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Gravadores no tempo e no espaço: conheça a história do Atelier Piratininga

Em entrevista para o Itaú Cultural, os integrantes do Atelier Piratininga, coletivo de artista visuais, contam a história de 26 anos do grupo, sobre as atividades e os desafios de sustentabilidade.

Publicado em 19/06/2019

Atualizado às 17:13 de 16/08/2022

Sobrevivência, transmissão de conhecimentos, perenidade, continuidade. Essas palavras significam muito nos dias de hoje, principalmente no nosso atual contexto cultural. E é partindo delas que pretendemos compartilhar a experiência do Atelier Piratininga, coletivo formado há 26 anos por artistas visuais e que traz em seu legado a presença e a formação de muitos artistas gravadores.

Integrantes do Atelier Piratininga (foto: Ulysses Bôscolo)

Essa história será contada pelos artistas gravadores Pedro Pessoa, Rafael Kenji, Raphaelle Faure-Vincent e Tiago Costa. Atualmente também fazem parte também do Piratininga Amália Barrio, Claudia Inoue, Eduardo Ver, Raphael Giannini e Ulysses Bôscolo.

Início do ateliê

O Atelier Piratininga surgiu em 1993, nas antigas dependências do Laboratório Pharmaceutico Piratininga, do qual incorporou o nome. O grande galpão dos anos 1930 – localizado no número 122 da Alameda Barros, em Santa Cecília, no centro de São Paulo (SP) – abrigou inicialmente um pequeno grupo de jovens artistas que buscavam um espaço de trabalho onde pudessem dar continuidade à experiência coletiva que alguns já tinham vivido em ateliês públicos. A artista Giorgia Volpe foi a primeira aglutinadora do grupo, convidando colegas para a empreitada.

Após um ano e meio, aproximadamente, várias pessoas já haviam passado pelo local, porém um grupo mais permanente começava a se constituir e a amadurecer a ideia de organizar um ateliê coletivo no qual, através de ações cooperativas, pudesse não só garantir um espaço comum de trabalho, mas também formar um núcleo voltado para a troca e um canal livre e direto de interação dos artistas com a cidade. Esse grupo fundamental era formado por Ana Calzavara, Armando Sobral, Eliana Anghinah, Ernesto Bonato, Giorgia Volpe, Lilian Kawakami, Noeli Pomeranz e Paulo Camilo Penna.

O ano de 1995 foi dedicado à construção desse projeto. Os ateliês foram organizados por técnica – gravura em metal, madeira, papel feito à mão, fotografia e pintura –, além de um amplo espaço dedicado à montagem de exposições, a trabalhos de instalação e a performances. Todos os ateliês eram coletivos e os artistas podiam transitar por eles em função dos projetos com os quais se encontravam envolvidos no momento. O acesso ao Piratininga era completamente aberto a qualquer artista que se apresentasse com um projeto de trabalho, com vontade de participar da construção do lugar e que tivesse condições de contribuir para o pagamento dos gastos de manutenção do espaço.

Desenvolvimento

Nos anos seguintes, o grupo intensificou o trabalho na mesma direção, participando de simpósios e intercâmbios internacionais, realizando exposições e encontros com artistas (projeto Encontros no Pira), estabelecendo contato com estudantes, artistas e instituições culturais. Nesse período, o grupo original sofreu alterações com a viagem de alguns de seus integrantes. Em 1999, o Atelier Piratininga transferiu-se para a Vila Madalena, com o objetivo de estruturar suas oficinas de forma profissional e oferecer maior facilidade de acesso aos frequentadores. Coordenado por Armando Sobral, Eliana Anghinah, Ernesto Bonato e Miguel Bonato, o novo espaço de trabalho foi planejado para a prática simultânea e integrada de vários artistas.

Rafael Kenji (foto: Ulysses Bôscolo)

Com o passar dos anos, muitos artistas entraram, vivenciaram, saíram, e Ernesto Bonato foi tocando o Piratininga. Devido à relação que ele tinha com a faculdade, possibilitou a entrada de alunos no ateliê, e foi dessa forma que nos anos seguintes, entre 2007 e 2009, Pedro Pessoa, Samuel Ornelas e Ivo Muniz chegaram para fazer uma residência e foram ficando. Em 2009 chegou Rafael Kenji. A artista Raphaelle Faure-Vincent, de origem francesa, conheceu o ateliê em 2008, fez residência em 2011 e, por fim, em 2014 entrou e permanece até hoje no coletivo.

Por volta de 2014, Bonato mudou-se para Campinas (SP) e fez um convite aos integrantes. “Ele perguntou se a gente queria ficar com o ateliê e manter o nome, e a gente [Pedro, Rafael, Ulysses, Samuel Ornelas e Bruno Oliveira] acabou assumindo e tivemos de arcar com um monte de despesas, com as responsabilidades...”, lembra Pedro. “Ernesto tinha muito equipamento dele mesmo, então levou uma parte e compramos outra parte para continuar trabalhando. Daí sentimos a necessidade de juntar um grupo maior, aglutinar mais gente, e também já tínhamos uma convivência desde 2008, e era preciso renovar os ares, sangue novo”, completa.

Naquela época (e ainda hoje é assim), muita gente passava um período no Atelier Piratininga como residente. “Acreditamos que até hoje a gente não tem essa pretensão de ser um coletivo... É só um espaço, as pessoas podem vir e usar; o nosso interesse é mais compartilhar uma estrutura, ter uma convivência que ajude o crescimento do trabalho de cada um. Não existe projeto, um estatuto, uma empresa mais formal, não é nada disso”, define Kenji.

Outro ponto levantado é a flexibilidade do espaço físico, que passa por muitas mudanças mediante as exigências dos artistas e os seus trabalhos. “A gente faz mais reformas do que gravura”, brinca Pedro. Isso é justificado, segundo Raphaelle, porque o grupo vai seguindo as propostas de cada um dos artistas – às vezes chegam pessoas com projetos novos e eles encaixam essas realidades e mudam tudo.

Novos artistas e ateliês coletivos

O Piratininga é um lugar em que as pessoas usufruem o espaço e a convivência. Como já foi dito, há muitos artistas que ficam por um período, há artistas que fazem outros trabalhos e querem desenvolver algum projeto com gravura, há artistas de fora do Brasil que chegam para desenvolver alguma residência ou exposição. Como é um lugar de muito trânsito, as trocas são muito presentes. “A gente não consegue mensurar, porque são tantas pessoas que acabamos nos ligando mais como ser humano do que como artistas. Inclusive, as residências (uma das coisas mais legais que a gente faz aqui) propiciam muito isso, e é muito bom porque temos amigos em vários lugares do mundo”, explica Pedro.

Outro ponto destacado por ele é que o ateliê funciona como uma incubadora para outros ateliês coletivos da primeira geração de artistas. Armando Sobral, por exemplo, voltou para Belém (PA) e montou o Atelier do Porto – referência em gravura na capital paraense. Giorgia Volpe foi para o Canadá e lá montou um ateliê. O próprio Ernesto Bonato, que se mudou para Campinas (SP), criou o Atelier Árvore. Julia Goeldi passou um tempo dando aulas de gravura em metal e, em 2017, formou o Ateliê Taguaí, em Cotia (SP). Catarina Besel, Mariana Coan e Julia Mota criaram o Atelier Teodora.

Raphaelle Faure (foto Ulysses Bôscolo)

Transmissão de conhecimento e atividades desenvolvidas

A transmissão de conhecimento é a chave da permanência do Piratininga no tempo, e é dessa forma que os gravadores tentam transmitir o valor da convivência, das trocas com outras gerações, e fugir da exclusividade do conhecimento técnico. Segundo Kenji, o grupo tem buscado compreender que todos esses conhecimentos têm ligação com os artistas que vieram antes deles e que a arte também desempenha esse papel de conectar gerações.

Há vários anos recebem visitas de alunos do Ensino Fundamental de escolas privadas e uma vez por ano recebem um grupo de alunos de gravuras do educativo do Museu de Arte Contemporânea (MAC). São ministradas aulas que têm papel importante na atração de novas pessoas e novos artistas, e estes muitas vezes acabam permanecendo e fazendo parte do coletivo, como ocorreu com a maior parte dos atuais integrantes.

São realizadas também residências, porém sem edital nem com data determinada para realização. As escolhas são feitas conforme as demandas, e há dois tipos: residências fixas com artistas que começaram fazendo aula no ateliê e desejaram continuar desenvolvendo seus trabalhos no espaço; e residências com artistas de fora, cujos trabalhos passam por análise.

Por fim, anualmente em dezembro acontece uma feira, para a qual é feita uma convocatória, com o objetivo de o grupo conhecer e divulgar novos artistas.

Tiago Costa (foto: Ulysses Bôscolo)

Desafios para a sustentabilidade

O Piratininga ocupa uma casa alugada, e os custos de todos os produtos para a manutenção do espaço são divididos entre os integrantes do coletivo. Foi estipulado que 20% do que provém de residências, aulas e atividades que geram algum tipo de lucro (visita de escolas, realização de oficinas, aluguel do espaço para a produção de vídeos e venda de trabalhos) vai para o caixa do ateliê. Com simplicidade, o grupo administra o espaço como se fosse a própria casa.

Neste ano de 2019, pela primeira vez na história do coletivo, o Piratininga contará com o auxílio do Edital de Apoio aos Espaços Independentes, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, nos custos de parte da manutenção do espaço e na realização de atividades gratuitas relacionadas à gravura. Serão oferecidas 16 bolsas em cursos de gravura em metal e xilogravura, três bolsas para residências artísticas, quatro exposições e alguns workshops.

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