PERFIL DE LAURA

Ela governa as coxias,
o palco e a plateia

Laura Cardoso encanta e arranca aplausos há mais de 70 anos

Filha de imigrantes portugueses, Laurinda de Jesus Cardoso nasceu e cresceu no tradicional bairro da Bela Vista, em São Paulo. Nascida em 13 de setembro de 1927, sempre quis ser atriz. E precisou de muita coragem perseverança para enfrentar os pais e a vizinhança quando se deu conta de que não seria feliz se não vivesse para as artes cênicas.

 

Àquela época, toda mulher que escolhesse essa carreira era vista como meretriz. “As mulheres que faziam arte eram discriminadas. Naquele tempo, se não fosse operária ou do lar, a gente era vista como puta”, conta Laura em entrevista à equipe do Itaú Cultural para a Ocupação Laura Cardoso. Em 1942, aos 15 anos, sem a aprovação da família, Laurinda participou de um teste na Rádio Cosmos (atual Rádio América) e foi aprovada.

 

Seu nome de batismo, no entanto, não soou muito bem aos ouvidos da direção artística da rádio. Sugeriram simplificar para Laura Cardoso, que virou a alcunha de uma das maiores artistas vivas do Brasil. A atriz, hoje com 89 anos, dedicou a vida aos estúdios das rádios, aos palcos de teatro e aos sets de novelas e de cinema, contabilizando mais de 110 trabalhos e dezenas de prêmios. Mesmo com toda essa experiência, não houve sequer um dia em que ela não tenha sentido a adrenalina pulsar ao encarnar uma personagem. Costuma dizer que, a cada novo papel, ela se sente “começando no escuro”.

 

A atriz e escritora Vida Alves – falecida no início de 2017, aos 88 anos – foi categórica ao afirmar que Laura virou uma grande estrela em pouco tempo. “Ela sempre foi muito boa. Aqueles olhos curiosos, sempre atentos... Uma sede de aprender, aprender! Ela ficava atrás de todos em busca de novos desafios”, relembra. Enquanto emprestava sua voz a diversos personagens no rádio, Laura flertava com a possibilidade de trabalhar na TV.

 

E quem deu a primeira oportunidade a Laura foi a própria Vida Alves, que a escalou para participar do programa de sua autoria Tribunal do Coração, ao ar na TV Tupi em 1952. Vida explica: “Era um pequeno tribunal com causas reais debatidas por um júri. Laura foi personagem desse programa e interpretava os casos. Foi um grande sucesso na época. E ela já se mostrava brilhante na televisão”.

 

Pelos corredores da TV Tupi circulavam outros jovens e talentosos profissionais; um deles em especial chamou atenção de Laura: o ator, roteirista, diretor e produtor Fernando Balleroni. Os dois casaram-se pouco tempo depois e tiveram três filhos, Fátima, José e Fernanda. Fernando Balleroni faleceu aos 58 anos, em 1980 – ano também em que a TV Tupi foi fechada.

 

Multifacetada

Laura Cardoso foi fanática religiosa, mãe amargurada de gêmeas, imigrante, matriarca de famílias caipira, indiana. O olhar atento para a vida sempre foi seu maior laboratório. A feira livre, por exemplo, é um de seus lugares favoritos para estudar figuras e se inspirar para a criação de personagens.

 

Laura estreou no teatro em 1959, com a peça Plantão 21, sob a direção de Antunes Filho. Ambos trabalharam juntos novamente em 1993, em Vereda da Salvação, que rendeu à atriz seu segundo Prêmio Shell – o primeiro foi pelo trabalho Vem Buscar-Me que Ainda Sou Teu, com direção de Gabriel Villela e texto de Carlos Alberto Soffredini, em 1990.

 

“Antunes é considerado um dos cinco melhores diretores do mundo. É muito bom trabalhar com ele, eu aprendi muito. Nos ensaios chegávamos a ficar 24 horas no teatro estudando o texto”, diz Laura. “Ela sempre foi líder do grupo com toda aquela sabedoria. Trazia suas próprias experiências para o espetáculo que estávamos criando”, conta Claudio Fontana, que estreou no palco ao lado de Laura em Vem Buscar-Me que Ainda Sou Teu. “Foi por meio da convivência com ela que entendi que o teatro tinha uma generosidade e uma magia muito forte. Deixei um cargo executivo em uma indústria química para me dedicar às artes cênicas por causa da Laura”, completa o ator.

 

Além do rádio, da TV e do teatro, a atriz passou pelo circo, de onde não tinha coragem de tirar o seu sustento. “O dinheiro que entrava era tão pouco que eu não tirava da bilheteria”, conta. Fez dublagem de filmes, séries e desenhos – uma das personagens mais famosas para a qual emprestou a voz foi a Betty Rubble, de Os Flintstones. “Tenho uma saudade gostosa dessa época e do entusiasmo que vivenciava ao dublar a Betty, a moreninha dos Flintstones. Foi um trabalho delicioso com Helena Samara, Rogério Márcio e Marthus Mathias emprestando suas vozes a seus personagens Wilma, Barney e Fred, respectivamente”, destaca Laura na entrevista que a autora Julia Laks realizou para a edição da Coleção Aplauso sobre a atriz.

 

Sumidade

O talento, a dedicação, o perfeccionismo e o comprometimento aliados à graça e à simplicidade de Laura Cardoso conquistaram, ao longo das décadas, aqueles que cruzaram o seu caminho. O ator, dramaturgo e diretor Odilon Wagner, com quem trabalhou no espetáculo A Última Sessão, em 2014, diz que a disposição de Laura sempre deixou todos boquiabertos. “Ela era sempre a primeira a chegar e a última a sair do teatro. Quando eu perguntava por que ela era sempre a última a sair, ela dizia: ‘Porque sempre dá para ficar melhor’.”

 

Não se conformava quando trocava, sem querer, uma palavra do texto por um sinônimo, mesmo que ele desse o mesmo sentido à narrativa. Voltava ao texto original para estudar mais e tentar entender o que a levou a “errar”. Ao fim de cada espetáculo, atendia a todos que desejavam falar, abraçar, elogiar.

 

Parece haver consenso entre público e colegas de trabalho de que Laura Cardoso possui um magnetismo único. Até mesmo quando está em cena, mas não abre a boca. “Essa é uma capacidade que só as grandes estrelas têm. A concentração e a imersão na personagem são tão grandes, assim como a sabedoria de se colocar em cena, que automaticamente ela se transforma em um ímã. Laura não desperdiça uma vírgula, mantém sempre o sentimento e a razão adequados”, diz Wagner.

 

Gabriel Villela, que tinha apenas 30 anos quando a dirigiu, engrossa o coro e a define como “uma grande máquina teatral”. “Laura é uma mulher inteligentíssima, muito estudiosa, ética e engraçada”, diz. “Nunca vi uma atriz que governa o palco, a plateia e as coxias, tudo ao mesmo tempo. É de um olhar, de uma totalidade... Ela tem a consciência da mecânica que rege todo o espetáculo e sabe verificar se tudo está a postos.”

 

O conhecimento autodidata que Laura acumulou ao longo das décadas impressiona todos que têm mais contato com ela. E, por saber do seu valor, a atriz não pensa duas vezes antes de enfrentar a chefia do meio artístico – no caso, os diretores das novelas, das peças e dos filmes. Já brigou com diretora que quis recomeçar uma cena porque não tinha enquadrado a atriz bonitinha e já pediu para ser dispensada de um trabalho ao ver o seu papel diminuir e ganhar cada vez menos falas na trama (depois disso, sua personagem cresceu).

 

Laura Cardoso contribuiu para a formação do caráter das artes cênicas no Brasil. Atualmente, na ativa, persevera na construção de seu legado, que está longe de chegar ao fim.

 

 

Livia Deodato é jornalista. Trabalhou em veículos como o Caderno 2, do jornal O Estado de S. Paulo, nas revistas Época e Marie Claire e no canal de TV Arte 1. Atualmente produz conteúdo para diversas publicações e agências.

 

[Este texto foi realizado por ela a convite do Itaú Cultural para integrar a publicação produzida pelo instituto exclusivamente para a Ocupação Laura Cardoso]

SERVIÇO

Ocupação Laura Cardoso

De 22 de fevereiro a 30 de abril

De terça-feira a sexta-feira, das 9h às 20h
(permanência até as 20h30)

Sábado, domingo e feriado, das 11h às 20h

Piso 1

 

Indicada para todas as idades

Entrada gratuita

Acesso para pessoas com deficiência física

Ar condicionado

 

Estacionamento: Entrada pela Rua Leôncio de Carvalho, 108

Se o visitante carimbar o tíquete na recepção do Itaú Cultural:

3 horas: R$ 7; 4 horas: R$ 9; 5 a 12 horas: R$ 12

Com manobrista e seguro, gratuito para bicicletas.

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