A arte da perseguição




O mapa de Ana (Foto: Marilia Camelo)




Pin Up Party largada na casa abandonada ocupa lugar de honra na sala da casa de Ana e Mingau (Foto: Marília Camelo)

Os seguidores do Monstra preferem a web para se guiar em sua caça aos quadros. Uma mensagem atrás da moldura pede ao novo dono que entre em contato, relatando o destino dado à obra.  Tudo deve ser registrado. Assim funciona a exposição “13 Obras...”: sem uma galeria fixa. Aos 27 anos, Everton acelera na pressa dos semáforos para outra jornada importante: seu matrimônio. “Tenho que cuidar dos preparativos! Só se casa uma vez”.

Sozinho, o repórter dá sinal e o ônibus freia. Relutante, o próximo passo é realizar seu cadastro na Máquina de Zuckeberg, como passou a chamar o Facebook, para ele uma mistura de “máquina de fazer doidos” e “máquina de Gutemberg”.  É a única forma de acompanhar os possíveis aventureiros dessa caçada. Como um Sam Spade munido de tênis All Star, é necessário percorrer e investigar, na mesma medida, duas cidades. A primeira, Fortaleza, com sua profusão de ruas e calçadas; a segunda, desenhada por hiperlinks e perfis virtuais.


Não viemos em paz!

É quase madrugada. Mingau boceja, enquanto segue os passos de Ana Luiza. A mãe protesta e reclama do horário. É muito tarde para sair. Mesmo assim, Ana abre os cadeados e corre para fora. Enfrenta dois perigos: “o escuro das ruas” e “alguém chegar antes”. Nas histórias de horror, a noite é habitada por sombras e fantasmas. Coincidência ou não, há comentários no perfil do Monstra a respeito de uma possível Hilux negra que entrou na corrida pelos quadros.

É Ana quem consegue capturar o Pin Up Party deixado por Everton Silva. Sobre a experiência, ela explica: “Foi uma mistura incrível de sentimentos: medo principalmente. Mas a alegria, a vontade de chegar a ele e, principalmente, de voltar viva para casa superaram tudo”. Ana Luiza é mãe de duas filhas, e aos 34 anos estuda design, gosta de encadernar livros e pratica dança do ventre e taekwondo.O Monstra a tirou, por algum tempo, de sua rotina e a lançou no desconhecido.

Triunfante, Ana comunica à rede social sua conquista. Integrante do coletivo, Lui Duarte imediatamente comenta: “Pô, tá ficando complicado esconder esses quadros... próximo passo é enterrar mesmo!”. Ela logo responde: “Se enterrar eu levo um cão farejador”. O gato Mingau nem liga, só boceja.

Hoje o quadro está na sala de sua casa. Seu novo lar sugere pureza e serenidade, seja pela cândida cor da parede, seja pela presença de luminárias em forma de anjinhos. O bairro em que mora, um centro de comércio, tem as ruas cheias durante o dia, mas é deserto à noite. Mesmo assim, a inquieta Ana não pretende abandoná-lo. Só sairia dali para uma sossegada morada em frente ao mar. “Poder caminhar cedinho é bom para alma”, admite. Mas os perigos da noite também a atraem.

Dona Maria mora ao lado da casa abandonada onde Ana Luiza esteve na noite anterior. Ao saber da presença de uma obra de arte na vizinhança, lança olhares suspeitos sobre o repórter e simula desdém. Sem querer muita conversa, prontamente passa os cadeados no portão. Se todo o esforço de Ana Luiza lhe valeu a recompensa de um só quadro, a sete quilômetros dali uma outra personagem conseguiu bem mais.


Leve-me ao seu líder

É quarta-feira de cinzas. Outro bloco está nas ruas: Bianca Benedicto e algumas amigas saem à caça de telas do coletivo. A busca em marcha lenta as leva até o Homem do Saco, de Lui Duarte. Isso não lhes basta. A sanha continua por horas, até ser interrompida por um desagradável telefonema. A notícia: Tudo te Faltará, de Franklin Stein, a tela que mais desejam, já foi capturada. Dizem que por alguém que viaja em uma Hilux negra.

“Tudo balela. Inventaram essa história do carro preto para assustar quem está procurando”, diz Bianca após assoprar a fumaça morna do cappuccino. Ela relembra como conseguiu capturar nove “monstras originais”. Uma das telas, sem querer, pois a encontrou durante a ida ao trabalho. “Para chegar até essa não precisei de mapa, me bastou o olho”. Ela se refere ao quadro Vergonha, de Weaver Lima. Como tinha medo da tela, optou por presenteá-la a uma amiga. “Aquela cabeça sadomasoquista, sei lá, com os dedos enfiados nos olhos... argh”, Bianca o descreve, sem dissimular o temor.


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Imagem do topo: Pin Up Party largada na casa anbandonada ocupa lugar de honra na sala da casa de Ana
(Foto: Marilia Camelo)