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TEXTO CURADORES / O MÉTODO É O TRABALHO

São raros os artistas cujo método de trabalho se confunde com a própria obra. Sergio Camargo (1930-1990) é um deles. Por isso, uma exposição que permite visualizar os diversos momentos de sua criação – e esclarecer sobre o processo íntimo da forma – merece atenção especial tanto do estudioso de arte quanto do público em geral.

 

A partir da segunda metade dos anos 1950, durante o período de desdobramentos das experiências construtivas no Brasil, podemos detectar contribuições brasileiras importantes à arte do século XX. Alguns exemplos são as pinturas do ítalo-brasileiro Alfredo Volpi, as esculturas de Amilcar de Castro e Franz Weissmann, os “bichos” de Lygia Clark, os “objetos ativos” de Willys de Castro, assim como as obras de Hélio Oiticica e, mais tarde, as produções de Sergio Camargo. Não se pode dizer que o trabalho de Camargo seja resultado exclusivo dessa conjuntura, mas dela se nutriu e resulta do inteligente diálogo que se estabelecia entre as criações desses artistas.

 

Embora durante sua formação Sergio Camargo tenha sido influenciado por pioneiros da abstração – como o romeno Constantin Brancusi, o franco-alemão Hans Arp e o belga Georges Vantongerloo –, suas primeiras experiências escultóricas foram torsos femininos em bronze. São eles que, cedendo à pressão da forma construtiva, serão reduzidos aos cilindros. Primeiro, corpos fragmentados, sob tensão coletiva, no limite entre ordem e desordem e, no entanto, submetidos a uma razão maior: a da lógica recursiva, da repetição das formas recortadas – que, dependendo do trabalho, podem se apresentar desde delicadamente minúsculos até virtualmente brutais. Naquele momento Sergio Camargo criava e aplicava seu método na madeira e a pintava de branco para adicionar à superfície, no tênue jogo de luz e sombra, a tensa ambiguidade de elementos que não se individualizam, que só produzem sentido num universo relacional.

 

Atualmente estamos habituados a extravagâncias, chamadas pós-modernas. Por isso a experiência de estar diante da obra de Sergio Camargo é estranha ao olhar contemporâneo – acostumado aos grafites, às instalações e às performances.

 

 

O público, ao entrar em contato com as obras, encontra o silêncio e a escassez de cor – apenas o preto, o branco e raramente a madeira como fundo. Na maioria das vezes, o artista parece distribuir os cilindros de madeira aleatoriamente, num jogo randômico. No entanto, uma observação atenta nos leva a perceber que nem todos os relevos estão submetidos a essa ordem caótica. Em alguns casos, o projeto anterior à disposição dos “tocos” – como o artista os chamava – se manifesta com clareza, e é possível notar os desenhos. No entanto, a certeza de ordem também se encontra nos relevos aleatórios, já que neles os mesmos módulos se repetem numa lógica recursiva.

 

Esses elementos podem tomar grandes dimensões, sendo dispostos aos pares sobre a superfície, como se amplificassem a potência dos relevos. São as chamadas “trombas”. Nessa outra experiência, deveríamos falar mais precisamente de combinação, do que propriamente de uma lógica combinatória – recursiva e iterativa – como nos relevos.

 

Podemos observar em Sergio Camargo: Luz e Matéria uma síntese das sucessivas experiências que guardam uma poderosa virtude: contidas na prática empírica da repetição, manifestam-se, no entanto, sempre na afirmação dos indivíduos isolados – tal como os relevos, semelhantes e, ao mesmo tempo, tão diversos. É a genealogia do trabalho, rigorosamente estrutural, que não admite apontar, em cada um de seus diversos momentos, antecessor e sucessor.

 

Essa obra, que conviveu com tantas transformações na arte, manteve-se fiel à herança moderna. Segundo Charles Rosen – pianista e um dos mais relevantes musicólogos do século XX –, o que caracteriza o estilo clássico, na música, é a coerência e a unidade de sua linguagem. Num exercício de transposição para as artes visuais, podemos dizer que, ao entrar em contato com o trabalho de Sergio Camargo, estamos diante de um clássico contemporâneo.

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