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Cresce o número de brasileiros que investem em cursos livres on-line

O aumento foi de 35% para 41% no período analisado, segundo dados da pesquisa “Hábitos culturais II” – realizada pelo Itaú Cultural em parceria com o Instituto Datafolha

Publicado em 07/09/2021

Atualizado às 18:04 de 03/09/2021

por Cristiane Batista

O escritor e pintor libanês Khalil Gibran (1883-1931) dizia que “a perplexidade é o início do conhecimento”. A frase é aplicada aos muitos brasileiros que, com o susto da pandemia e o confinamento exigido por ela, procuraram por cursos, oficinas, seminários e outras atividades on-line. Um crescimento de 35% para 41% desde o início da pandemia, segundo dados da pesquisa Hábitos culturais II, realizada pelo Itaú Cultural (IC) em parceria com o Instituto Datafolha – cada ponto equivale a cerca de 1,5 milhão de pessoas. O levantamento ouviu 2.276 homens e mulheres, com idade entre 16 e 65 anos, de todas as classes econômicas e regiões do país.

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Para 43% das pessoas, a ampliação de conhecimento/repertório é o principal fator motivacional para se inscrever em cursos livres on-line. A maioria trabalha no setor criativo, com 20 pontos percentuais ou mais em comparação com a média total dos entrevistados.

A atriz, produtora e arte-educadora Márcia Cruz está nesse recorte. Na pandemia, passou por – e ainda vive – diferentes situações no que chama de “teatro possível”, trabalhando em várias frentes: como aluna de outros colegas para aperfeiçoamento, produzindo e atuando em peças transmitidas on-line no esquema “pague quanto puder”, o chamado chapéu virtual, e dando aulas a crianças e adolescentes, sempre com uma pergunta na cabeça: “Como encontro meu espaço cênico?”.

Mulher de meia idade aparece séria, com uma toalha laranja na cabeça. Seus olhos são claros e um deles está pintado com sombra prateada.
Márcia Cruz no projeto Teatro de Quinta Virtual. “Adaptei os recursos do teatro para o meio digital, o entrar e sair do quadro, percebendo o aspecto de entrosamento para um melhor trabalho coletivo e individual”, explica (imagem: Márcia Mansur)

“Adaptei os recursos do teatro para o meio digital, o entrar e sair do quadro, percebendo o aspecto de entrosamento para um melhor trabalho coletivo e individual”, explica Márcia. “No começo, foi tudo muito difícil: os alunos não abriam a câmera e eu sentia uma tristeza gigante, como se o mundo nunca mais fosse voltar. Em um segundo momento, foi aquele ‘É o que tem para hoje’, um otimismo sem deixar a peteca cair. Agora todo mundo domina melhor essa realidade, tudo passa a ser mais palpável e o mundo tem mais um lugar. Mas acho que, mais do que nunca, a gente precisa é do teatro do encontro, do toque do exercício, da cena no palco e do café olho no olho para podermos nos reconectar”, acredita ela.

Dez pessoas, entre crianças e adolescentes, meninos e meninas, aparecem em uma sala, alguns em pé e outros sentados. Todos estão de máscara e descalços, posando para a foto.
Oficina de Teatro de Marcia Cruz na Escola Fiandeiros (imagem: acervo pessoal)

Como engajar?

Com o cenário ainda em flexibilização para o ambiente presencial, o aumento das possibilidades e demandas de cursos e um natural processo de saturação vinculado às muitas lives, os cursos on-line ganharam um desafio adicional: como conseguir transmitir os conteúdos com êxito, engajar, manter a audiência e impactar, de fato, os participantes?

Além de vídeos de apoio gravados, apresentações dinâmicas e um plus interativo, o aspecto prático é fundamental para o sucesso da empreitada, como atesta Branca Schulz, gestora da Ninja Hacker Space e da Zona de Propulsão, hub da Mídia Ninja nas áreas de tecnologia, inovação, empreendedorismo e criatividade que criou a EscolaZona, plataforma de oficinas gratuitas com o intuito de democratizar o acesso ao conhecimento. “No primeiro trimestre deste ano, houve uma procura muito mais intensa de atividades de formação. Setenta por cento das pessoas buscam conteúdos do tipo ‘mão na massa’, coisas que poderiam fazer em casa ou aplicar diretamente em seus projetos e empreendimentos”, diz Branca.

Imagem preto e branca de mulher sorrindo com os braços cruzados. Ela está de pé, diante de uma parede onde várias folhas de papel A4 estão coladas com anotações. Ela tem um dos braços tatuado, e usa calça jeans e camiseta preta estampada.
Branca Schulz, gestora da Ninja Hacker Space e da Zona de Propulsão, hub da Mídia Ninja nas áreas de tecnologia, inovação, empreendedorismo e criatividade que criou a EscolaZona (imagem: acervo pessoal)

A EscolaZona desenvolveu 32 oficinas gratuitas com temas diversos, que vão do desenvolvimento de aplicativos e sites à estratégia de marketing e pitch (apresentação rápida/vendedora de um produto ou serviço). A programação reuniu 670 participantes em um intensivo de um mês, com cursos de segunda a sexta no período noturno. Para Branca, além da troca de saberes, a maratona deixou outros legados. “Foi um processo de troca intensa também de afetos, muito importante na reverberação e transformação na vida das pessoas”, acredita ela.

Com diferentes percursos de formação e trilhas de conhecimento, com etapas, atividades e tarefas, os cursos foram feitos de forma síncrona, com a participação simultânea de alunos e professores/oficineiros ao mesmo tempo no ambiente virtual. Após a conclusão e a entrega de certificados aos participantes, o material, gravado, foi editado e está disponível no canal do projeto. Com o site, estão sendo desenvolvidas novas grades, oficinas e oficineiros, permitindo que ainda mais pessoas possam ter acesso aos conteúdos.

Os síncronos citados acima não são maioria na pesquisa. Perdem para os autoformativos, que optam por não ter a mediação de um professor, e para os assíncronos, 45% dos entrevistados, que frequentam os cursos sem a participação simultânea de aluno e professor. A facilidade de escolher o melhor horário para acompanhar as aulas e as atividades é o principal trunfo dessa preferência. “Gosto de reservar um momento para isso, porque a gente tem que trabalhar e ter tempo para outras coisas também”, explica o estudante Reinaldo Silva.

Reinaldo já participava de oficinas presenciais antes da pandemia. Com o começo desta, viu que podia avançar ainda mais. Fez cursos livres de música, literatura, audiovisual negro, filmmaker, direção de fotografia e de arte e até um de estratégia de futebol. “Mais do que aprender um ofício, sempre tem um ponto que vai te fazer pensar algo, refletir, aprender uma novidade”, explica ele. “Gosto muito dessa troca de experiências e de ouvir pessoas que têm um portfólio maior, ver os pontos positivos na carreira e o que fizeram para chegar lá.”

Brincadeira de criança

A produtora Mirela Lucena foi outra que ampliou sua qualificação profissional e seu desenvolvimento pessoal (tema citado por 33% dos entrevistados). Mirela ganhou uma câmera fotográfica de presente dos pais aos 9 anos e costumava brincar com ela sempre que possível. Estudou direito, migrou para a produção cultural há 15 anos e, com a pandemia e a escassez de trabalhos nessa área, viu a brincadeira de criança voltar “valendo”. Inscreveu-se em um curso de fotografia on-line para aperfeiçoar a técnica e conhecer melhor as funções da câmera que tinha comprado havia um ano e parecia estar precisando só de um disparo para voltar à ativa. “Pensei ‘É hora de me reinventar’. Já tinha uma óptica de me expressar e fazer o que sentia. Estou com a câmera, estou em casa, é o momento. Vou fazer! Eu me reencontrei!”, diz ela.

Homem idoso, usando chapéu cor de vinho e roupa branca, aparece sendo fotografado por homem jovem. Ele usa bigode, barba e segura a câmera fotográfica, onde se vê a pessoa idosa que está sendo fotografada.
Still de Mirela Lucena para o clipe de Raíssa Bittar (imagem: acervo pessoal)

Após o curso, Mirela contribuiu com uma série fotográfica para uma companhia de dança e com stills do videoclipe da música “Você tá bem?”, da cantora Rhaissa Bittar, que será lançado em setembro. Na quarentena, também criou a hashtag #dentro em seu Instagram, com retratos e autorretratos. Mirela pretende usar esse espaço para vender obras impressas em papel fotográfico e fine-art para aumentar sua renda.

Ela também faz parte dos 72% dos entrevistados que afirmam que a disponibilização de conteúdo on-line durante a pandemia permitiu que tivessem acesso a atividades culturais que, de outra forma, não seriam acessíveis. “Moro em São Paulo e consegui fazer o curso que queria, em Recife, por um preço que pude pagar”, explica Mirela.

Maioria feminina

Para além das questões geográficas e financeiras – 40% das pessoas entrevistadas apostaram em cursos gratuitos, sendo a maioria delas mulheres e da Região Nordeste –, a oferta e o consumo de conhecimento digital ficaram também mais acessíveis para pessoas com deficiência. A estilista Raíssa Maria é um exemplo disso. “Tive mais tempo para estudar, elaborar ideias e buscar fontes de inspiração. A pandemia possibilitou uma maior oportunidade de ultrapassar barreiras e fronteiras”, diz ela.

Obra feita com borra de café mostra um homem em posição de prece, com as mãos unidas.
Obra feita com borra de café, de autoria da estilista Raíssa Maria. “Tive mais tempo para estudar, elaborar ideias e buscar fontes de inspiração" (imagem: acervo pessoal)

Raíssa aproveitou as aulas remotas para aprender e compartilhar conhecimentos. Fez aulas de francês e design gráfico e turbinou seu Instagram com ilustrações em diversos suportes. “Quando não tinha material, usava café e um pincel artesanal, como na pintura Rogar, que representa um homem que suplica ajuda para comer – um reflexo da pandemia também, feito para o @museucasadeportinari”, revela.

Além de expor suas obras on-line, a estilista participou do @mãelitante, movimento que conecta mães de crianças com deficiências e transtornos para que possam trocar experiências e informações em lives colaborativas, e criou o movimento @aturmaajuda, de solidariedade a pessoas com alta vulnerabilidade social. Nos cursos e atividades gratuitos do @aturmaajuda, 70% do público é feminino, principalmente em ações voltadas para o empreendedorismo. “A autonomia é deliberada através do empreender: do gerenciar um produto, uma empresa ou um pequeno negócio. Com os cursos e consultorias, esperamos que o mundo se amplie para um lugar de respeito, de coragem e sem desigualdade”, conclui Raíssa.

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