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Quereres e escolhas de Jards Macalé virarão livro

A trajetória artística do músico é o cerne para que se reflita acerca da contracultura brasileira

Publicado em 21/08/2018

Atualizado às 18:42 de 30/08/2019

por Heloísa Iaconis

Ali, no cinema novo, Glauber Rocha com Terra em Transe (1967). Lá no teatro, Zé Celso com O Rei da Vela (1967). Ao lado, Caetano Veloso e Gilberto Gil cantavam, respectivamente, “Alegria, Alegria” e “Domingo no Parque”. No mesmo compasso, Hélio Oiticica e a instalação Tropicália (1967), Lygia Clark e os seus Bichos (1960-1964). Na poesia, de mimeógrafo em mimeógrafo, Ana Cristina Cesar, Paulo Leminski, Chacal, Torquato Neto e mais. No jornalismo, Tarso de Castro e companhia comandavam O Pasquim. Tanto, tanto, ainda que a era fosse de ditadura militar. E é nesse fervor artístico que também aparece Jards Macalé, autor de canções como “Mal Secreto”, “Vapor Barato”, “Hotel das Estrelas” e “Gotham City”.

Diante disso, o livro Jards Macalé – Eu Só Faço o que Quero não poderia ser uma biografia convencional: a intenção do pesquisador Frederico Coelho e da editora Adriana Sucena Maciel é perscrutar uma geração inteira por meio dos caminhos do tijucano ilustre. Selecionado pelo programa Rumos Itaú Cultural, o volume, em uma fase preambular, conta com um terceiro integrante em sua feitura: Macalé, o próprio.

Jards Macalé | foto: divulgação

Já que o assunto é vontade

De um desejo pessoal de Frederico se formou a ideia de escrever sobre Jards Macalé, aquele que bem carrega fome de impulso. “Talvez seja um dos trabalhos mais importantes para mim. Espero que o livro coloque Macalé em um patamar de interesse do público que ele merece. Veja, não é ele quem pede por isso. Sou eu que tenho essa opinião. Torço para que conheçam a obra dele com a qualidade e a força devidas”, explica o estudioso da dita cultura marginal dos anos 1960 e 1970.

O idealizador teve o primeiro contato com os feitos de Jards na esfera familiar, um tal de ouvir Maria Bethânia pôr a voz a serviço das letras do morcego. Depois, na época da faculdade, em meados da década de 1990, vieram amigos, rádio, compras em sebos, os primeiros estudos – nascentes de um só rio, caldo que direcionou o historiador rumo ao anjo exterminado. Desde esse período, Frederico vem investigando e redigindo acerca do contexto amado. Sempre atento aos meneios da música nacional, percebeu que há um balaio de artistas novos a entenderem a potência de Macalé. O cantor está aí, em cena. Entusiasmado por uma energia ainda circulante, o especialista passou a aspirar a feitura de um título a respeito de uma das figuras (e do mosaico completo) daqueles dias de inovação e chumbo. E desses dias de hoje.

Firmado o conceito, antes de qualquer outra atitude, o estudioso procurou o homenageado e lhe propôs: trata-se de uma parceria, uma tarefa conjunta. “Ele, a princípio, apresentou questões. Falei que não seria uma biografia tradicional e sim uma trajetória escrita com ele. Essa ideia o seduziu”, recorda Frederico. 

Conseguido o apoio do mestre, o professor buscou então o suporte de uma amiga: levou o projeto a Adriana Sucena Maciel, editora que logo aceitou participar da iniciativa, posto que, desde pequena, ouve entusiasmada Aprender a Nadar (1974), disco de Jards. Crescida, apaixonada por literatura e canção, gravou um álbum denominado Poeira Leve (2004), no qual registrou uma versão de “Mora na Filosofia”, faixa de Transa (1972), CD de Caetano Veloso, com arranjos do dono do “Poema da Rosa”. “Tudo se deu de um jeito simples. Vamos fazer? Vamos! A ideia estava toda na cabeça do Fred. Para ele, o desenho é claro: contar esse tempo a partir do personagem principal e deixar viva essa história, essas criações”, diz Adriana.

Atadas as pontas, veio o Rumos. “Foi a primeira vez que me inscrevi no edital. Por eu ser vinculado à universidade, sempre estive acostumado a trabalhar sozinho no meio acadêmico. Até que Adriana sugeriu inserir o livro no programa. Confesso que não esperava ser selecionado. Quando soube, fiquei muito feliz, pois ganhamos mais parceiros”, revela o pesquisador. E a editora completa o contentamento: “É bom demais produzir uma obra com calma”.

>>> Conheça o site da Ocupação Jards Macalé, mostra realizada em 2014 no Itaú Cultural.

Entre aspas

Uma biografia que não é uma biografia padrão e tampouco oficial. Um protagonista para quem, ao longo da carreira, foi construído um lugar de maldito. Maldito? Jards Macalé é rodeado por um leque de veios, de óticas possíveis. Um caleidoscópio cujo trato Frederico está, aos poucos, delineando. No texto, o historiador pretende abordar capítulos como: os contatos inventivos com, por exemplo, Caetano, Gilberto Gil, Gal Costa, Waly Salomão e Nelson Pereira dos Santos; o espetáculo O Banquete dos Mendigos (1973), no Museu de Arte Moderna do Rio; e os afazeres atuais. “Ele me dará depoimentos e, a partir de suas falas, escreverei”, esclarece o docente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ) que se esforça por tirar a camada de superficialidade que encobre a fama. “O livro é um recorte. Não acho que temos de alimentar uma curiosidade boba em relação ao terreno da intimidade do artista. O relevante é saber o que o estimula a realizar a sua música”, pontua Adriana.

Frederico resume a admiração que move a dupla: “Em minha opinião, ele é o maior seguidor de João Gilberto no Brasil. Macalé sempre fez o que quis, sempre fiel aos seus princípios, apesar da indústria fonográfica. E isso, acho, é tão bonito”. Das inúmeras facetas com aspas, o eixo essencial não tem depende: ainda agora, ele faz o que quer. Só o que quer. E é esse pulso que florescerá nas páginas.

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