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Espetáculo de dança questiona o que é ser gente na era on-line

Com suporte do Rumos Itaú Cultural, o projeto "Enquanto Somos Humanos" contemplou também ações como workshops e mesa-redonda

Publicado em 08/10/2019

Atualizado às 16:50 de 10/10/2019

por Heloísa Iaconis

Era o início de 2017 quando Michelle Moura começou a refletir acerca da imobilidade a que as pessoas estão sujeitas em frente a telas de computadores e smartphones. Para experiências em estúdio a respeito dessa questão, ela convidou Maikon K, que lhe enviou uma entrevista com o autor Yuval Noah Harari. E foi justamente esse texto que levou a dupla de coreógrafos e performers a ler Homo Deus: uma Breve História do Amanhã (2015), título em que Harari esmiúça, entre outros temas, a capacidade humana de criar ficções. Estabelecer narrativas dá aos indivíduos um senso de coletividade: concebe-se, assim, sistemas de cooperação e desenvolvimento, a exemplo das diversas religiões, da ideia de nacionalidade e das configurações de governo.

Michelle Moura | foto: divulgação

Mas em uma sociedade à mercê do virtual como são elaborados, agora, novos enredos? Como reinventar a humanidade? O que torna alguém humano? Com base nessas perguntas, fomentadas pelo livro, Michelle e Maikon produziram Enquanto Somos Humanos, espetáculo de dança que traz, por meio de estéticas do movimento, o intercâmbio entre gente e o termômetro high-tech. Além do que é posto no palco, o projeto, apoiado pelo Rumos Itaú Cultural, contou com workshops e mesa-redonda, demais mecanismos que incrementam a discussão.

A tecnologia mais antiga

“Nosso trabalho é, de certa maneira, muito artesanal: pesquisamos a tecnologia mais antiga disponível – o corpo”, afirma Michelle, que parte desse princípio para conectar a matéria do seu fazer artístico ao assunto-mote do espetáculo. Porém, ao propor uma obra que integra corpos e o universo virtual hoje, dispositivos tecnológicos não se põem como adereços ou meras insistências. Há, pois, a preocupação de observar as dimensões éticas e comportamentais existentes na relação homem-máquina, um esforço de compreender os modos como o tempo cibernético altera e interfere no ser humano – e procurar possibilidades em que as pessoas não sejam apenas reprodutores de imagens e informações e sim conquistem uma ampliação de posturas imaginativas e atuantes socialmente.

Conexão com a comunidade

De 16 a 25 de agosto de 2019, uma série de apresentações de Enquanto Somos Humanos ganhou morada no Teatro José Maria Santos, em Curitiba (PR), local onde, no dia 21, aconteceu ainda uma mesa-redonda que instigou a plateia a ponderar parâmetros de humanidade. Já o compositor Kaj Duncan David (responsável pela criação sonora do número de Michelle e Maikon) e o bailarino Alejandro Ahmed (que acompanhou o processo da montagem) ministraram workshops que integraram o projeto como um todo: Kaj mostrou o elo entre softwares e composições colaborativas e Alejandro preparou uma oficina de dança voltada para o público em geral. Fora essas iniciativas, ocorreram duas sessões do espetáculo para estudantes do Ensino de Jovens e Adultos (EJA), o que completou um ciclo de comunicação próxima com a comunidade ao redor: desse jeito, suscitou-se a troca de conhecimentos, o que alimenta uma empreitada que necessita de presenças para ser ativa e viva.

Maikon K e Michelle Moura | foto: divulgação

Confiança que gera encontro

A viabilização de todas as atividades aventadas fez-se possível graças ao suporte do programa Rumos. “Em um país em que os recursos destinados à cultura são tão escassos, é um privilégio e uma responsabilidade sermos apoiados pelo programa Rumos, que nos oferece dinheiro, auxílio logístico e liberdade criativa total para realizarmos o que bem entendermos. Isso é um ato de confiança nos artistas e na arte que eles podem produzir”, salienta Maikon. E é por causa dessa firmeza de compromisso que os envolvidos nessa realização de dança contemporânea transformaram, enfim, a sua prática em um momento de encontro, conversa e escuta. Ao vivo e com afeto – características que só gente, gente mesmo e não androides e algoritmos, pode despertar.

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