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O público no horizonte do trabalho de pesquisa

Em 13 anos de atividade, o Grupo 3 de Teatro equilibrou inquietude pelas buscas poéticas e determ...

Publicado em 03/09/2018

Atualizado às 17:54 de 27/08/2019

Por Encontro com Espectadores – Valmir Santos

Em 13 anos de atividade, o Grupo 3 de Teatro equilibrou inquietude pelas buscas poéticas e determinação em dialogar com o público. Evitou hermetismo nas formas e nos assuntos, inclusive pensando nas pessoas não familiarizadas com essa arte. “A gente experimenta também na linguagem, mas a gente sempre quer comunicar. Sempre. É essencial nunca perder isto, a preocupação de realmente comunicar e chegar”, afirmou Débora Falabella. “Isso não significa simplificar”, completou Yara de Novaes.

Ambas as atrizes foram as convidadas da 23a edição do Encontro com o Espectador, no domingo 26 de agosto. A conversa, focada no espetáculo mais recente do grupo, Love, Love, Love, atraiu cerca de 140 pessoas à sala principal do Itaú Cultural, que apoia a ação realizada pelo site Teatrojornal – Leituras de Cena.

Beth Néspoli mediou a conversa entre Yara de Novaes e Débora Falabella | foto: Ophelia

Para ilustrar a relevância na construção de pontes com o espectador, Yara lembrou do processo criativo da produção anterior, Contrações, que incluiu ensaios abertos gratuitos em cidades do interior paulista. Cada sessão era seguida de bate-papo, segundo ela um exercício de escuta determinante na consolidação do trabalho até a estreia.

Tanto Contrações (2013) como Love, Love, Love (2017) são montagens de textos do britânico Mike Bartlett, autor de 37 anos que também escreve roteiros para a televisão e o cinema. Segundo Débora, essas obras abordam questões mais rentes à realidade e por isso evidenciam a dimensão política.

Em Contrações, dirigida por Grace Passô, uma gerente de recursos humanos (Yara) assedia moralmente uma funcionária (Débora), manipulando sua vida privada. Em Love, Love, Love, com direção de Eric Lenate, o enredo retrata três momentos na vida de um casal: o namoro, no final da década de 1960, quando são estudantes universitários; o casamento, nos anos 1990, quando conciliam a vida profissional e a criação dos filhos adolescentes, uma menina e um menino; e o recorte da década atual, quando estão separados e são acusados pela primogênita de terem priorizado a vida material e financeira, tornando-se avaros no afeto a ela e ao irmão. “Você não alterou o mundo, você o comprou”, acusa a filha (Débora) no embate com a mãe (Yara). Esta, assim como o pai, fez parte da geração que promoveu rupturas, marcada pelo comportamento coletivo da contracultura – hoje, são sujeitos emocionalmente anestesiados.

Mediadora desse Encontro com o Espectador, a jornalista e crítica Beth Néspoli observou justamente que a experiência diante da encenação aponta a rarefação do espaço comum na sociedade contemporânea. A superproteção em casa, a melhor escola, a prioridade profissional em sacrifício do tempo familiar são alguns dos aspectos reveladores da falta de rede de apoio tanto dentro quanto fora de casa. “Se o mundo não está bem, você não vai ficar bem sozinho”, ponderou, entre as múltiplas leituras a que a obra instiga.

A atriz Débora Falabella durante o 23º Encontro com o Espectador, no Itaú Cultural | foto: Ophelia

A funcionária de banco e estudante de teatro Eulane declarou ter assistido ao espetáculo quatro vezes e perguntou às atrizes a respeito de parte da plateia que ria em passagens contraditórias, que lhe pareciam mais dramáticas, e isso a incomodava. “Talvez um riso nervoso”, disse. De acordo com Yara, o riso é um elemento ambíguo em cena, abrindo espaço para a identificação para depois dissipá-la e instaurar uma percepção mais crítica.

Uma das intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) no encontro daquela tarde intermediou a participação da fotógrafa Paula, surda, que manifestou seu desejo de experienciar Love, Love, Love e afirmou que ainda não o fez porque não teve notícias de sessões com acessibilidade – ao que Débora respondeu que elas aconteceram na primeira temporada e seriam programadas também para o final desta segunda, até 16 de setembro, no Teatro Vivo.

Débora e Yara contracenam com Augusto Madeira, Mateus Monteiro e Alexandre Cioletti. As atrizes são cofundadoras do Grupo 3 de Teatro (criado em 2005), ao lado do produtor e iluminador Gabriel Fontes Paiva.

Em comentário expandido à precarização cultural em curso na cidade, no estado e no país, Yara lamentou as ameaças da atual administração municipal ao Programa de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, lei em vigor desde 2002, voltada para os grupos artísticos que desenvolvem pesquisa continuada.

Fica agendada para 30 de setembro – como sempre, o último domingo do mês –, às 15h, a 24a edição do Encontro com o Espectador, em torno do espetáculo Navalha na Carne Negra, a partir da peça de Plínio Marcos (1935-1999) e com atuantes da Cia. Os Crespos (SP), do Coletivo Negro (SP) e da Cia. dos Comuns (RJ). Os convidados para o diálogo são o diretor José Fernando Peixoto de Azevedo e o ator Rodrigo dos Santos.

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