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“Escritor não se aposenta”: aos 80 anos, Pedro Bandeira segue criando histórias

Em entrevista ao site do Itaú Cultural (IC), o autor fala de seu amor pelos leitores e propõe uma luta em prol da esperança

Publicado em 25/03/2022

Atualizado às 17:16 de 28/09/2022

por Heloísa Iaconis

Antes de começar esta conversa, Pedro Bandeira estava escrevendo. É assim que ele tem construído a sua vida: escrevendo – ofício que, aliás, não pretende largar. Aos 80 anos, completados em 9 de março de 2022, o autor permanece firme em seu propósito de emocionar gerações de leitores. Ultimamente, por exemplo, dedica-se a projetos voltados para a educação infantil, já que, em sua opinião, as crianças devem ter contato com os livros o mais cedo possível. E tanto empenho gera uma relação recíproca: de cartas a e-mails, de e-mails a mensagens no WhatsApp, Pedro recebe continuações de suas narrativas, perguntas sobre as personagens e os melhores desejos de feliz aniversário. O seu público equivale a uma família grande, gente que mantém nele a esperança no Brasil e por quem o inventor da Feiurinha se desmancha.

Por que o senhor se enveredou pela escrita? 

A língua portuguesa foi a minha brincadeira quando criança. Tinha dois irmãos bem mais velhos do que eu e, por isso, brincava sozinho. E lia – não para ficar inteligente, mas sim pela diversão. Lia muito gibi; depois, passei para o livro. Logo que me alfabetizei, aos 8 anos, li Reinações de Narizinho e adorei. Não parei mais de ler. Resultado: assim que me tornei adulto, escrevia melhor do que a minha turma. Fui aceito para trabalhar em um jornal. Do jornal, fui para uma revista na Editora Abril. Lá comecei a escrever histórias infantis. Escrevia, porém, o que me mandavam, não o que eu queria. Até que tentei fazer um livro meu e tive a sorte de as crianças me aceitarem. Então, como aconteceu com a leitura, não parei mais. Estou com 80 anos e não vou parar, não.

Como nasce uma história para o senhor?

Uma vez, tive um aluno bastante calado, um menino que não perguntava, não se destacava em nada. Quieto, quieto. Fiquei pensando naquele garoto. Era timidez? Mas será que a vida, de repente, não daria uma sacudida e ele teria que se revelar? O que o faria abrir a conchinha? Se algo acontecesse com ele? Não, ele fugiria. Se algo acontecesse com alguém de que ele gostasse? Imaginei que havia uma paquera e que algo ocorreria com ela: dessa maneira, nasceu Prova de fogo (1999). Isabel, de A marca de uma lágrima (1985), veio do quadro Mulher no espelho, de Picasso (e o enredo da obra parte da peça Cyrano de Bergerac). Alice no país da mentira (2005) tem início com uma frase que havia escrito 20 anos atrás. A inspiração não cai do céu. As ideias dormem dentro de nós. Algumas acordam meio tortas e não vão para a frente. Outras se desenvolvem.

Pedro Bandeira | foto: divulgação

O que significa criar para o público infantojuvenil?

Sou brasileiro e os problemas do Brasil sempre me incomodaram. Muitos falam que o nosso país não deu certo. Deu certo: o projeto do atraso, que se estabelece desde 1500 por uma pequena elite, deu certo. O que necessitamos é mudar. E chego à conclusão de que só o povo pode transformar os rumos de uma nação. Mas esse povo precisa ter acesso à informação, ao conhecimento. Temos que parar de excluir brasileiros. Por esses motivos, penso que, com os meus livros, estou preparando os futuros brasileiros, aqueles que vão mudar este país, e tenho o maior orgulho disso.

Como se dá o seu contato com os leitores? 

Eu amo muito, muito, muito os meus leitores. Alguns deles cresceram, casaram, me enviaram o convite de casamento, a foto do primeiro filhinho. Tenho um livro dedicado a uma leitora e outro dedicado ao filho dela. Sinto orgulho ao saber que os meus leitores cresceram bem. Penso neles, fico preocupado como se fossem os meus filhos. No meu aniversário de 80 anos, recebi tantas mensagens de parabéns. Uma pessoa que cresce com você passa a ser da sua família. Os meus leitores são a minha família: fui feito por eles, porque, se tivessem me recusado, não teria tentado de novo.

Se a sua produção não fosse voltada para crianças e jovens, o senhor escreveria ainda assim?

Eu não sei. Logo mais sairá um título que só poderá ser lido por adultos, pois é um trabalho que exige uma necessidade cultural que apenas adultos podem ter. O tom relaxado, no entanto, segue o mesmo. Tenho contos de que adultos podem gostar, mas não são o meu público-alvo. O meu alvo é da infância até a adolescência. Ajudo os leitores a subir a escada. Após o Ensino Médio, largo as mãos deles e fico olhando o quão alto eles chegam. Torço para que leiam Machado de Assis, Shakespeare, Cervantes, o que quiserem. Que não parem de ler, absorver conhecimento, tratar das emoções.

Pedro Bandeira | foto: divulgação

O que não pode faltar em uma narrativa?

A literatura trata de emoções, não de coisas concretas. Eu escrevo sobre emoções. A arte é realizada para você se emocionar, para tocar a sua sensibilidade, a sua consciência. Não necessariamente para agradar, mas para tocar o seu coração. Se eu não te emocionar, eu errei. 

Qual a importância da imaginação?

Nós nos diferenciamos de outras espécies porque imaginamos. Se o ser humano não imaginasse que poderia voar como os pássaros, nós não voaríamos, hoje em dia, melhor do que os pássaros. A nossa imaginação torna possível o impossível. Todos os seres humanos têm a mesma capacidade de imaginar. Contudo, a imaginação deve ser alimentada com educação e arte. Se não incentivarmos as pessoas a criar mundos, pode ser que elas queiram destruir mundos, a exemplo do que estamos vendo na guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Pedro Bandeira | foto: divulgação

O que motiva o senhor a continuar escrevendo?

A esperança é o meu alimento. Se eu for um velho desesperançoso, para que viver? Tenho esperança. Nestas oito décadas, digo que o Brasil melhorou, sim. Mas ainda temos dificuldades enormes. Hoje, em especial, dificuldades internas. Porém, não podemos entregar os pontos. O desânimo contribui para a manutenção e a aceitação dos problemas. Precisamos acreditar em nós e lutar contra o desespero, lutar a favor da esperança.

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