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“O conhecimento de outras disciplinas, para além dos manuais das câmeras, é fundamental para o fotógrafo", diz Jorge Panchoaga

Fotógrafo colombiano esteve presente na coletiva "Ainda Há Noite", onde abordou histórias ligadas ao tráfico de drogas e ao mundo do crime nos anos 1980

Publicado em 13/08/2019

Atualizado às 11:42 de 17/08/2022

por Cassiano Viana

Além de fotógrafo, o colombiano Jorge Panchoaga, artista que esteve presente na coletiva Ainda Há Noite com o projeto Historia Natural del Silencio, é antropólogo. Para ele, quando o conhecimento para além da técnica e dos manuais das câmeras fotográficas se instala, trata-se de algo irreversível. "Você pode ser um ótimo profissional sem conhecer esses tópicos – história, economia, antropologia, artes plásticas – em profundidade, mas, se os conhecer, certamente terá uma visão mais ampla ", observa.

Essa visão, segundo Panchoaga, foi fundamental durante o processo de pesquisa e realização da série Historia Natural del Silencio, na qual aborda histórias ligadas ao tráfico de drogas e ao mundo do crime nos anos 1980.

A mostra ficou em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo (SP), até o último domingo, dia 11 de agosto de 2019.

O fotógrafo colombiano Jorge Panchoaga esteve presente na coletiva Ainda Há Noite com o projeto Historia Natural del Silencio (imagem: Alejandro Moreno)

De que forma a antropologia influencia seu trabalho como fotógrafo?

A antropologia, como outras formas de conhecimento, se instala na maneira como você observa e compreende o mundo. É uma disciplina que, depois de estudada, não pode ser colocada de lado. Ela tem sido muito útil durante o processo de pesquisa, para traçar um percurso metodológico e problematizar certos projetos. Mas é preciso aprender a incorporar as virtudes do conhecimento antropológico à pesquisa dentro e a partir da imagem.

Houve um primeiro momento em que tentei fugir da disciplina, da estrutura acadêmica, do método, das abordagens, das tradições teóricas, das escolas e tradições. Tentei desaprender esses fundamentos, porém no meio dessa dinâmica aprendi a apreciar certas sutilezas do campo antropológico que são úteis para o exercício fotográfico, a transferi-las e a usá-las.

Foi difícil no início, porque o que você pensa em palavras e expressa e traduz em textos, como em textos antropológicos, é complexo de sintetizar em imagens. Precisei aprender a dizer o que eu penso e investigo em imagens.

A série Historia Natural del Silencio retrata histórias ligadas ao tráfico de drogas e ao mundo do crime nos anos 1980 (imagem: Jorge Panchoaga)

Cartier-Bresson uma vez comentou, em uma entrevista, que um bom fotógrafo não se faz apenas com o conhecimento técnico, com a leitura do manual da câmera, mas precisa ter outras leituras em temas como história, economia e artes plásticas. Concorda com ele?

Cartier-Bresson lança uma sentença válida para qualquer campo de atuação. Você pode ser um ótimo profissional sem conhecer esses tópicos em profundidade, mas, se os conhecer, certamente terá uma visão mais ampla. O que parece ter sido transformador para a fotografia nos últimos tempos é que você não precisa mais ler um manual de câmera para ter um pensamento profundo e claro sobre a fotografia e sobre a imagem, e também investigar e trabalhar a partir desse campo de pensamento.

Durante o Fórum Latino-Americano de Fotografia de São Paulo, em junho, você disse que memória, identidade e linguagem são os temas principais do seu trabalho como pesquisador. De que forma esses temas entraram na série Historia Natural del Silencio?

Em Historia Natural del Silencio, abordo como nos naturalizamos para esconder e silenciar as múltiplas histórias ligadas aos anos 1980 e, especificamente, ao passado relacionadas ao tráfico de drogas e ao mundo do crime. Gerações nascidas em economias irregulares aprenderam cedo a silenciar tudo o que viam, o que ouviam e o que acontecia em seu cotidiano, fortemente marcado por uma fronteira moral que rapidamente estigmatizava tudo o que se relacionava a esses cenários, para impedir a permeabilidade de sociedade a esses tipos de estrutura empresarial.

Tudo isso, somado a uma narrativa de crime gerada pelos meios de comunicação e posteriormente relativizado pelo entretenimento de massa, construiu uma versão mitificada e grandiloquente dessas realidades.

Na série, misturo áudios de pessoas que me contaram histórias em cidades como Cali, Popayán, Medellin e Bogotá e as cruzo com uma cidade imaginada onde essas histórias vivem, no meio da noite.

Em uma palavra, como você definiria a fotografia hoje?

Tempo. Atualmente, acho que a fotografia é uma reflexão sobre o tempo. Mas isso certamente se transformará à medida que meus interesses de pesquisa mudarem.

Na série Historia Natural del Silencio, Jorge Panchoaga mistura áudios de pessoas de Cali, Popayán, Medellin e Bogotá e as cruza com uma cidade imaginada (imagem: Jorge Panchoaga)

 

Cassiano Viana é editor do blog About Light.

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