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A Paixão de JL: uma parceria póstuma entre artista e diretor

O documentário A Paixão de JL traz o registro de três anos da vida do artista José Leonilson. Com direção do cineasta Carlos Nader e...

Publicado em 12/07/2016

Atualizado às 21:07 de 02/08/2018

Por Jullyanna Salles

O documentário A Paixão de JL traz o registro de três anos da vida do artista José Leonilson. Com direção do cineasta Carlos Nader e produzido pelo Itaú Cultural, recebeu cinco prêmios ao longo de 2015, entre eles, o Prêmio Especial do Júri no 37º Festival Internacional do Novo Cinema Latino-Americano de Havana.

Veja também:

>>Filme A Paixão de JL será exibido dia 30 de julho, no Auditório Ibirapuera

Pintor, desenhista e escultor, Leonilson apresenta alta carga de subjetividade em seu trabalho. Antes da morte, começou a gravar um diário em fitas cassete com memórias, comentários e reflexões sobre acontecimentos da época, inclusive sobre quando foi diagnosticado soropositivo e desenvolveu a infeção do vírus HIV. O intuito era fazer um livro, um material que associasse biografia e obra. O projeto tornou-se um documentário, dirigido pelo cineasta e amigo Carlos Nader.

Carlos Nader

 

 

Nader fala sobre o processo criativo do documentário, as dificuldades da produção e a sua relação com a obra.

Como surgiu a ideia do documentário?

O documentário foi realizado a partir de um convite do Itaú Cultural. Então, eu me lembrei da existência das fitas que Leonilson havia gravado como um diário. Eu já as conhecia um pouco, afinal, Leonilson as deixou para um amigo meu de infância, que eu havia apresentado a ele. Eles tinham um projeto de escrever um livro com esse material, mas acabou não acontecendo. O filme era uma forma de finalmente divulgar esse conteúdo.

Como foi o processo criativo para a elaboração do roteiro?

O roteiro de um documentário não é tão diferente do de uma ficção. Quando se conta qualquer história, é preciso usar estruturas de linguagem e narrativa, o que significa personagens, divisões dramáticas e outros artifícios que são exigidos também na ficção. Para elaborar A Paixão de JL, ouvi as fitas e extraí delas uma história. Originalmente, apesar de existir uma preocupação de narrativa, elas não formavam uma história. Eram o retrato do dia a dia, um brainstorming para o projeto do livro. Decidir quais seriam as tiradas de cada ato, que personagens ficariam, quais situações seriam reproduzidas e tudo o mais demorou bastante.

A ideia inicial sofreu grandes alterações?

Houve uma dificuldade em transformar essa soma de muitas narrativas em uma só. Quando fazemos um filme, sendo documentário ou ficção, o compromisso não é com a verdade. O documentário é mais complicado nesse sentido, porque ele tem uma relação forte e histórica com o jornalismo, que preza a verdade. Um filme que vai para o cinema possui um contrato com o espectador, espera-se uma narrativa. Por isso, existe esse impasse ético na construção de um documentário desde o início. É necessário deixar claro que aquilo que se está vendo não é a verdade. Você vai conhecer o personagem do filme no recorte do roteiro do filme. Na vida real, ele é diferente.

 

Como você se enxerga diante do filme?

Eu costumo chamar A Paixão de JL de parceria póstuma. Isso porque desde o princípio as fitas já existiam com o intuito de virar uma obra. Não era um diário secreto, observações particulares e privadas, o objetivo era público. Sinto que fiz o documentário junto com ele, de alguma forma, em parceria com ele.

Foi necessário se adaptar a determinada situação ou repensar parte do roteiro durante a produção?

Sim, aconteceram dois tipos de mudança. Gosto de considerar um deles como as minhas próprias intervenções. No processo de edição, você constrói uma pessoa. Até mesmo a seleção de falas dela é feita a partir de um viés particular. O outro tipo foi de mudanças independentes da produção do filme. Por exemplo, uma pessoa bastante importante citada nas fitas preferiu não ter o seu nome mencionado. Era um personagem fundamental, não poderíamos simplesmente tirá-lo da história, então mantivemos a persona, mas mudamos seu nome na narrativa.

Como foi feita a imersão no universo de Leonilson? Como foi relacionar sua produção artística com confissões de um diário?

Esse é o ponto central do filme e foi uma grande preocupação para mim. Relacionar obra, vida e autor. Esse relacionar é quase uma definição de arte em geral: é sobre juntar elementos, traçar encontros. Passei muito tempo montando A Paixão de JL, procurando associações entre as referências que ele tinha, a época em que ele vivia, as obras que produzia e o que falava nas gravações.

No filme, são apresentadas relações diversas – metafóricas, poéticas e, nas mais objetivas, duas subdivisões: conexões literais entre depoimentos de Leonilson e suas obras e questões mais ilustrativas. Por exemplo, quando ele divulga a data de uma produção artística e ela serve de fundo para o depoimento daquele dia, ele aponta características que constarão no trabalho também. Eu fiquei muito tempo tentando achar a obra correspondente ou ideal para ilustrar as falas, porque não queria usar produções que não fossem daquela época. Eu me atentei àquele período, àqueles três anos em que ele gravou as fitas.

Esse pode ser considerado o ponto central do filme?

Sim, é nisso que ele encanta, nessa relação entre o que Leonilson está falando e o que está acontecendo, literalmente ou com uma abordagem mais subjetiva. Há um zigue-zague nessa variação e o espectador fica sempre entretido. Além disso, eu sinto que só a voz dele nos leva a um sentimento de compreensão.

Você pretende continuar na produção de documentários? Já possui algum próximo projeto em mente?

Eu tenho vários, mas vou falar de um só. Nos meus últimos filmes, tenho voltado a assuntos do meu próprio passado. E sinto vontade de fazer algo sobre José Alves de Moura, o Beijoqueiro, um cara que ficava beijando pessoas famosas aqui no Brasil e acabou conhecido por isso. Frank Sinatra, Sônia Braga e papa João Paulo II são algumas das suas vítimas. Muitas vezes ele apanhava, era preso e tal. Eu fiz um documentário sobre ele no início dos anos 1990, um curta-metragem. Agora quero revisitá-lo e fazer algo maior.

O passado é uma marca dos seus trabalhos?

Mais do que o passado, a ideia de memória me interessa. A experiência da memória que, inclusive, transcende o presente. Para a memória, tudo é presente. Isso me interessa muito. É um dos pontos centrais do meu trabalho.

 

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