A arte da perseguição



13 obras do coletivo Monstra. Quer alguma para pendurar na sua sala? Aguarde a próxima caça (Foto: Marilia Camelo)

Terça, 28 de fevereiro. A caixa de entrada está sem graça. Para o repórter, essa inquietante calmaria significa a necessidade de repensar seu trabalho. Ou então que algo extremo está para acontecer. Entre essas opções, a chegada de um e-mail despretensioso o leva a apostar na segunda hipótese. Um informante relata o ataque do Monstra, ou melhor, a exposição 13 Obras que Você não Colocaria na Sala da sua Casa.  Em confusas palavras, o mensageiro afirma ter visto obras de arte espalhadas pela cidade, mapas de ruas na rede social Facebook e muita correria pelas vias de Fortaleza.

Monstra é um coletivo cearense de sete artistas plásticos seguidores do expressiocinismo. Em seu DNA circulam a Pop Art e o movimento Lowbrow (que despreza a “alta arte” e sofre fortes influências da cultura underground). Atuando desde 2008, as sete mentes subversivas pintam e bordam  com o que estiver em suas garras. As pistas só apimentam a curiosidade do repórter. Ele decide perseguir as 13 obras que ninguém (supostamente) quer na sala.

Ao primeiro contato com Weaver Lima, fundador do grupo com Franklin Stein, as anotações do entrevistador concluem que os quadros ou filhotes do Monstrasão coloridos, pornográficos e feitos em série. No repertório de bizarrices, vemos moças degustando baratas, coelhos nada fofos, frases para azedar o dia e, completando a falta de finesse, a inclusão da série Crianças Chorando. Trata-se de uma homenagem ao pintor italiano Giovanni Bragolin, morto em 1981. Artista conhecido por outros nomes, Bragolin foi acusado de um suposto pacto com o diabo. Suspeita-se que seus retratos de crianças traziam mensagens subliminares e desgraças para seus donos.

Em outro pedaço do globo, novo pacto é finalizado. Poucos dias depois de comemorar 28 anos, Mark Zuckerberg vende as ações de sua famosa rede social. Na data, o chefão do Facebook recria um discurso comovente ao afirmar que a missão de sua iniciativa é tornar o mundo mais “aberto e conectado”. Dando de ombros para essas motivações, o Monstra orquestrou sua invasão com o objetivo não só de divulgar seu trabalho, mas de agitar a dispersão do mundo cotidiano. Um dadona folha corrida do coletivo revela queTeresina (PI) e Juazeiro (CE) sofreram semelhante cataclismo. As duas primeiras edições do “13 Obras...” aconteceram  nessas cidades. A diferença é que, nelas, não havia a mediação da internet. Os quadros foram deixados na rua aleatoriamente. A história engaja o repórter em uma cuidadosa investigação. Por telefone, marca um encontro.

O Azteca resiste como última cafeteria do centro de Fortaleza. Ali, entre um gole e outro de café, sua eclética clientela divaga a respeito dos desassossegos do dia. Entre eles, Everton Silva chama atenção por conta dos braços tatuados e do cabelo loiro e desgrenhado. O artista afirma ter uma necessidade “quase sexual” de desenhar. No confuso mundo de hoje, ele acredita, “o melhor a fazer é produzir”. Sua presença na cafeteria é apenas uma pausa em um dia que passou correndo, pregando quadros pelas ruas. “Um café para levantar o juízo”, pede.

O paulista radicado no Ceará planeja seu rumo. No carro estacionado a alguns quarteirões está o último quadro de sua série. Pin Up Party estampa um corpo feminino cheio de curvas. Bisonha e sem cabeça, a figura tem como fundo um amarelo “mostarda passada” com bolinhas roxas. Pelo rádio, a banda Misfits explode as caixas de som do carro. Martelo e pregos espalhados pelo piso evidenciam a procura de um destino para a obra que dorme no banco detrás.

A ordem é priorizar ambientes obscuros, cáries na arquitetura da moderna Fortaleza. Uma opção aparece e Everton estaciona. A casa abandonada é um caco só. Nela, os únicos resquícios de vida são propagandas desbotadas que sobrevivem nas paredes. Passantes buscam entender a presepada quando, finalmente, Pin Up Party recebe seu destino momentâneo. Everton tira fotos do ato final (o quadro e sua moldura). Essa imagem é anexada a um mapa do lugar, que será publicado no perfil do coletivo no Facebook. Pelos comentários postados na página, percebe-se que cada conquista dos novos donos é comemorada com vibração. Em tempos de Primaveras Árabes, a movimentação pela capital passa muito longe de qualquer causa política. Dias depois, chega a notícia: Pin Up Party foi fisgado.


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Imagem do topo: Usina de bizarrices – do ateliê de Everton Silva saem telas que você não poria em sua sala.
(Foto: Marília Camelo)