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A poética da efemeridade, por Rhay

Nayra Lays nos apresenta o artista Rhay, que fala sobre seu reencontro com o passado e suas origens através do grafite

Publicado em 19/08/2019

Atualizado às 12:40 de 16/08/2019

Por Nayra Lays

Um quadro do músico John Coltrane e latas de spray decoram as paredes pintadas de um verde vivo. Na escrivaninha, a foto antiga de um homem mais velho dá pistas da trajetória que começou em Jandaíra, uma pequena cidade da Bahia, e se eterniza em cada obra pronta, emoldurada em cima do sofá. Nesse espaço pensado e criado especialmente para que o que há dentro do peito se manifeste com tranquilidade, tudo tem o gosto agridoce do que foi e do que poderia ter sido.

Rhailander teve o nome escolhido pelo pai, Jair, que era fã da sequência de filmes do guerreiro imortal Highlander (1986). Mas, diferentemente da ficção, Rhay, como assina, tem lidado com rupturas emocionais que a ausência da figura paterna causa, desde o homicídio de seu Jair em uma briga no Nordeste, onde morava. A dor do adeus que não foi dado, pela distância, alimentou o jovem artista de 26 anos da certeza de que tudo precisa ser vivido intensamente. Até nossas fragilidades. Não podemos nos dar o luxo de esquecer que temos um tempo aqui, que se torna cada vez mais urgente.

Rhailander tem 26 anos e adota o nome artístico de Rhay (imagem: divulgação)

Refletir sobre isso causa um misto de sentimentos, constantemente canalizados e utilizados como matéria-prima da arte, companheira desde a infância. Na primeira série, sua mãe, Lourdes, foi chamada na escola e ouviu que o filho não queria saber de fazer lição, não. O negócio dele era desenhar. Rhailander lembra da reação da mãe diante da reclamação, como um primeiro incentivo importante:

“Ela não me podou, dizendo que eu tinha de parar de desenhar. Em vez disso, ela me ensinou que pra tudo tinha uma hora.”

Diferente das experiências de muitas pessoas, foi em casa e no ambiente escolar, com a ajuda de alguns professores, que ele se sentiu motivado a criar. Aos 10 anos foi convidado para fazer a releitura de uma obra de Portinari onde estudava e, antes mesmo das conexões pelas redes sociais, já divulgava e vendia seus desenhos por R$ 0,50. Douglas, o irmão mais velho que até hoje é uma grande referência, em uma ocasião trocou os patins doados pela patroa da mãe por três revistas de desenhos para que, juntos, pudessem desenvolver ainda mais. Essas são algumas das partes mais bonitas da infância em Mauá (SP), onde vivem.

Obra O Menino que Queria ser Deus, um dos trabalhos de Rhay (imagem: divulgação)

Mesmo com todo o incentivo, faltavam alguns acessos, e Rhay só conheceu museus e galerias de arte anos depois, quando também começou a entender na prática COMO esse mercado funciona, participando de vivências com outros artistas, cocriando coletivos, eventos e espaços culturais. Passou pela Academia de Arte Quanta e pela Etec de Comunicação Visual, mas foi nas ruas, com o grafite, onde se encontrou. Inicialmente, viveu uma fase intensa de experimentações e misturas mais voltadas para o surrealismo, tendo como primeiras influências na arte urbana os artistas Seher One e integrantes do Bicicleta sem Freio.

“Eu nunca tive vergonha do meu trabalho, mas sempre corri atrás de aperfeiçoá-lo.”

Rhay passou pela Academia de Arte Quanta e pela Etec de Comunicação Visual, mas foi nas ruas, com o grafite, onde se encontrou (imagem: divulgação)

Com as aulas no ateliê de Walter Nomura, o Tinho, aprendeu que desenvolver uma poética de trabalho própria é tão importante quanto dominar as técnicas. Era a inspiração que ele precisava para recomeçar artisticamente, não mais tentando reproduzir o que via e gostava, mas partindo da descoberta de seu lugar no mundo como um jovem negro e, especialmente, de seus próprios sentimentos diante da linha tênue entre a vida e a morte.

Superando as limitações da adolescência marcada pela negação de sua própria identidade, desde 2016 ele tem se munido de pesquisas sobre suas origens. Durante as buscas, vez por outra reencontra a Bahia em versos de músicas, leituras e documentários, agora orgulhoso por saber que vêm de lá muitas das contribuições para a arte contemporânea brasileira, e para sua própria história.

“Para mim, meu trabalho é um samba. Mesmo quando tem um bocado de tristeza, ainda tem cor, ritmo, vida e é repleto de rimas visuais.”

Se, como colocou Bruce Nauman, “o verdadeiro artista ajuda o mundo pela revelação de verdades místicas”, ao trazer para o centro de sua obra corpos negros, quase sempre masculinos, com auras douradas, cercados por borboletas-símbolos da efemeridade e emoções latentes, Rhailander revela sua esperança que vidas e culturas sejam tratadas com respeito, e especialmente que homens negros não se esqueçam que o direito à humanidade plena também os pertence.

Obrigada, Rhailander.

Para #mergulharnouniverso do artista, conheça a exposição Mundo de Vidro, que conta com obras inéditas e rola até o final de agosto. Mais informações aqui.

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