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Rumos 2015-2016: Mídia Circus

Há quatro anos, em 2013, ocorria o ciclo de manifestações que representaram uma guinada na direção da política nacional, as chamadas...

Publicado em 23/06/2017

Atualizado às 10:54 de 03/08/2018

Por Duanne Ribeiro

[caption id="attachment_98550" align="aligncenter" width="650"]unnamed Bruno Torturra (à direita) em uma das gravações do Fluxo, com o agrônomo Antônio Nobre[/caption]

Há quatro anos, em 2013, ocorria o ciclo de manifestações que representaram uma guinada na direção da política nacional, as chamadas Jornadas de Junho. Inicialmente ligados à luta pela redução das tarifas de transporte, os protestos agregaram diversas pautas e indicaram uma crise na institucionalidade brasileira. Marcou esse período a cobertura feita pelo coletivo Mídia Ninja – ao vivo, na rua, em meio ao povo, com mínimos recursos audiovisuais. Do coletivo, entre outros profissionais, destacou-se o jornalista Bruno Torturra.

Hoje, Bruno acredita que a experimentação jornalística que deu vida ao Mídia Ninja precisa dar um passo à frente. Explorando novos caminhos quanto à tecnologia e à intervenção urbana, ele desenvolve com o apoio do Rumos 2015-2016 o Mídia Circus, um novo programa do projeto Fluxo, com outros formatos de entrevista e cobertura de personalidades e movimentos culturais.

A palavra-chave do processo que desemboca hoje no Circus é streaming [transmissão instantânea de áudio e vídeo via internet, base de sites como o Youtube e o Spotify] – o projeto é a mais recente fase das descobertas do jornalista sobre o uso desse instrumento. “Quando percebi que o meu smartphone – isso em 2011 – transmitia ao vivo, mudou tudo. Eu falei: 'Nossa! Tenho um canal de TV na minha mão e não sabia'.” A partir disso foram várias experiências – em destaque, a Pós TV, com gravações em estúdio ou caseiras, e o Mídia Ninja, em que a rua assumiu papel preponderante.

“Era importante transmitir a rua; a rua era onde a notícia estava”, explica Bruno, “e todo mundo queria saber o que estava acontecendo sem um repórter engravatado atrás de uma câmera grande, atrás da polícia. Tentamos fazer transmissões longas, sem edição, sem filtro, usando a ferramenta que mais nos faz parecer com o manifestante: o celular. A gente não era mais a imprensa – era um olhar subjetivo dentro da manifestação.”

O impacto dessas escolhas de cobertura, Bruno ressalta, foi grande e inédito. De todo modo, em 2013 ele saiu do Mídia Ninja, por “já ter cumprido seu papel” no grupo e por uma vontade de “se expressar mais como repórter”. Foi nesse momento que nasceu o Fluxo. “A ideia era ter uma redação, um estúdio mesmo, onde a gente pudesse fazer experimentos de linguagem e de modelo de negócio para o jornalismo.”

Com o avanço do Fluxo, os efeitos e as dificuldades dos formatos ao vivo e em estúdio, além dos hábitos on-line das pessoas, foram sendo apreendidos. A partir desse acúmulo de experiência surgiu a ideia do Mídia Circus, que se fundamenta no conceito de que “a mídia precisa ser entendida sob uma perspectiva cultural”, já que “a hiperconectividade e o barateamento de equipamentos de videodifusão fazem com que a produção de mídia não se restrinja mais a ser uma atividade econômica. Ela é uma atividade civil; não uma fronteira de negócios, mas uma fronteira criativa”.

Nesse sentido, a vivência das tecnologias é única hoje. “Essa entrevista que a gente está gravando – há poucos anos você teria um gravador, separado de sua câmera, separado de seu fax, de qualquer outra coisa. Esse advento multimídia... Que tipo de programa pode sair disso, que tipo de expressão cívica pode sair disso?”

A resposta – ou o caminho para encontrar as respostas a essas questões – é o Circus. O projeto inicialmente previa um furgão que percorreria a cidade com eventos culturais e transmissões ao vivo. No decorrer da produção, a ideia se mostrou muito custosa. Isto, somado a dificuldades burocráticas, mudanças de atitude por parte do Poder Público e polarização política, que afeta a vivência nas ruas, fez com que a proposta fosse deixada de lado – por enquanto. “Meu projeto é conseguir um furgão, mas com mais apoio, tendo doação do público, outro parceiro que ajude a financiar”, diz Bruno. Trata-se, assim, de um reposicionamento de foco. “A gente já tem a principal parte resolvida: equipe, conceito, agenda, experiência na rua com uma coisa mais simples funcionando.”

É também pelo Circus que o jornalista quer avançar nessa “revolução ainda pouco explorada” que é o streaming. “Eu me admiro que está demorando tanto tempo para a gente usá-lo de maneira mais inteligente, mais eficiente, mais criativa mesmo”, conta. Para isso, o programa terá o desenvolvimento de uma tecnologia própria para aperfeiçoar a conexão 4G, mais de uma câmera para gravação e uso de material gravado – tudo em busca de uma qualidade de imagem e edição menos usual na transmissão ao vivo. Além disso, mantém-se forte no projeto o papel crucial do espaço urbano, na medida em que, nas palavras de Bruno, “a rua é o novo território de experimentação da participação civil”.

Esse enfoque acarreta desafios e potencialidades ao Circus. “Você realmente trabalha no território do incerto – não é inseguro, é incerto mesmo, é bem diferente”, diz o jornalista. “A gente não sabe como as pessoas vão reagir, não sabe como o programa vai acabar, não sabe qual é a conversa que teremos com essas pessoas, não sabe qual pergunta o público vai fazer, não sabe que tipo de pessoa vai aparecer quando a gente chamar, porque é a rua, não tem roleta, não tem controle, não tem lista de chamada, não se sabe quem vai responder ao chamado, quantas pessoas virão, como a polícia vai reagir, quem vai interromper a gravação no meio... É no final do projeto que a gente vai descobrir o que ele realmente é, o que funciona e o que não funciona.”

Entre as gravações piloto do Mídia Circus estão uma matéria no Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) e uma conversa com o médico Drauzio Varella. Bruno também pretende gravar em Altamira, no Pará, a cidade mais violenta do país: “Ninguém nunca nem viu Altamira. Então é andar ao vivo lá e entrevistar essas pessoas. Só é possível se tiver uma produção muito enxuta, se nosso equipamento couber em duas mochilas”.

Ele conclui: “Queremos ver como a gente interfere na agenda do país. É uma equipe pequena, nesse experimentalismo editorial mesmo. Sem o furgão, sem uma tenda, como é que a gente reproduz a ideia de chamada pública para ficar na rua de outra forma?”.

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