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Elinildo Marinho de Lima: “No campo das políticas públicas, devemos ter em mente os valores que nos guiam”

Com extensa atuação nas políticas culturais do estado de Pernambuco, o cientista da informação e gestor cultural discute entraves e realizações nesse campo

Publicado em 28/02/2019

Atualizado às 19:30 de 13/06/2019

Em conversa com o Observatório Itaú Cultural, Elinildo Marinho de Lima – técnico da Coordenação de Patrimônio Imaterial na Gerência-Geral de Preservação do Patrimônio Cultural, da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), e representante do Comitê Gestor de Salvaguarda do Frevo – fala sobre os projetos culturais desenvolvidos em Jaboatão dos Guararapes (PE), cidade em que atuou nesse campo de maneira ampla, e sobre o cenário das políticas culturais de Pernambuco.

Elinildo foi presidente e ainda é membro do Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC) do Jaboatão dos Guararapes. Também no Poder Público desse município, coordenou duas áreas – de Fomento à Cultura e de Políticas Culturais. Além disso, integrou o Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco. A partir dessa experiência, ele fala sobre as realizações e os entraves no prosseguimento das políticas públicas culturais.

Ainda, reafirma a importância da formação dos profissionais das áreas de patrimônio, turismo e gestão cultural. Professor do curso de especialização em gestão de acervos e unidades de informação da Universidade Tiradentes (Unit), Elinildo é mestre em ciência da informação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e especializado em dois campos – gestão pública municipal, pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), e gestão de políticas culturais, pelo Itaú Cultural/Universidade de Girona.

Elinildo Marinho (imagem: Acervo Pessoal)

A partir da sua atuação no conselho municipal de cultura, você poderia comentar os projetos culturais desenvolvidos na cidade de Jaboatão dos Guararapes?

O Conselho Municipal de Política Cultural do Jaboatão dos Guararapes é uma instância de diálogo entre a sociedade civil e a gestão pública municipal, com foco na promoção das políticas culturais para a cidade. O conselho é fiscalizador, deliberativo e propositivo no que tange às demandas para a gestão da cultura e da vida cultural no território municipal. Desde 2003 atua na promoção, na difusão e na valorização da cultura. Jaboatão vem desenvolvendo e promovendo atividades culturais tendo em vista a vivência de seus munícipes nas diversas práticas culturais existentes em suas sete regionais. Destacam-se: Festa da Pitomba, Festa de Santo Amaro, Ciclo Carnavalesco e Junino, reabertura do Cine Teatro Samuel Campelo e a 1a Mostra Cultural do Jaboatão dos Guararapes, essa última uma ação cultural que objetivou dar visibilidade aos artistas e às ações culturais desenvolvidas por produtores locais e de outras regiões.

A mostra cultural ocorreu de forma descentralizada para atender as regionais do município, com um total de 20 espetáculos. Aglutinou teatro, cinema, dança e literatura, com espetáculos ofertados gratuitamente, e foi pensada para levar à população apresentações artísticas de qualidade, possibilitando a experimentação e a formação de plateia. Além das apresentações, a mostra promoveu formação e oficina a fim de contribuir para a profissionalização e a formação de novos atores culturais.

Como você avalia as políticas de fomento e incentivo à cultura no município de Jaboatão e no estado de Pernambuco de uma forma geral? Quais são os pontos positivos e quais são os desafios a ser superados?

Apesar do esforço da gestão pública municipal atual quanto ao fomento e ao incentivo à cultura, é tímida a implementação de fomento cultural, pois Jaboatão ainda não conta com o Fundo Municipal de Cultura, com a implementação da lei que instituiu o Programa de Incentivo à Cultura (Promac) e com o Plano Municipal de Cultura.

Vale salientar que desde 2013 Jaboatão aderiu ao Sistema Nacional de Cultura (SNC) e ainda não constituiu os requisitos totais do acordo de adesão ao referido sistema. Mesmo com a lei do Sistema Municipal de Cultura aprovada e publicada em diário oficial, mecanismos como o cadastro cultural, o Plano Municipal de Cultura e a reestruturação do conselho ainda não foram devidamente implementados. Entretanto, salientam-se o esforço e a boa vontade por parte da gestão municipal em dialogar e promover ações culturais importantes para a difusão da cultura local.

Já no contexto estadual o cenário se mostra promissor e aponta rumos positivos para as políticas culturais. Com projetos e ações institucionais consolidadas, o estado de Pernambuco conta com um dos mais arrojados sistemas de incentivo à cultura estadual, o Funcultura, criado em 2003. Ele compreende um conjunto de três editais: o Funcultura Geral, o Funcultura Audiovisual e o Funcultura Música.

A política de fomento cultural do estado de Pernambuco tem ainda o Prêmio Ariano Suassuna de Cultura Popular e Dramaturgia, o Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho de Preservação do Patrimônio Cultural, o Concurso de Registro do Patrimônio Vivo (que prevê uma bolsa vitalícia no valor de 1.600 reais para pessoa física e de 3.200 reais para pessoa jurídica) e o mais recente Microprojetos Culturais, voltado para jovens de 18 a 29 anos de baixa renda de regiões/cidades com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e para iniciativas de pessoas jurídicas sem fins lucrativos focadas na população jovem em situação de vulnerabilidade. A política cultural de Pernambuco abrange também dois conselhos, o de Preservação do Patrimônio Cultural e o de Política Cultural.

Vale ressaltar que em 2017 Pernambuco realizou sua IV Conferência Estadual de Cultura, que fez a avaliação e a aprovação do Plano Estadual de Cultura já em vigor no estado. A política cultural de Pernambuco possui uma gama de ações e projetos que se concentram na valorização da cultura e do patrimônio cultural. Ela resultou na premiação da Semana Estadual do Patrimônio Cultural no Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, que prestigia as ações de preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Diante do cenário político atual no Brasil, que desarticulou um conjunto de ações voltadas para o fortalecimento das políticas culturais em todo o território brasileiro e que por sua vez pode vir a comprometer anos de trabalho, articulação, discussão, diálogos e estreitamentos com os fazedores e os consumidores da cultura, penso que muitos desafios devem ser superados, sobretudo quanto à continuidade e à permanência das políticas culturais já discutidas amplamente com a sociedade e já implementadas pelas instâncias de governo.

Quais são os rumos, as estratégias e as ações que serão postos para projetar, difundir e valorizar a cultura brasileira em toda a sua diversidade e riqueza? Antes de pensarmos nos desafios que são próprios a qualquer área que demanda políticas públicas, devemos ter em mente quais são os reais valores que nos guiam, os alicerces que nos sustentam, as bases fundamentais que nos movem, qual é o nosso nascedouro cultural e quais valores serão nossa bússola e nos conduzirão por toda a vida profissional ou por boa parte dela; somente quando tivermos certeza dos valores que nos movem é que teremos como vencer todo e qualquer desafio para pôr a cultura brasileira no plano de destaque que ela merece.

Além da sua atuação no conselho, você ministra aulas e palestras relacionadas à área de educação patrimonial. Como você avalia a importância desse campo de estudo? Como ele pode auxiliar nos debates sobre preservação e políticas culturais voltadas para o patrimônio cultural?

Acredito muito na relação entre educação e cultura quando estas são utilizadas de forma integradora, quando são aglutinadas para a ampliação da esfera de presença do ser e do repertório dos sujeitos. Desde minha iniciação na mediação cultural, no estágio na Coordenação de Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura e Eventos da prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, em 2010, busquei inserir nas minhas intervenções sobre patrimônio cultural os métodos utilizados na educação patrimonial, na educação museal e na arte-educação. Essas correntes de conhecimento e informação foram decisivas para uma boa prática nas atividades e nas dinâmicas que tinham como premissa suscitar nos sujeitos e nos aprendentes o senso de pertencimento e a sensibilização para o patrimônio cultural, com a expectativa de formar novos colaboradores.

Diante da minha vivência e experimentação no campo do patrimônio cultural, sobretudo utilizando-o como ferramenta pedagógica para além do processo de escolarização, percebo que é de suma importância conhecermos nossa história por meio dos diversos acervos e dispositivos de memória existentes em nosso país, como museus, centros de documentação, bibliotecas, sítios arqueológicos, reservas naturais, ruínas, casarios e centros de cultura. É por meio dos diversos tipos de documento que se percebe a passagem do homem no mundo. O acesso a esses registros documentais da história torna a educação patrimonial uma ferramenta importante para revelar aquilo que ainda não é conhecido. Outro ponto importante na educação patrimonial é a promoção do diálogo que essa metodologia oportuniza.

A educação patrimonial contribui para a ampliação do universo do repertório cultural da pessoa humana. Outro destaque importantíssimo é que ela é imprescindível para a qualificação do debate sobre preservação e valorização do patrimônio cultural, bem como das políticas culturais. Ao entendermos que o tema educação patrimonial é um assunto de utilidade pública que deve estar presente na grade curricular de escolas e universidades e nas ações culturais dos órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio cultural, estaremos pondo essa temática a serviço da população, levando informação e conhecimento por meio de nossos bens culturais materiais ou imateriais. A educação patrimonial amplia o repasse de saberes sobre o patrimônio cultural e as práticas culturais desenvolvidas por mestres e mestras da cultura.  

Ainda no debate sobre formação, quão importante é a formação nas áreas de produção cultural, turismo e gestão pública? Como a pesquisa e o ensino nessas áreas podem auxiliar na atuação dos profissionais da cultura?

Considerando a minha trajetória profissional e acadêmica até hoje, acredito definitivamente em uma premissa-base que é a formação, mas uma formação que se dá de modo constante e incansável. Não se forma um profissional de alta qualificação com pouco tempo. É preciso um alto investimento de tempo e muitas renúncias.

Percebo que persiste no Brasil a ideia de que algumas ocupações, sobretudo em alguns cargos da esfera pública, não necessitam de formação específica, e isso ocorre com frequência na cultura. Não se é operado por um administrador, mas sim por um médico cirurgião bem formado e bem treinado, assim como um edifício não é construído por um turismólogo, e sim por um engenheiro. Sendo assim, por que perdura a ideia de que a cultura pode ser conduzida por alguém que não tem formação no campo? Por que o turismo ainda é pensado e planejado por outro profissional, e não por um turismólogo?

Essas colocações são para reflexão. Deixando de lado as provocações, volto às suas perguntas. A formação é um investimento que demanda tempo, capital financeiro e esforço físico e psicológico, considerando o universo da cultura e sua cadeia produtiva e também as necessidades dos fazedores de cultura, que por muitas vezes carecem de informação e conhecimento. A formação no contexto cultural é a chave para formar e qualificar novos e experientes profissionais da cultura, e isso se aplica ao turismo e à gestão pública ou a qualquer campo profícuo.

Quanto à pesquisa e ao ensino, estes são mecanismos de importância ímpar no processo formativo dos sujeitos que atuam no campo da cultura e da gestão pública, pois é com eles que se faz o repasse de saberes e com eles se mediam de forma acertada os aprendentes que desejam se profissionalizar com excelência. Já a pesquisa possibilita o acesso à informação e a obtenção de conhecimento na área aqui tratada. A oferta de cursos nas áreas de cultura, turismo e gestão pública nos variados níveis é responsável por formar profissionais mais capacitados, preparados e aptos a desenvolver seu papel no campo profissional, seja ele privado ou público.

O incentivo à produção científica voltada para a cultura, o turismo e a gestão pública possibilita a compreensão dessas áreas para além de suas fronteiras e a circunscrição dos seus campos, permitindo uma formação ampliada e uma atuação de excelência, pois a pesquisa abrange tanto a investigação prática como a compreensão teórica. A formação que une a análise de práticas, experiências e vivências alinhadas à produção científica é o caminho para uma excelente formação profissional. É com esse pensar que me lanço sempre aos desafios de buscar constantemente uma melhor qualificação, a fim de desempenhar com excelência e qualidade o papel que devo desenvolver nas empreitadas que a vida me oportuniza.

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