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Quarenta anos depois: Elis Regina e uma mágica sempre viva

O jornalista Danilo Casaletti, um dos organizadores da coletânea “Elis, essa saudade…”, fala sobre o projeto em homenagem à Pimentinha

Publicado em 19/01/2022

Atualizado às 17:22 de 09/03/2022

por Heloísa Iaconis

Era 1994. O piloto campeão da Fórmula 1 Ayrton Senna havia morrido e, por isso, “Canção da América”, de Milton Nascimento, não parava de tocar nas rádios. A faixa levou o jornalista Danilo Casaletti, na época com 16 anos, a comprar um disco com sucessos na voz de Elis Regina. “Eu tinha só 20 reais: paguei 10 em uma coletânea de Jorge Ben Jor e 10 em uma de Elis”, recorda. Foi assim que ele, pela primeira vez, ouviu com atenção a cantora que, dali em diante, não mais sairia do seu campo afetivo. Passados 28 anos desse episódio, Danilo volta a encontrar a Pimentinha por meio de uma seleção de músicas: Elis, essa saudade…, organizada por ele e pelo também jornalista Renato Vieira, homenageia a artista após quatro décadas de sua morte.

O projeto começou para valer em 2021, por iniciativa da Warner Music Brasil. A gravadora, com o objetivo de trabalhar o catálogo da intérprete, procurou Danilo e Renato. De pronto, propôs que o lançamento fosse em formato tanto digital quanto físico, algo que animou a dupla, uma vez que poucas são as obras que ganham versões físicas atualmente. “Não iríamos construir, porém, uma coletânea apenas. Esperávamos algo diferente. Por essa razão, resolvemos ir atrás de ‘Pequeno exilado’, canção de Raul Ellwanger, com quem Elis gravou esse dueto”, conta Danilo. Além desse fonograma de 1980, até agora inédito em CD, a compilação traz, por exemplo, registros da apresentação da cantora no Montreux jazz festival e cliques realizados por Paulo Kawall nunca antes divulgados.

Capa da coletânea Elis, essa saudade… | foto: Paulo Kawall

Por falar nos retratos, o que se tornou a capa precisou da perseverança de Danilo. “Nem o fotógrafo tinha mais o original. Um amigo meu havia comprado a imagem. Pedi, então, para ele tirá-la de um quadro. Tratamos e, no fim, conseguimos a capa. Queria muito que fosse essa foto: nela, Elis está alegre, gargalhando. A gargalhada era uma marca sua”, explica. Esse jeito autêntico une-se à capacidade da artista de transmitir os amores e as angústias de uma nação (que seguem ressoando em muitos, inclusive nos jovens) e, obviamente, à sua voz deslumbrante – três dos porquês da sua força. “Em um país sem memória, o fato de ela não ter sido esquecida depois de 40 anos corresponde a um privilégio. Há uma mágica em Elis Regina que a deixa sempre presente, sempre viva”, resume. Um encanto que faz com que ela more no coração do Brasil. Elis se guarda no lado esquerdo do peito (e, nesse caso, mesmo o tempo e a distância dizem “sim”).

A seguir, Danilo Casaletti comenta as faixas de Elis, essa saudade… na ordem em que aparecem na coletânea, que pode ser escutada aqui ou no player abaixo.
 


1) “O bêbado e a equilibrista”

Trata-se de uma música que é importante não só para o repertório de Elis, mas também para o Brasil. Ficou conhecida como o hino da anistia: quando os exilados começaram a retornar, pessoas levavam gravadores tocando essa canção para os aeroportos. Além disso, “O bêbado e a equilibrista” é de Aldir Blanc e João Bosco, compositores que ela adorava.

2) “Cai dentro”

Ritmo acelerado, com várias divisões, um samba de que Elis gostava. Foi uma encomenda dela para Paulo César Pinheiro. Alguma cantora disse que Elis não sabia cantar samba. “Cai dentro” foi a resposta dela.

3) “Águas de março” (ao vivo)

Um clássico. A versão que está na compilação é aquela apresentada no Montreux jazz festival, em 1979. Nos shows daqui, Elis não ficava cantando tantos sucessos. Contudo, como estava no exterior, resolveu cantar “Águas de março”.

4) “Essa mulher”

Canção linda de Joyce e Ana Terra que dá nome ao disco de 1979 (Elis, essa mulher). Não foi escrita sob encomenda; porém, acho que a letra, este conflito entre a artista e a mulher, encaixa-se perfeitamente no que Elis era e pensava.

5) “Bolero de Satã” (feat. Cauby Peixoto)

É uma história curiosa: Elis encontrou Cauby, um ídolo seu, no corredor de uma rádio e o chamou para participar dessa música. Há um registro dela ensinando a melodia para ele. Nessa captação, aliás, Elis afirma que era para Dalva de Oliveira cantar a faixa. Embora fosse uma discípula de Angela Maria, Elis está bem Dalva em “Bolero de Satã”. E Cauby acrescenta todo um charme.
 

Elis Regina em 1979 | foto: Paulo Kawall

6) “Upa, neguinho” (ao vivo)

Outra versão retirada do show no Montreux jazz festival, representa o primeiro sucesso internacional de Elis, que a levou para a Europa. Na gravação, ouve-se ainda uma gargalhada afinada dela.

7) “Altos e baixos”

Canção romântica de Aldir Blanc e Sueli Costa, com um arranjo maravilhoso de César Camargo Mariano. É uma das minhas preferidas da discografia de Elis.

8) “As aparências enganam”

Essa composição chegou em cima da hora, quando o álbum Elis, essa mulher estava sendo concluído. Certamente ela se apaixonou pela faixa, pois tirou uma das já finalizadas e insistiu para que entrasse no repertório.


9) “Madalena” (ao vivo)

Mais uma do Montreux jazz festival, uma versão deliciosa. “Madalena” é um enorme sucesso, música que lançou Ivan Lins.


10) “Pequeno exilado” (feat. Raul Ellwanger)

Esse dueto integra um disco de Raul Ellwanger, gaúcho como Elis. O arranjo é de Nelson Ayres e dá para perceber que ela se emociona ao cantar os bairros de Porto Alegre. Curiosamente, a canção ainda não havia sido divulgada digitalmente. Não encontramos a máster do disco, nem o Raul tem mais. Tiramos o fonograma de um LP, fizemos um tratamento acústico e o técnico realizou a mixagem. Todas as faixas passaram por nova mixagem. Creio que se trata de um presente para todos os fãs de Elis Regina.

11) “Alô! Alô! Marciano”

Depois de ter gravado “Pequeno exilado”, Elis foi para uma sala diferente no mesmo estúdio e gravou, de Rita Lee, “Alô! Alô! Marciano”, que surge em compacto nesta seleção. Colocamos uma atrás da outra para mostrar a versatilidade de Elis.

12) “No céu da vibração”

Faixa que Gilberto Gil compôs em homenagem a Chico Xavier para um especial da TV Globo. No compacto original, é o lado B de “Alô! Alô! Marciano” e foi gravada no mesmo dia dessa e de “Pequeno exilado”.

Elis Regina em 1979 | foto: Paulo Kawall

13) “Corsário”

Elis cantou essa música em um especial de 1976 e, posteriormente, a inseriu no show correspondente ao disco Elis, essa mulher (no qual não consta “Corsário”). Ela canta a faixa em um tom altíssimo e o segura de maneira espetacular.

14) “Velho arvoredo”

Essa foi a canção que saiu do Elis, essa mulher para dar espaço a “As aparências enganam”. A versão veio a público em 1984, após a morte de Elis, no LP Luz das estrelas – mas sem os instrumentos originais (instrumental que não conseguimos localizar).


15) “Me deixas louca”

A última gravação de Elis (única com a Som Livre), de 1981, encomenda para a novela Brilhante (TV Globo), de Gilberto Braga – autor que sempre colocava a cantora nas trilhas sonoras de suas novelas. Ela havia acabado de assinar um contrato com a Som Livre e iniciaria as gravações do próximo álbum no fim de janeiro de 1982, pouco depois do dia 19, data em que faleceu. Na coletânea, colocamos pela primeira vez a ficha técnica completa desse registro.


16) “Aos nossos filhos”

Simboliza a mensagem crítica que Elis sempre se preocupou em passar em seus trabalhos, e, por esse motivo, fechamos este compilado com ela.

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