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SOBRE A OBRA / PARÁBOLA ESCULTÓRICA

Sergio Camargo é, por excelência, o escultor construtivo do volume e da massa, da homogeneidade entre cor e matéria, da presença física. Sua obra é plena de ressonâncias arquitetônicas – sua lírica musicalidade, fluida e contínua, encontra um paralelo na heterodoxa arquitetura moderna de Oscar Niemeyer. De fato, sua escultura se faz aderindo a certos pressupostos do não objeto neoconcreto e contrariando-os.

 

Camargo resolveu modernamente a presença tão inerente da massa e do volume à escultura, o que o coloca muito próximo a outro construtivo singularíssimo, Hans Arp – tanto o Arp dos relevos quanto o das esculturas. Ambos apresentam o mesmo gosto pela massa cheia ininterrupta, pelas superfícies curvas e pela esfericidade. Compartilham ainda o uso da madeira e do mármore, além da escolha pelo branco, muito presente na obra do escultor franco-alemão.

 

As primeiras esculturas de Camargo – figuras femininas enclausuradas em si mesmas, agachadas, torcidas e retorcidas, corpos só núcleo, massa e volume indistintos e concentrados – são pura matéria num estado de tensão que o bronze impenetrável acentua ainda mais. A luz parece ser repelida e indesejada. A qual forma então reduzir esse conflito? Grosso modo o corpo humano não passa de um grande cilindro. Tronco, braços e pernas aspiram à clareza da forma geométrica, nada mais. De um torso, podem surgir torções e o cilindro, em si, estático; mas na sua combinação múltipla, ora aleatória ora controlada, se estabelece a dinâmica tão singular do trabalho no seu inquieto e constante organizar e desorganizar.

 

Camargo foi um precursor ao fazer da obra o próprio método, levando-o até o seu limite material e formal. Esse caráter singular e surpreendente do trabalho – work in progress experimental – exige e propicia a realização de novas leituras e sentidos, estimulando a reflexão crítica sobre as relações entre modernidade e contemporaneidade, retomando aspectos do passado e verificando-os, renovados, no presente.

 

Notável e enigmático, fato que sempre surpreende, é como a potência plástica da obra se desdobra além da lógica do sistema. A escultura transcende à soma – ou subtração – dos elementos geométricos; o todo integra as partes; uma vez pronta não há mais como desarticulá-la de tal modo está unificada pela unidade da matéria e da cor.

 

 

Nos relevos em madeira, assim como nas esculturas em mármore, o método é unívoco à matéria; o cálculo, à sensorialidade; o rigor, à liberdade. Fascinante é o resultado sempre inesperado e surpreendente – quando, a princípio, poderia parecer óbvio e mecânico.

 

Mais do que qualquer um dos artistas abstrato-geométricos, Camargo desfaz o crítico dilema entre razão e sensação dispondo de ambas com a mais absoluta liberdade. Foi um dos que, nos anos 1960, deram à abstração geométrica um segundo ciclo na modernidade. Havia séculos o relevo era um gênero sem nenhuma magnitude, aparecia aqui e ali, em particular e quase solitariamente na obra de Hans Arp. Camargo foi um dos grandes renovadores do gênero no século XX, ao qual deu atenção única e que, de certo modo, praticamente recriou de uma perspectiva absolutamente original. A afinidade com essa superfície transitiva diz, por si só, muito sobre a obra de Camargo. Para ele o relevo é sempre um espaço abstrato, mas que tem algo do movimento urbano – do movimento das multidões modernas, lógico e caótico –, no qual, se cada indivíduo segue seu caminho prefigurado, a multidão segue caminhos desfigurados.

 

A rigor uma obra que se faz dessa maneira não tem princípio nem fim; podemos entendê-la de modo livre e articulado, desobedecendo qualquer cronologia ou sentido evolutivo. A rigidez formal e a liberdade que estruturam o processo escultórico de Sergio Camargo – desde seus trabalhos mais característicos dos anos 1960 até seus últimos – se encontram no raciocínio imaginativo que desenvolveu com base em uns poucos e discretos elementos geométricos. O artista ora estrutura-os em conjunto, ora isola-os, observando seu comportamento sob o efeito da luz e da movimentação do espectador. Amplia e deforma os mesmos elementos, ora atingindo uma escala quase monumental ora reduzindo a obra a estudos diminutos. Produziu, assim, uma reflexão das mais completas e complexas sobre as possibilidades da escultura moderna e uma das obras mais inovadoras da arte moderna brasileira.

 

Ao final da obra uma parábola escultórica se completa; do plano ao espaço e de volta ao plano, o mesmo percurso que vai do bidimensional ao tridimensional e retorna ao bidimensional.

 

Paulo Venancio Filho

Professor titular da Escola de Belas Artes

da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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