A arte da perseguição




Bianca e a bailarina enforcada – a irmã ficou sem presente (Foto: Marilia Camelo)

Para alegria dos amigos, Bianca tomou gosto por presentear. Ela – que até modestamente escreveu no Facebook: “parem de aparecer para mim!” – conserva apenas um solitário quadro em seu quarto (ela preferia uma parede da sala, mas a mãe a proibiu). Produzido por Ilse Araújo, Bailarina teria um destino certo: a irmã bailarina que mora em Salvador. Contudo, como a pintura sugere uma moça pendurada pelo pescoço, a decisão mais sensata foi guardá-la consigo.

Aos 23 anos, Bianca se declara uma jovem sem tempo. O culpado é Hitchcock, ou melhor, sua monografia sobre o filme A Sombra de uma Dúvida. Não por acaso, a estudante de cinema adorou o clima de “disputa” e aventura gerado pela exposição. “Foi o máximo descobrir outros espaços ao redor de mim”. Mesmo sendo Fortaleza sua cidade natal, Bianca admite que a conhece muito pouco. Engajar-se no Monstra alargou seus horizontes.

Muitas lendas se espalham em torno do coletivo. Tramas marcadas pelo número 13, o preferido dos artistas por causa de suas características dúbias: de sorte, mas, também, maus presságios. Para muitos o 13 evoca a desolação da última ceia. Nas cartas do tarô, cuidado, assinala o fim chegando a galope.  Na matemática do coletivo, porém, ele é o resultado de uma operação inesperada: sete artistas, duas obras para cada um, igual a 13. A explicação é a de que chamaria bem menos atenção chegar ao insosso 14. Por meio da arte, o Monstra acrescenta nova faceta à mitologia do número.

A última visita do repórter é ao ninho dos filhotes. Mais precisamente, à oficina de serigrafia onde todas as ilustrações recebem tintas e as ideias do coletivo ganham corpo. Quem colabora nessa etapa é Oswaldo Barbosa. Profissional da serigrafia, ele está sempre pronto para qualquer aventura. Acolhedor, fisicamente lembra um Ziraldo elétrico. Oswaldo diz que a parte mais fácil é a sua. “Complicado é eles saírem por aí pregando os quadros pela cidade”, se diverte.

Para mostrar sua gratidão, o Monstra resolveu presenteá-lo com um quadro. Claro, ao modo deles. “Colocaram no meu portão e ficaram do outro lado da rua achando graça”. Foi sua esposa quem encontrou o Desista de Seus Sonhos.  Em visita à família, um amigo pastor considerou a mensagem indigesta. Oswaldo, porém, deu um vade-retro à suspeita do amigo. Seu argumento é o de que a frase não sugere que desistamos de sonhar. “Ela nos diz, apenas, que deixemos de lado os sonhos que não deram certo para construir outros, mais novos e felizes.”

A arte do Monstra não está apenas nas telas. É também uma arte convencer os perseguidores a se aventurarem pelas ruas. Em conversa com a crítica de arte Angélica de Moraes, o repórter percebe que a força do coletivo também está na provocação que incita o público. Criar um avatar no Second Life foi moda, mas no Facebook essa ideia passou a mobilizar gente de carne e osso. O efeito maior do “ataque” está no incentivo para experimentar novas realidades.

Oficialmente, o ataque durou dois meses. Mais de 210 obras foram expostas. Nem todas as peças reapareceram para dizer olá e dar conta de seu paradeiro. Defesas civis e cruzes vermelhas ainda não calcularam os danos causados pela exposição. Entre desbravadores, seguidores anônimos e ratos da internet, as sequelas foram inevitáveis. É o preço da aventura. A calmaria começa a incomodar o repórter. Com o fim das investigações, sua caixa de e-mails volta a ficar sem graça.


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Imagem do topo: Bailarina é uma obra de Ilse Araujo que você deixaria na rua, mas Bianca a pendurou no quarto (Foto: Marilia Camelo)