Acessibilidade
Agenda

Fonte

A+A-
Alto ContrasteInverter CoresRedefinir
Agenda

A batalha da produção e da exibição do cinema independente nacional

O contexto atual evidencia que em muitos lugares não há sequer cinema para ir, já que as salas de bairro e no interior não voltaram a existir. Nas cidades, o alto valor dos ingressos dificulta o acesso para grande parte da população

Publicado em 03/10/2018

Atualizado às 16:50 de 01/03/2019

por Brunna Laboissière

“Depois de 30 anos vivendo como nômade pelas estradas brasileiras, Fabiana, mulher trans e caminhoneira, realizará sua última viagem antes de deixar para trás suas aventuras de estrada e encarar a aposentadoria.”

Essa é a sinopse do documentário Fabiana, dirigido pela autora deste texto, um dos filmes que só puderam ser realizados no contexto contemporâneo em razão dos crescentes investimentos na produção audiovisual independente no Brasil.

O aumento da produção, entretanto, ainda não se traduziu em uma ampla e ideal distribuição de filmes. Em 2017, por exemplo, foram registrados na Agência Nacional do Cinema (Ancine) 360 filmes de longas-metragens,[1] quantidade alta se comparada com períodos anteriores da história do cinema brasileiro. Contudo, apenas 160 deles foram lançados em salas de cinema. Ou seja, mais da metade ficou restrito a festivais, à internet ou aos poucos espaços alternativos existentes.

Isso ocorre principalmente por dois fatores interdependentes: o perfil das salas de cinema que foram abertas nos últimos anos e o descrédito da produção nacional frente à produção estrangeira com altos investimentos em publicidade e que costuma predominar nas salas de cinema e nos canais de televisão.

Voltando na história, na década de 1970, o Brasil chegou a possuir 3.276 salas de cinema[2] e cinemas de rua, muitos em bairros e cidades do interior, alcançando diversas classes sociais, que enchiam as salas para ver filmes nacionais, lançados numa quantidade média de 80 a 100 títulos por ano[3] – expressiva, se consideramos os investimentos do período.

Documentário 'Fabiana' conta a história da última viagem da caminhoneira | foto: Brunna Laboissière (imagem: Brunna Laboissière / Divulgação)

Porém, com a crise econômica na década de 1980, inicia-se um processo de retrocesso no cinema nacional, tanto no número de salas quanto no número de produções, chegando-se ao ponto mais crítico durante o governo Collor, com a extinção da Empresa Brasileira de Filmes S/A (Embrafilme). Em 1993, apenas três obras nacionais foram lançadas[4] e, em 1995, só existiam 1.033 salas de cinema em todo o país.

A produção no cinema brasileiro começou, aos poucos, a recobrar forças na segunda metade da década de 1990, no período chamado Cinema da Retomada, a partir da promulgação da Lei do Audiovisual. E vem se fortalecendo cada vez mais com a criação da Ancine (2001) e do Fundo Setorial do Audiovisual (2006), o que permitiu a produção de filmes de diversas novas produtoras independentes.

Ao mesmo tempo, voltaram a existir mais de 3 mil salas no país. Entretanto, aqui começam as dificuldades para a distribuição de filmes independentes. Diferentemente dos anos 1970, os cinemas estão concentrados em menos de 11% das cidades brasileiras[5] e a maioria em shoppings centers. Dos 160 filmes brasileiros lançados (contra 300 filmes estrangeiros), cerca de 70% não ultrapassaram a marca de 10 mil espectadores. Entre os documentários (42% da produção de 2017), cerca de 80% não obtiveram mais de 3 mil.[6] Em relação ao público, apenas 7% das pessoas que foram aos cinemas em 2017 assistiram algum filme nacional.

Portanto, o contexto atual evidencia que em muitos lugares não há sequer cinema para ir, já que as salas de bairro e no interior não voltaram a existir. Nas cidades, o alto valor dos ingressos dificulta o acesso para grande parte da população. O público que consegue ir assiste majoritariamente filmes estrangeiros, poucos nacionais, menos ainda filmes independentes.

Contudo, o acesso a esses filmes independentes por parte de um amplo público é de grande importância, pois a maioria é financiada por verba pública. Além disso, trata-se de um direito ao acesso à comunicação e à cultura das muitas realidades do país,[7] importante para valorizar e proteger a diversidade cultural do Brasil perante o poderio das grandes produtoras e distribuidoras, principalmente as estrangeiras.

A reflexão demonstra a relevância da batalha por espaços de distribuição comercial, com investimentos e editais de apoio à disseminação do cinema independente. Em paralelo, é necessário também construir espaços alternativos de exibição para atingir o maior número de pessoas e trabalhar a formação de um público que se interesse por cinema independente nacional. Esse trabalho de formação de público tem papel, inclusive, para melhor promover esses filmes no circuito comercial.

Os cineclubes são espaços que, historicamente, cumprem essa função. Há uma enorme quantidade por todo o Brasil, principalmente em cidades do interior. Algumas experiências já existiram para fortalecê-los, como o extinto programa Cine Mais Cultura, que equipou e enviou DVDs e materiais de divulgação de diferentes filmes para cerca de mil cineclubes. Uma experiência exitosa foi a distribuição de Terra Deu, Terra Come, de Rodrigo Siqueira, enviado a 165 cineclubes do programa, com 249 exibições realizadas. Muitas das sessões foram acompanhadas de debate, atingindo um total de 11.727 espectadores. Nos cinemas, 2.389 pessoas assistiram o filme.

Outras experiências contemporâneas têm trabalhado com novas estratégias – distribuição de impacto – junto com escolas, secretarias, espaços culturais e associações. Geralmente, com discussões após as exibições, o que contribui para a apropriação das diferentes linguagens cinematográficas e para o avanço no debate dos temas levantados pelo filme. Exemplos de tais iniciativas são as plataformas da Taturana Mobilização Social e do Videocamp, que conseguem conquistar nesses espaços um público muito mais expressivo do que o das salas de cinema. Outra frente é articular sessões com associações de cegos e de surdos, já que obras recentes financiadas com verba pública devem produzir o pacote de acessibilidade.

Tendo todos esses aspectos em vista, queremos que Fabiana chegue ao maior público possível. Assim, convidamos todos a conhecerem um pouco mais do filme. Caso haja interesse em realizar uma exibição pública, acesse o site para saber como participar.

 

Até a próxima sessão!

 

* Brunna Laboissière é goiana e cineasta. Em 2018, finalizou seu primeiro documentário longa metragem: Fabiana, como diretora, roteirista e produtora. Anteriormente, atuou como assistente de produção e de fotografia em curta-metragens. Em 2016, fundou a produtora Artemísia Filmes. Graduou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, com intercâmbios na Universidade de Buenos Aires e Université Paris X, sobre estética e antropologia.


[1] Quantidade emitida de Certificado de Produto Brasileiro (CPB) de longas-metragens.

[2] Painel interativo Resultados do cinema brasileiro, do Observatório do Cinema Brasileiro. Disponível em: <https://oca.ancine.gov.br/painel-interativo>.

[3]EARP, Fabio Sá e SROULEVICH, Helena. O mercado do cinema no Brasil, p. 2. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/datacenterie/pdfs/seminarios/pesquisa/texto04112.pdf>.

[4] Ibidem.

[5]Painel interativo Parque exibidor brasileiro, do Observatório do Cinema Brasileiro. Disponível em: <https://oca.ancine.gov.br/parque-exibidor-brasileiro-0>.

[6] Listagem de filmes brasileiros e estrangeiros lançados 2009 a 2017, Planilha do Observatório do Cinema Brasileiro. Disponível em: <https://oca.ancine.gov.br/cinema>.

[7] Neste ponto, além da distribuição, entra a questão sobre a diversidade de produção e o acesso aos investimentos públicos por pessoas de diversos grupos sociais.

Compartilhe