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Produção cultural evangélica | Elisa Hoerlle

A pesquisadora Elisa Hoerlle fala sobre a produção cultural evangélica

Publicado em 07/11/2017

Atualizado às 12:08 de 03/08/2018

Em entrevista, Elisa Hoerlle, pesquisadora das interfaces entre o fenômeno religioso e a midiatização da sociedade, fala sobre produção cultural e indústria cultural no campo evangélico e sobre como a indústria gospel se apropria de produções da indústria cultural secular.

Elisa Hoerlle é pesquisadora – trabalha com hermenêutica e análise da experiência do usuário – e mestra em ciências da comunicação pela Unisinos, tendo investigado as interfaces entre o fenômeno religioso e a midiatização da sociedade.

(Foto: acervo pessoal)

Em sua pesquisa, quais parâmetros são usados para definir a indústria cultural dentro da chamada cultura evangélica?

A produção simbólica evangélica deixou de ser uma expressão de cultura popular, assumindo um caráter industrial massivo. O que antes era fruto da criação espontânea pelas igrejas passou a ser produzido por empresas que não têm vínculo imediato com nenhuma instituição religiosa. Essas empresas orientam suas operações como um negócio secular. Nas últimas décadas, os evangélicos emergiram como uma potência mercadológica, pois, mesmo dispersos em milhares de denominações com posicionamentos doutrinários específicos, são unidos enquanto consumidores em potencial. Nesse sentido, entendemos que a indústria tem uma finalidade específica dentro do campo religioso, auxiliando na manutenção de uma identidade comum.

O que podemos entender como produção cultural evangélica?

Tudo começa com a mercantilização das produções originais, destacando-se os hinos e os livros doutrinários. A apropriação dos gêneros da indústria cultural secular modifica significativamente a cultura gospel, originando manifestações inéditas. Para cada produção feita pela indústria secular, encontra-se facilmente uma similar da indústria gospel: filmes de ação, livros de romance, álbuns de rap. Há oferta de produtos que extrapolam o campo midiático – iniciativas curiosas, como agências de viagens, clínicas de saúde, bares etc. Negócios similares aos da indústria secular, que direcionam suas atividades para o público evangélico.

A música, por meio do movimento gospel, foi possivelmente a primeira linguagem a ganhar ascensão no meio evangélico. Podemos afirmar que a música seria uma linguagem central nessa produção?

A música é central na cultura gospel por estar presente tanto no ritual do culto quanto na vida cotidiana. O gospel surgiu como uma inovação estética na liturgia das igrejas negras do sul dos Estados Unidos. Esse modo de cantar, de dançar e de se vestir foi a primeira forma de espetáculo identificada na cultura evangélica.

Em sua tese Indústria Cultural e Gratuidade na Midiatização do Campo Evangélico, você aponta que a religião evangélica ocupa uma grande parte da sociedade civil brasileira; entretanto, ela é marcada pela fragmentação, por disputas doutrinárias e por diferenças de costumes. Você acha possível aplicarmos essa disputa ao conceito das chamadas guerras culturais?

A grande disputa não é entre as denominações evangélicas. Pedro Gilberto Gomes explica que a mídia secular e o campo religioso concorrem pelo mister da explicação geral do mundo, o que, diga-se de passagem, é uma tarefa bastante pretensiosa. Esse desejo por hegemonia pode ser trabalhado como uma guerra cultural, que atualiza tensões entre tradição e modernidade. Um caso que vem se destacando nesse sentido é o retorno da educação domiciliar por famílias conservadoras.

Recentemente, o ensino religioso nas escolas tem sido debatido, e os evangélicos se posicionaram contra. Como você avalia essa posição?

A principal discussão sobre o ensino religioso é se ele deve ser uma doutrinação confessional ou um ensino de ciência da religião. Nenhum dos dois cenários é interessante para a comunidade evangélica. O ensino confessional foi, durante muitos anos, ministrado pela instituição católica romana, outrora a religião oficial brasileira. A ciência da religião problematiza o fenômeno religioso como um todo, trabalhando-o como um fenômeno de natureza social. Ela é uma disciplina do conhecimento científico que, entre outras coisas, oferece um panorama sistematizado sobre as principais religiões mundiais; não procura resolver questões espirituais sobre a validade de determinado sistema de crença ou sobre a existência do divino. Mesmo assim, esse tipo de ensino pode desencantar a crença de pessoas que não tiveram experiências profundas na fé.

No meu testemunho pessoal, o contato com a ciência da religião serviu para peneirar o que era minha experiência com Deus do que era minha experiência com a religiosidade.

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