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"Joaquim, o Fusca que Contava Histórias"

Joaquim é um Fusca branco 1978 que adora viajar pelas estradas, Brasil afora, contando, ouvindo e...

Publicado em 24/07/2018

Atualizado às 11:52 de 30/07/2019

Por Jessica Orlandi

Joaquim é um Fusca branco 1978 que adora viajar pelas estradas, Brasil afora, contando, ouvindo e compartilhando histórias. Sempre que volta de suas viagens, Joaquim – também conhecido como “Juca” – procura um local para estacionar, descansar um pouco, fazer novos amigos e dividir as experiências e memórias de cada lugar por onde passou. De dentro de sua mala, ele tira livros, brinquedos e muitas lembranças das aventuras que viveu. E é a partir daí que se desenrola o espetáculo...

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Joaquim, o Fusca que Contava Histórias é o mais recente trabalho autoral, interativo e itinerante do gRUPO êBA! – formado pelas contadoras de histórias Amanda Lioli, Brunna Talita e Li Albano, e que em suas apresentações tem ainda a participação especial das atrizes e contadoras Catharine Moreira [na Língua Brasileira de Sinais (Libras)] e Laruama Alves (em português e Libras). Um dos selecionados do programa Rumos 2017-2018, do Itaú Cultural, o êBA! estuda a cultura popular da infância e a cultura surda, sempre trabalhando em seus projetos o português e Libras de forma intrínseca.

O gRUPO êBA! é formado pelas contadoras de histórias Amanda Lioli, Brunna Talita e Li Albano | foto: Liane Mota

Criada de forma coletiva, a peça – que mescla contação de histórias, música popular e brincadeiras – fala sobre uma menina que engolia nós e sobre os muitos entraves que não só os surdos, mas todas as pessoas enfrentam diariamente, como os sociais, os familiares, os pessoais, os de comunicação e outros de cunho mais íntimo, trazendo à tona diversas questões.

“A concepção do Joaquim começou com uma angústia minha, e junto com uma amiga escrevi a história da menina que engolia nós”, conta Amanda. “Começamos a falar das angústias cotidianas, de questões como a falta de direitos, dos preconceitos, do fato de sermos mulheres, de diversas ‘coisas’ que temos que engolir todos os dias. Conversando também com a Catharine Moreira, que é surda, descobrimos muito da realidade da pessoa surda e suas questões, como a descoberta da própria surdez, a reação da família, as dificuldades para aqueles que pretendem alcançar formação profissional e os entraves ainda existentes na sociedade com relação a essas pessoas. Pegamos tudo aquilo que cada uma ‘colocou na mesa’ e criamos o espetáculo.”

Encantando, empoderando e dando voz às pessoas

Joaquim, ou Juca, o Fusca branco que se tornou um dos personagens da peça e o principal meio de transporte do grupo, foi comprado por Amanda e acabou fazendo parte do projeto a partir do momento em que o êBA! decidiu expandir as suas fronteiras para além da cidade de São Paulo (onde está sediado) e apresentar o seu trabalho país afora, dando oportunidade de acesso à cultura a crianças surdas de diversas regiões.

“Todos os projetos do gRUPO êBA! sempre preveem a nossa ida até onde as crianças surdas estão, e a ideia com Joaquim não foi diferente. Mas o intuito era levar o espetáculo para além das escolas, para a estrada e para diferentes pontos do Brasil. Eu tinha comprado esse carro, que na realidade era para eu viajar, mas no fim ele virou parte do projeto”, explica Amanda. “Ainda existe uma questão muito delicada no país que é o quanto a comunidade surda está isolada. Ela fica muito separada do restante da sociedade – que não proporciona acesso pleno à cultura nem a qualquer outra coisa, o que faz com que [o surdo] acabe se isolando. E esse isolamento é uma das principais barreiras que nós tentamos quebrar.”

O êBA! estuda a cultura popular da infância e a cultura surda | foto: Liane Mota

O projeto também dá voz e empodera crianças, adolescentes e adultos que assistem ao espetáculo, já que no final da apresentação o espectador é convidado pelas artistas a gritar, literalmente, e a entrar no Juca para contar as suas histórias, sonhos, ideias ou aquilo que quiser relatar, além de colocar para fora os seus próprios nós.

“Pedimos que todos gritem e soltem esses nós, sendo surdos ou não. Ainda existe uma ideia nas escolas de que a pessoa surda é sempre surda-muda e não tem voz. E nós afirmamos que ela tem voz, sim, e pode fazer aquele (ou qualquer outro) lugar ‘tremer’ com a voz que tem”, diz Amanda. “Depois, finalizando o espetáculo, convidamos todos a contar quais são seus nós e suas histórias, sentados no Fusca, e a partir daí vêm os depoimentos. A maioria deles vai para o lado do desabafo. As histórias são muito fortes. Outra coisa que observamos nessa hora é a construção lógica do pensamento. Ver a pessoa, surda ou não, construindo uma estratégia de argumentação é muito importante e emocionante.”

Amanda acrescenta que hoje já existe um movimento de conscientização nas escolas com relação ao aprendizado da criança surda. “A metodologia escolhida é a língua de sinais como primeira língua e o português, na modalidade escrita, não oralizada, como segunda. O profissional surdo, inclusive, entra na escola, trabalha com a criança, mas o foco principal dele são os professores. Então, já notamos um respeito maior”, explica. “Mas ainda faltam informação, profissionais adequados e tudo mais.”

As andanças de Joaquim

O projeto Joaquim, o Fusca que Contava Histórias está em prática desde janeiro deste ano e já foi apresentado em diversas instituições, como o Museu da Imagem e do Som (MIS) e bibliotecas públicas de São Paulo e de Santo André [sempre com alunos de escolas municipais de educação bilíngue para surdos (Emebs) convidados].

“Agora com o Rumos a nossa ideia é, além de continuar com as apresentações em São Paulo, seguir para outras cidades e estados, descobrindo onde estão as crianças surdas e chegando a elas e suas famílias”, fala Amanda. “Queremos, inclusive, ocupar os espaços públicos, trazendo a comunidade surda para esses locais.”

Sobre o gRUPO êBA!

O grupo surgiu em 2012, depois que Amanda Lioli, Brunna Talita e Li Albano se conheceram em um curso no Instituto Brincante, em São Paulo. A ideia das artistas foi juntar contação de histórias, brincadeiras e a Língua Brasileira de Sinais como recurso artístico e estético, já pensando a narração como um encontro do português com Libras. O intuito do trio, que em suas apresentações conta ainda com a participação especial das atrizes e também contadoras de histórias Catharine Moreira (Libras) e Laruama Alves (português e Libras), é mostrar aos ouvintes a realidade da cultura surda de forma lúdica e interativa, em todas as ações que desenvolve (apresentações, oficinas e workshops), mas sempre com a preocupação de como colocar as brincadeiras para o público surdo.

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