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Documentário vai retratar a relação da senzala com o quarto de empregada

“Aqui Não Entra Luz”, de Karoline Maia, é um dos 109 projetos contemplados por esta edição

Publicado em 31/07/2018

Atualizado às 16:43 de 27/01/2021

Por Amanda Rigamonti

Em 2015, Karoline Maia ouviu de sua chefe na época, uma mulher branca, que deveria dormir no quarto de empregada. Como parte de seu processo de superação desse episódio de racismo e para se desfazer da culpa que sentia, a cineasta começou a desenvolver o projeto que foi selecionado pelo Rumos 2017-2018.

Aqui Não Entra Luz tem a proposta de traçar um paralelo histórico entre a senzala e o quarto de empregada – aquele que por muitos anos foi encarado com naturalidade nos projetos arquitetônicos brasileiros. Para tratar dessa questão, Karoline vai produzir um documentário de longa-metragem entrevistando historiadores, sociólogos, pesquisadores, artistas e pessoas que desenvolvem o trabalho doméstico. As gravações se darão nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Maranhão, escolhas feitas em razão do histórico escravista e de imigração forçada nesses locais.

“O quarto de empregada serve para a manutenção da nossa sociedade”

A diretora conta que a proposta é que o filme seja educacional, para compartilhar conhecimento e colocar em pauta o racismo: “Eu acho que o processo de conhecer e se reconhecer racista é muito difícil, porque o racismo é um projeto de sociedade que deu e está dando muito certo e ele impacta a vida dos negros de todas as formas possíveis – no trabalho, nas relações amorosas, em um momento de lazer, sempre vai estar presente de alguma maneira. E eu acho que dar nome ao racismo é importante. A gente fala muito em preconceito, mas tem que falar 'é racismo'. E, além de tudo, educar, sobretudo as crianças”.

Ela relembra ainda que, em julho de 2017, alunos do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) denunciaram um professor que passou um trabalho no qual exigiu a inclusão de uma área de serviço com quartos e banheiros para oito empregados no projeto da casa. Apesar de isso indicar uma mudança frente à naturalização desses espaços, Karoline aponta que a relação com as empregadas domésticas ainda é de subjugação: “Eu até entrei em um grupo de empregadas domésticas e babás no Facebook, para ver com qual frequência as pessoas pedem para que elas durmam na casa. Tem bastante pedido e não necessariamente tem um quarto de empregada, construído para isso, mas sempre vai ter um lugar que é desconfortável”.

O nome do projeto, inclusive, veio a partir da estrutura do quarto de empregada: “É um lugar pouco confortável e que não é feito a partir da ideia de que a pessoa precisa estar bem ali dentro. Tem normalmente uma janelinha em cima, é desumano... E o nome veio por conta dessa estratégia de construir esses lugares para dar a sensação de que você abriu mão da sua humanidade e de seu desejo de se sentir bem e confortável”.

Para reforçar a importância de ter sido selecionada pelo Rumos, Karoline chama a atenção para a ausência de mulheres negras no mercado de longa-metragem: “É um dado bem preocupante, porque poucas mulheres negras dirigem longas no Brasil, se for comparar com a quantidade de homens brancos. A primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem que entrou para o circuito comercial no Brasil foi Adélia Sampaio, nos anos 1980. E aí, no ano passado, entrou o documentário O Caso do Homem Errado, da Camila de Moraes. Foram mais de 30 anos de hiato entre longas de mulheres negras no circuito comercial. O caminho é muito difícil, e eu me sinto uma sortuda por ser selecionada”.

Ainda no começo da produção do projeto, a diretora vem montando uma equipe composta somente de mulheres até o momento. Quando iniciar as filmagens, vai compartilhar nas redes sociais do filme algumas etapas do processo para aproximar o público, contando sobre os lugares por onde passou e o que encontrou no caminho.

Karoline Maia é cria do Jardim Helena, bairro no extremo leste de São Paulo. Formada em rádio e TV, faz parte do coletivo Pujança e trabalha como diretora, fotógrafa e montadora. Codirigiu as webséries Cultura das Bordas e Nossa História Invisível, ambas apoiadas pelo edital VAI, e o documentário Do Amor à Cura, contemplado pela SPCine. Fez assistência de direção e fotografia no documentário Nossas – Laboratório de Outros Futuros e no longa Crioula Reinado, produziu para a websérie Imagina na Copa e idealizou e produziu os zines Jardim Carolina e As Linhas em Mim.

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