso, tinha espaço para todos da vertente caipira.

Tive a imensa alegria de conhecê-la e de estar com ela em situações diversas. Uma delas foi na noite de pré-lançamento do livro e documentário Violeiros do Brasil. Decidi apresentá-lo aos artistas participantes com uma celebração em casa. Inezita, que me deu a honra de ser a prefaciadora do livro, também foi convidada. Sua chegada ao meu edifício causou expressivo rebuliço entre os funcionários e os moradores. Quem a viu passar se emocionou, fez questão de cumprimentá-la, riu, chorou. Acontecimento semelhante só presenciei com Dominguinhos. São figuras que, sem querer, baixam nossa guarda, nos cativam e nos dão a impressão de que sempre fizeram parte da família.

Em ano recente, sentei no meio do público do Viola, Minha Viola e fiquei observando seus fãs ao meu redor. Havia de tudo. Gente que agradecia aos céus por ter conseguido ir ao programa pela primeira vez – depois de 30 anos no ar – e gente que esteve presente em todos!

Em outra situação, fomos juntas à missa de sétimo dia do Pena Branca. Sua chegada à igreja no bairro do Jaçanã provocou comoção entre o público presente; foi como se ela acolhesse a todos em um momento tão significativo. Essa compreensão era natural em Inezita.

Fico lembrando do Braz da Viola, do Paulo Freire e das histórias de ambos sobre São Gonçalo, o santo dos violeiros. Inezita tinha uma coleção desses santinhos em sua casa. Como São Gonçalo, gostava de dançar, de cantar, de festa, de ter gente em roda. Assim como o santo, adorava comer e beber bem, cair na gargalhada, falar alto e ter sempre uma viola soando ao seu lado.

É ou não é Santa Inezita, a padroeira dos violeiros do Brasil?

 

Myriam Taubkin é produtora artística e curadora. Especialista em espetáculos de música brasileira, dirige o Projeto Memória Brasileira desde 1987 e já lançou os livros e documentários O Brasil da Sanfona (2004), Violões do Brasil (2005), Um Sopro de Brasil (2006) e Violeiros do Brasil (2008).

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Inezita posa em uma Casa do Norte em São Paulo. No Sudeste é bem comum esse tipo de comércio, especializado em vender comidas típicas, bebidas e demais alimentos regionais do Norte e do Nordeste | foto: acervo pessoal

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“Comecei inconscientemente e, em vinte anos de carreira, conto quarenta de pesquisas. Por isso tenho pena de largar uma coisa de que gosto e pegar outra, por absoluta falta de condições.”

Inezita Barroso (Folha da Tarde, 14/8/1974)