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Maria Ó apresenta disco de estreia

Maria Ó – para os mais próximos ela é Maria Fernanda ou Fefê – é cantora, violonista e educadora musical. Passou a infância e a...

Publicado em 31/05/2017

Atualizado às 10:53 de 03/08/2018

por Victória Pimentel

Maria Ó – para os mais próximos ela é Maria Fernanda ou Fefê – é cantora, violonista e educadora musical. Passou a infância e a adolescência em São José dos Campos e aos 18 anos, a contragosto dos pais, rumou para a capital, onde aprofundou seus estudos em música. Há dez anos morando em São Paulo, a artista apresenta seu disco de estreia, Dança Três, no palco do Itaú Cultural, no dia 1º de junho de 2017, às 20h.
 

foto: André Seiti

foto: André Seiti

 

Em entrevista para o Fala com Arte, a cantora conta sobre sua trajetória, influências e processo de criação e gravação do primeiro álbum.

Como surgiu seu interesse pela música?

Eu estudava numa escola muito pequena, com pouquíssimos alunos. E rolava muita música ali – os pais dos meus colegas eram bem boêmios, sempre organizavam festas, e eu curtia aquilo, curtia tocar, cantar... E meus pais sempre incentivaram esse meu gosto. Quando pedi um violão, na hora eles disseram: “Vamo aí!”. Eu tinha 12 anos quando comecei a estudar violão popular e por volta dos 16 resolvi me apresentar em barzinhos. E aí eu tocava os clássicos: Cássia Eller, Djavan, Lenine, Zeca Baleiro, Paulinho Mosca, coisas que escutávamos lá em São José.

Já em São Paulo, além de continuar estudando violão na Escola de Música do Estado de São Paulo (Emesp), você integrou o Grêmio Recreativo de Resistência Cultural Kolombolo Diá Piratininga. Como foi essa experiência?

O Kolombolo foi um lugar importante mesmo. Eles desenvolvem um trabalho muito grande com o samba paulista. Quem me falou de lá foi a Anita Galvão, amiga e cantora que conheci na Emesp. Ela me contou que eles davam uma aula sobre compositores e eu fui. Eu já compunha bastante nessa época, mas não samba. Lá eu me aproximei um pouco mais da percussão: eu tocava um pouquinho de pandeiro, de cavaco, de tambor. Comecei a compor alguns sambas, frequentava sambadas.

Era massa, ali vivi o samba paulista. Com o Kolombolo, eu me apresentei pela primeira vez em São Paulo. Foram as primeiras experiências de palco, com um grupo, o que era mais confortável. Tudo isso me aproximou muito da cultura popular e influenciou a minha construção musical. A canção “Filho de Ogum” [do disco Dança Três] eu compus quando estava lá.

Sobre o que você costuma falar em suas composições?

Normalmente escrevo coisas bem autobiográficas. Acaba que sempre é assim. Vi uma entrevista do Chico César em que ele dizia: “Quando a gente observa, ainda é a gente”. O diálogo que eu vejo, sou eu que estou contando. Eu, com as minhas experiências, com o que eu penso. Eu falo muito de amor, das minhas relações amorosas, de relações afetivas que têm sempre essa temática do “três”. E falo não só de amor, mas de amor dentro de um cotidiano. O disco, especificamente, fala muito disso: de São Paulo, desse cotidiano que eu acho, por vezes, muito perverso. A última música do CD, “Novembro”, fala sobre um desejo de sair disso.

Como foi o processo de elaboração e de gravação do disco?

Sempre falaram para eu gravar e essa ideia ficava na minha cabeça, mas nunca com força o suficiente. Mas aí chegou uma hora que não deu mais: existia aquela necessidade de estar para o outro, de tirar aquilo de você – e tirar aquilo de você não é só escrever a música, tocar e deixar em casa, guardado: tirar de você é, de fato, mostrar. Isso é meio contraditório para mim, pois eu gosto de me mostrar e ao mesmo tempo não. Mas aí uma hora virou papo sério. O Igor Caracas, produtor musical do álbum, e o Guilherme Kafé, coprodutor, mais do que toparam – eles disseram: “Vamos fazer o disco?”.

Gravamos no Klaus Haus Studio, estúdio do Klaus Sena. Ele ouviu o som e gostou, e então começamos. Isso foi há quase três anos. Foi um processo superlongo. Tem a pré-produção, que era eu, o Igor e o Kafé fazendo os primeiros arranjos, dando forma para as músicas. O que já é muito louco porque até então eu sempre conheci minhas músicas “voz e violão” e de repente elas tomaram forma, viraram outra coisa. O processo de gravação é muito duro: é muito profundo em várias questões. É um trabalho coletivo, de troca em todas as esferas, de muita escuta e muita paciência. Processo de desapego total – nem sempre acontece o desapego, e tudo bem também porque são escolhas. Gravar as vozes também foi a maior loucura porque é o meu lugar a ser trabalhado. Tem a ver com eu me assumir cantora, me assumir artista, me assumir Maria Ó.

Quais músicas você destaca no CD?

Não é uma questão de gostar mais, mas acho que dentro do processo do disco algumas músicas me chamam atenção. Tem “Milonga de Fim de Festa”, que é uma das que falam bem claramente do cotidiano, da relação afetiva no cotidiano e que está linda. O Igor fez uma percussão fera, o Kafé fez um violão barítono lindo e ainda tem a Mari Corado no violino. É a quarta música do disco e eu gosto muito dela.

“Filho de Ogum” é uma música massa também, que tem uma força. Contou com a participação das meninas nas cordas: da Rebeca Friedmann, da Mathilde Porto e da Mariana Corado, e arranjo do Kafé. Essas músicas que envolvem mais gente, querendo ou não, são demais. É gostoso de fazer, as pessoas vão topando, vão na camaradagem, vão no amor, na verdade. É muito bom quando as pessoas topam tocar no seu disco, quanto topam te produzir.

E também “Dança Três”, a música título do disco. O álbum, na verdade, ia se chamar Três, mas pesquisando descobrimos que iam sair uns dois CDs com esse nome, então mudamos. Eu gosto desse nome Dança Três. E é uma história mesmo, um romancezinho que aconteceu, gostosinho, que não rolou e que passou. A letra da música é isso: “Passou, passou, passou, passou…”. Essas três músicas dizem bastante sobre a pluralidade do disco: cada uma é uma coisa diferente.

Dança Três é recheado de influências regionais. De onde elas vêm?

O disco, de fato, passa por diferentes geografias, já que os dois produtores, o Igor e o Klaus, são de Fortaleza. Então eles trazem as experiências deles de lá, além das próprias experiências musicais, já que eles vivem na música há muito tempo. O Kafé, coprodutor, é de Osasco e eu trago coisas de São José dos Campos e de São Paulo. A experiência no Kolombolo, de alguma maneira, também acrescenta nesse sentido. E tem ainda as influências daquilo que a gente escuta ao longo da vida, que vem de vários lugares. Acho que o disco tem homogeneidade no tema, mesmo na instrumentação, no arranjo e até no andamento das músicas. Mas ele é um disco bem plural em relação aos ritmos. Tem ijexá, tem samba, tem ciranda, tem milonga, tem coisas que a gente não sabe o que é, e acho que isso vem das nossas experiências todas.

O que você trouxe de São José dos Campos?

De São José eu trago uma carga afetiva enorme. Eu passei muitas coisas lá que não estão no disco, exatamente, mas que fazem parte da minha vida e influenciam a maneira como eu olho as coisas. Quando eu morava lá, aos 16 anos, tive um linfoma que voltou depois, quando eu tinha mais ou menos 18 anos. Querendo ou não, isso é um acontecimento na vida e acaba perpassando a minha produção. Está presente na maneira como eu me relaciono, em como me coloco para o outro, nas coisas que escrevo, no que penso da vida. Não sei se é só por isso, mas eu sou meio intensa, meio louca nas relações. Tenho uma urgência em relação à vida, em estar junto.

Quando eu quis vir para São Paulo, minha mãe não queria. Tinha medo que eu ficasse doente. Quando consegui vir, eu rompi, não com São José, mas com aquele lugar-conforto. Fui criada lá. Foi onde comecei a ouvir música. Lá se escutavam muito Zeca Baleiro, Paulinho Mosca, Chico César. Fora Leandro e Leonardo, quando tudo começou. Com 3 anos de idade eu sabia tudo. Meu primeiro violãozinho vem daí. Faz parte do meu imaginário. Em São José, eu morei em uma chácara. A gente ia muito à roça. Tinha aquela paisagem. São José me deu a conexão com o mar, com a cachoeira, porque fica do lado de Ubatuba, de Caraguá. É um porto seguro. A cidade me permitiu muitos caminhos, apesar de ser conservadora e complicada em diversos aspectos.

E o que é São Paulo para você?

São Paulo é um mix. Hoje em dia eu me cuido para não ficar negando a cidade. “Ah, São Paulo é muito ruim. São Paulo é nocivo, faz mal”. De fato, temos que tomar cuidado com o ritmo da cidade. Mas logo que vim aproveitei muito. Ia ao teatro, ao cinema toda segunda-feira, depois comecei a frequentar a noite, a fazer meus vínculos e eu ficava muito encantada com tudo. São Paulo é isso. Aqui também conheci as brigas políticas, aprendi a militar. A gente toma conhecimento das coisas e precisa tomar partidos, se responsabilizar. Em São José eu vivia uma vida meio alheia, não se debatia muito.

Acho que às vezes vou, me envolvo com São Paulo, depois me afasto. Eu me envolvo, me encanto e me afasto. É uma cidade intensa, as relações são intensas – mesmo que às vezes elas demorem para ser construídas. Eu gosto de São Paulo mas não tenho a pretensão de viver aqui para sempre, não. Acho que falta um horizonte, falta poder olhar para longe. Aqui a paisagem é toda de concreto. Agora estou tentando participar mais da cidade. É cansativo, mas tem muita coisa legal acontecendo. E é importante porque ou a gente se envolve com a cidade ou a gente se afasta.

Como você define sua música?

Acho que gênero não cabe muito. Por exemplo: é um samba? Não sei, já não cabe tanto assim. Acho que a música nova, esta música brasileira de agora, Céu, Tulipa Ruiz, Kiko Dinucci, Juçara Marçal, Alessandra Leão, Liniker, As Bahias e a Cozinha Mineira, é tudo: é pop, é samba, é reggae. É música brasileira. Então se fosse para me definir em relação à gênero eu diria que faço música brasileira, porque é isso. Agora, meu som está em construção. Dança Três é o primeiro disco e eu aprendi que meu som pode ser outras coisas. A gente acabou de concluir e às vezes penso que faria várias coisas diferentes. Talvez explorar outros lugares, outras texturas. É tudo supernovo e ainda estou me reconhecendo nisso, achando meu lugar.

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