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Observatório do Frevo

Localizado no bairro do Recife, no Recife/PE, o Museu Paço do Frevo desenvolve inúmeras atividades que visam a difusão do frevo nas áreas...

Publicado em 11/02/2016

Atualizado às 10:19 de 03/08/2018

Localizado no bairro do Recife, no Recife/PE, o Museu Paço do Frevo desenvolve inúmeras atividades que visam a difusão do frevo nas áreas de dança e música. O equipamento cultural conta com o Observatório do Frevo, composto de estudiosos que desenvolvem pesquisas e debates a respeito do tema. Conversamos com Leonardo Esteves, coordenador do núcleo de pesquisa e documentação do Paço do Frevo, para saber um pouco mais sobre a atuação do Observatório do Frevo.

A partir de quais demandas surgiu o Observatório do Frevo?

O Observatório do Frevo faz parte de um conjunto de atividades, programas e projetos desenvolvidos pelo Paço do Frevo. É necessário ressaltar que, em 2007, o frevo foi registrado como Patrimônio Cultural Imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e, em 2012, incluído na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas (Unesco).

A partir do processo de patrimonialização foi elaborado um plano integrado de salvaguarda, com a participação de gestores culturais e detentores do frevo, que apontou algumas diretrizes gerais para a manutenção desse bem cultural. Como um dos primeiros eixos desse plano foi criado o Paço do Frevo – um equipamento público inaugurado em 9 de fevereiro de 2014 que tem a missão de se consolidar como espaço de referência no desenvolvimento de diversos programas, ações e atividades integradas tendo em vista a valorização, difusão e continuidade do frevo.

O Paço do Frevo está sediado no prédio, tombado pelo Iphan, onde funcionou entre 1906 e 1973 a Western Telegraph Company, numa área central da cidade do Recife/PE. O edifício, que possui quatro pavimentos, a partir de uma parceria público-privada foi readequado para abrigar exposições, centro de documentação, salas de aula, estúdio, rádio e espaços para apresentações. Orientado também por um conjunto de metas pactuadas junto ao poder público e mecanismos de avaliação permanente dos resultados de suas atividades, o equipamento tem desenvolvido ações a partir de um contrato de gestão firmado entre a Prefeitura do Recife e uma organização social chamada Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG).

Por meio dessas ações, executadas por uma equipe multidisciplinar – formada por antropólogos, historiadores, músicos, dançarinos, jornalista, bibliotecária e produtora cultural – com profissionais que acompanharam diretamente o processo de registro do frevo como patrimônio, o Paço do Frevo tem buscado contribuir de forma programada e sistemática de diferentes maneiras com as diretrizes das políticas públicas de salvaguarda para o patrimônio imaterial.

O Observatório do Frevo é uma das ações vinculadas ao núcleo de pesquisa e documentação do Paço do Frevo. Suas atividades têm como objetivo estimular a realização de investigações, discussões, debates e produções científicas acerca do frevo e de temas transversais, como Carnaval, festas, religiosidade, dança, música, artes, cultura, patrimônio e museologia. Por meio de uma perspectiva multidisciplinar e multissituada, o Observatório do Frevo configura-se como um espaço privilegiado de diálogo, reflexão e difusão de conteúdos por parte de estudiosos, pesquisadores, profissionais, representantes de instituições de pesquisa e pessoas direta ou indiretamente envolvidas com o frevo e seu universo.

Desde que foi lançado, em novembro de 2014, durante o I Encontro de Pesquisadores do Frevo, o Observatório do Frevo tem promovido encontros mensais para compartilhar e discutir trabalhos acadêmicos, produções institucionais e vídeos sobre essas temáticas.

Quais os principais desafios enfrentados pelo Observatório do Frevo para manter viva a memória do frevo? De que modo essa memória era tratada antes da fundação do museu e do observatório e o que mudou a partir de então? O reconhecimento do frevo como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco repercutiu de alguma maneira nesse tratamento?

O frevo tem sido compreendido historicamente como uma expressão cultural que reúne uma série de práticas e sentidos. Ele é considerado, ao mesmo tempo, uma forma muito particular de dança e de música popular brasileira, subversão e criatividade popular, brincadeira de Carnaval e expressão artística. Sua manifestação está fortemente ligada, por exemplo, à identidade cultural do povo pernambucano, a territórios urbanos de cidades como Recife e Olinda, a formas de agremiações carnavalescas, a processos de sociabilidade e a resistência política.

Os processos de patrimonialização pelo Iphan e pela Unesco são importantes passos para a manutenção de um bem cultural. São, entre outros aspectos, reconhecimentos oficiais em âmbitos nacional e internacional da relevância daquele bem para uma nação, bem como para a garantia da diversidade cultural entre os povos. Contudo, penso que a salvaguarda de um patrimônio cultural de natureza imaterial como o frevo é também algo extremamente complexo. Depende de uma série de ações programadas e sistemáticas que devem ser executadas e continuamente aprimoradas pelo poder público a partir do diálogo com diversos atores sociais. Nas reuniões do Observatório do Frevo procuramos estimular esses diálogos.

Contamos com a presença mensal de estudiosos de diversos campos do saber, bem como do público diretamente envolvido com o frevo, para discussão de temas relacionados ao seu universo. Além disso, temos realizado anualmente o Encontro de Pesquisadores do Frevo, em que são apresentados os resultados das pesquisas que vêm sendo realizadas sobre o tema e o relato de experiências de seus detentores.

Nessas atividades, a pesquisa tem sido compreendida em um sentido mais amplo, com a inclusão de pesquisadores do mundo acadêmico e pessoas que mantêm uma forte relação com esse bem cultural através da música, da dança e da gestão das agremiações carnavalescas, a partir das vivências e dos saberes tradicionais acumulados ao longo de suas trajetórias de vida.

Quais são os principais eixos que orientam as pesquisas desenvolvidas pelo ou em parceria com o Observatório do Frevo?

O núcleo de pesquisa e documentação do Paço do Frevo possui um programa de pesquisa no qual propõe eixos temáticos e linhas gerais de pesquisa a ser desenvolvidas por meio de projetos institucionais, parcerias e convênios de cooperação técnica. Em conformidade com o nosso plano museológico, parte-se da perspectiva de tornar o Paço do Frevo um lugar referencial e apropriado à discussão, investigação – acadêmica e não acadêmica – e difusão da memória e de conhecimentos ligados ao frevo.

A partir do referido programa de pesquisa, busca-se garantir a produção, documentação, circulação, difusão e fruição de conteúdos, informações, notícias e registros vinculados ao frevo. Além disso, procura-se ainda realizar o levantamento, tratamento, armazenamento, sistematização e recuperação de referências bibliográficas e documentais de caráter histórico, iconográfico e fonográfico, com a finalidade de contribuir para a salvaguarda e memória desse patrimônio cultural.

Em 2014 definimos seis eixos principais de pesquisa, com respectivas linhas de investigação a ser desenvolvidas, que deverão nortear nossos estudos. São eles: investigações estéticas sobre dança e música; mapeamentos e diagnósticos de agentes, mestres, grupos e acervos; produção de registros sobre o frevo e o Carnaval do Recife; pesquisas históricas e socioantropológicas; museologia e um eixo especial sobre a história da Western Telegraph Company no Recife.

Esses eixos permeiam boa parte das investigações, discussões, debates e produções realizadas no âmbito do Observatório do Frevo. A esses eixos e linhas de pesquisa, no entanto, podem ser incorporados outros, conforme a indicação dos participantes e as demandas decorrentes de nossas atividades.

Quais as estratégias do observatório para aproximar as pessoas que vivem o frevo no dia a dia do trabalho que ele desenvolve? Existe essa interlocução?

O Paço do Frevo tem se tornado um local de convivência e convergência em torno do frevo. Não é por acaso que o museu tem sido chamado na cidade de “casa do frevo”. É, de fato, um espaço de referência, em que grandes mestres, representantes das novas gerações e amantes do frevo costumam se encontrar para realizar reuniões pessoais, visitar as exposições, participar de apresentações, compartilhar suas experiências e reunir amigos e familiares.

O Observatório do Frevo reflete um pouco essa atmosfera do Paço. Nas reuniões, promovidas mensalmente, não são apenas os pesquisadores do mundo acadêmico que se encontram para discutir o resultado de suas pesquisas acerca do universo do frevo. Como se sabe, muitos trabalhos voltados para a construção da historiografia e a sistematização de informações acerca do tema estão fundamentados em fontes secundárias obtidas com base em registros escritos, gerados a partir da pesquisa documental em material hemerográfico, iconográfico e bibliográfico – e/ou provêm da compreensão e interpretação indireta sobre esse universo por parte dos intelectuais, cronistas, folcloristas e pesquisadores acadêmicos das mais diversas áreas.

Essa produção, sem dúvida, tem sido de extrema relevância para entender o frevo e parte de sua complexidade ao longo do tempo. Não por acaso ela vem sendo utilizada há décadas para registrar histórias, consolidar saberes e identificar práticas, assim como realizar experimentos, renovar ideias, apontar caminhos ou propor alternativas para a salvaguarda desse bem cultural.

Contudo, como manifestação predominantemente popular, tem grande parte desse seu universo relacionada à tradição oral, com práticas nem sempre sistematizadas por seus analistas e investigadores, além de sentidos múltiplos e compreensões muito diversas, conforme as perspectivas de seus agentes. Os registros documentais escritos acerca dessa manifestação muitas vezes não dão conta de sua extrema diversidade e complexidade.

Além disso, a partir da virada pós-estruturalista nas ciências humanas, reconhece-se a crescente necessidade de realização de pesquisas com base em perspectivas mais dialógicas e polifônicas, nas quais os nossos interlocutores possam se aproximar tanto quanto possível de uma posição de intérpretes de sua própria história.

O Observatório do Frevo busca, deste modo, construir pontes entre "fronteiras" e "territórios" para que diferentes atores sociais possam apresentar suas pesquisas, relatar suas experiências e compartilhar suas diferentes compreensões acerca do frevo e de seu entorno.

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