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Por dentro das audições do musical dedicado a Dona Ivone Lara

Confira como foi o processo de escolha do elenco da peça e as motivações de alguns dos candidatos que participaram da seletiva, ocorrida no Itaú Cultural

Publicado em 05/07/2018

Atualizado às 15:41 de 25/02/2019

por Marcella Affonso

Consagrada como uma das mais importantes referências da música brasileira, a cantora, compositora e instrumentista Yvonne Lara da Costa – conhecida como Dona Ivone Lara, seu nome artístico – terá sua história narrada em Um Sorriso Negro, próximo musical do projeto Trilogia do Samba, de Jô Santana. A estreia da peça está prevista para setembro deste ano, no Rio de Janeiro, e o Itaú Cultural recebeu uma das etapas mais importantes para a construção da obra: as audições para a escolha do elenco.

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Os testes ocorreram ao longo de cinco dias, de 29 de maio a 2 de junho, e foram divididos em três etapas eliminatórias: canto, dança e interpretação. “A gente não pode falar de samba sem falar do movimento, da dança, então são três linguagens fundamentais para o espetáculo”, observa o diretor Elísio Lopes Jr., que também assina o texto da peça. Seiscentas pessoas, selecionadas entre mais de 4 mil inscritos, participaram dessa fase.

Candidatas e candidatos na sala de recepção | foto: Lucas Ophelia

Os dois primeiros dias, reservados para os testes de canto, funcionaram como uma peneira inicial para os candidatos presentes, que, um a um, tiveram de subir ao palco para cantar o trecho de um samba escolhido por eles próprios. Para o diretor musical Rildo Hora, mais que uma boa afinação, eram esperados artistas que cantassem com o olho, com o corpo. E ele gostou do que viu e ouviu. “Nós tivemos aqui pessoas muito sensíveis e estamos muito satisfeitos com o nosso caminhar até agora”, afirmou no primeiro dia de audição.

Duzentos e sessenta e quatro artistas passaram para as audições de dança afro, ocorridas no terceiro dia, sob coordenação do mestre Zebrinha – José Carlos Arandiba –, diretor coreográfico do musical. “Acho que conseguimos despertar nas pessoas um sentimento de orgulho de dançar com tambores. A gente nunca havia tido essa experiência antes”, contou o coreógrafo. Divididos em cinco grandes grupos, os selecionados apresentaram uma sequência de movimentos preestabelecida que aprenderam no mesmo dia. A avaliação, como explicou Zebrinha, girou em torno de como as sequências foram executadas e da criatividade impressa sobre elas por cada participante. Por fim, nos dois últimos dias ocorreram os testes de interpretação.

As audições serviram para a escolha de 21 dos 22 artistas que contarão a história de Dona Ivone Lara nos palcos. Por convite da produção – e indicação da família da sambista –, uma das vagas, a de protagonista em uma de suas três fases, seria ocupada pela cantora e intérprete Fabiana Cozza, que renunciou após ser fortemente criticada por ter sido escolhida mesmo tendo a pele mais clara que a de Dona Ivone Lara, reacendendo o debate sobre o embranquecimento de artistas negros no teatro.

Ao longo das três etapas dos testes, conversamos com alguns dos candidatos que passaram pelo Itaú Cultural a fim de saber qual é o significado, para eles, de participar de um musical como esse e como se prepararam para chegar ali. A seguir você confere cinco dos depoimentos.

Questão de sonho

Soteropolitana, Ludmillah Anjos, de 32 anos, mudou-se para São Paulo há dois, quando fez Ghost – o Musical. Com uma trajetória na música que começa quando ainda era pequena, ela conta que um de seus maiores sonhos é poder cantar uma história como a de Dona Ivone Lara.

“Quero fazer parte disso. Quero contar essa história para as novas gerações que vão ao teatro, para que elas saibam que existiu uma mulher tão representativa no cenário do samba. Mulher negra, guerreira, que depois de compor muitos e muitos sambas veio fazer sucesso e hoje vai ser cantada num musical com artistas incríveis”, comenta. “É mais um merecimento para nós negros, principalmente, e para o currículo artístico-cultural do país.”

Como se preparou: “Não fiquei muito bitolada na coisa técnica. Eu trouxe, primeiro, verdade. Peguei uma música de Clara Nunes, 'Canto das Três Raças', e a internalizei na minha voz. A Ludmillah que está sendo avaliada ali, a cantora, primeiramente, é a verdade no canto; a dançarina é a verdade no corpo. Na interpretação, fiz a mesma coisa. Foi isso que eu trouxe e acho que isso que me trouxe até hoje nessa audição”.

Um apaixonado pela cultura brasileira

João Canedo, de 21 anos, é natural do Rio de Janeiro e, atualmente, vive em São Paulo. Formado em artes cênicas, participa de audições desde muito jovem e integrou, recentemente, o elenco de musicais como Eles Não Usam Black Tie e Ayrton Senna, o Musical.

“Sou apaixonado por espetáculos que falam da nossa cultura. Já fiz algumas montagens de espetáculos que vieram de fora e é outra linguagem, outra identificação. Tem um distanciamento forte por ser um texto originalmente de qualquer outro lugar que não daqui. As músicas são escritas para as vozes de lá, os corpos são corpos de lá. Parece que não encaixa”, explica. “E aí quando entro para fazer um espetáculo que é nosso, sobre nossa cultura, criado aqui do zero, rola uma identificação melhor e mais sincera.”

Como se preparou: “O ideal para a gente que trabalha com isso é que essa busca seja diária. Estou sempre estudando, sempre fazendo aula. Para cá, especificamente, dei uma boa pesquisada sobre a história de Dona Ivone Lara, que eu não conhecia, e sobre a música daquela época para poder fazer um texto mais ciente do que eu estava falando, sobre quem eu estava falando”.

Unindo interesses

Carioca, Mariana Pompeu, de 22 anos, veio do Rio de Janeiro só para participar das audições. Estudante de bacharelado em teatro, nunca chegou a participar de um musical, mas sabe que esse é o ramo que pretende seguir.

“O samba sempre foi muito forte na minha vida, na minha família. Meu avô e meu pai são músicos, eu tenho tias cantoras que saíram por aí fazendo shows, e foi o samba que esteve presente nas cantorias da minha família, nas rodas lá em casa”, diz. “Sempre escutei Dona Ivone Lara e outros artistas de samba e, quando vi esse musical, fiquei animada porque sinto que é parte da minha vida. Além disso, quero ser atriz de musical, estou estudando para isso também.”

Como se preparou: “Desde que recebi a notícia de que fui selecionada, procurei a partitura da música que decidi cantar, comecei a treinar com meu professor de canto e fiquei treinando junto com o monólogo que escolhi. Eu estava parada havia algum tempo, mas sempre dancei a minha vida inteira – fiz jazz, sapateado –, então não cheguei a treinar especificamente dança, mas com o canto e a atuação fiquei bastante em cima, até uns dois dias antes de chegar a São Paulo para fazer essas audições”.

Na fé

Com apenas a passagem de ida, Clayson Charles, de 29 anos, deixou o Amazonas para realizar os testes para o musical. Um ator que canta, como ele se descreve, fez parte do elenco do musical Rio Mais Brasil.

“Dona Ivone é um ícone, os sambas dela são incríveis. Meus tios todos adoram samba; quando tem Carnaval no Rio a gente fica até de manhã assistindo a todas as escolas, e lembro que quando a Dona Ivone Lara morreu meu tio mandou uma mensagem chorando”, conta. “E daí tu vê o quanto ela chega nas pessoas e o quanto essa mulher foi grande.”

Como se preparou: “Lá eu sou ator há dez anos, sou palhaço, trabalhei em teatro infantil muitos anos, [mas] quando a gente vem de fora para cá não é como aqui, que tem cursos de estudos de teatro musical. Lá isso ainda é muito prematuro. Nós temos artistas maravilhosos no Amazonas que você não faz ideia, mas que às vezes ficam lá e não têm essa visibilidade que hoje talvez eu tenha. Quando você vem aqui já precisa estar preparado, porque você vai encontrar pedreira”.

Sem fugir de seus valores

Leonam Moraes, de 32 anos, é ator, dançarino e cantor. No teatro desde pequeno, já participou de musicais como Yank! e Cartola – o Mundo É um Moinho.

“Dona Ivone Lara foi uma precursora. É muito importante a luta dela, tudo o que ela significa. Falar que a gente escolhe projetos é meio arrogante na nossa profissão, mas eu nunca fiz nada que fosse contrário aos meus valores, aquilo em que acredito e aquilo que eu gostaria de falar, de contribuir com a minha arte”, explica. “E esse é mais um projeto assim.”

Como se preparou: “[Em relação ao texto,] fui buscar referência, estudei um pouco a história do personagem que escolhi para viver aqui para ter mais verdade e passar as coisas com propriedade. Teatro eu faço desde pequeno, dança e canto é aula. No dia anterior à audição de dança eu já fui para casa pesquisar sobre o jongo, sobre a África, e antes de dormir fiquei olhando os movimentos. O canto a mesma coisa”.

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