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Rafa Castro comenta seu “Teletransportar”

O músico mineiro lançou o disco na sexta-feira (10) em suas plataformas digitais

Publicado em 11/04/2020

Atualizado às 18:40 de 26/08/2022

Por Amanda Rigamonti

O cantor, compositor e pianista do interior da Zona da Mata (MG) Rafa Castro lançou ontem (10) em seus canais digitais seu novo trabalho, Teletransportar. A apresentação do disco para o mundo estava marcada para este domingo (12) na Sala Itaú Cultural. As circunstâncias não permitiram esse encontro, esse teletransporte presencial para as vivências de Rafa que culminaram nas 11 faixas do disco, mas ele promete evento marcado no horário em que seria o show: amanhã, dia 12, às 19h, o artista fará uma live em seu perfil no Instagram (@rafacastrooficial) para compartilhar com o público as muitas histórias e viagens pelo Brasil que gestaram Teletransportar.

“Quero muito dividir essas histórias, essa vivência, porque o disco não é só o disco, né? Ele é uma imersão. As pessoas não fazem muita ideia do processo inteiro e eu acho tão bonito, talvez mais bonito do que o resultado. E acho que a possibilidade de dividir um pouco isso são os shows, o contato com as pessoas, então vou fazer essa live para suprir essa vontade minha”, conta Rafa.

Enquanto isso, ele contou para o Itaú Cultural um pouco de sua trajetória como músico, a vinda para São Paulo e o processo de criação de Teletransportar. Ele também falou de sua relação com a natureza e da importância atual de cada um pensar sobre esse tema, e compartilhou algumas dicas culturais.

Este texto integra uma série de conversas com artistas que se apresentariam no IC nas próximas semanas. São conteúdos pensados para ser desfrutados de longe, em casa.

Como você ingressou na música e no piano? Como foi essa sua trajetória?

Comecei na música com 12 anos. Foi uma situação interessante. Eu participava de um coral na escola e tinha a voz mais aguda do que tenho hoje [risos]. O professor foi muito querido e cuidadoso. Ele viu em mim um talento e me convidou para ser o solista do coral em uma apresentação da escola. Essa foi minha primeira experiência musical pública.

Na minha casa, a música sempre esteve muito presente e meus pais sempre gostaram. Ela sempre foi pano de fundo, e não só. Meu pai é uma pessoa muito sensível, eu me lembro muito bem dele colocando músicas e me chamando a atenção para as letras. Acho que era uma coisa muito natural para ele e isso foi impregnando na minha vida.

Logo, fui incentivado pelo meu professor a aprender algum instrumento. Ele me chamou para estudar com ele, então comecei a aprender violão.

Dos 12 aos 18 anos, estudei violão e guitarra e me aprofundei musicalmente. Com 19 eu tive minha primeira experiência com piano e foi uma coisa muito maluca, explodiu minha cabeça. Tudo que eu tinha estudado até então fez sentido, foi um reencontro com o instrumento da minha vida. Em pouco tempo, eu já tocava muito melhor piano do que violão, e seis meses ou um ano depois que comecei a estudar piano passei na Universidade de Música Popular em Barbacena (MG). O piano sugou minha alma e nesse tempo eu me dediquei à música instrumental.

Sou de São João Nepomuceno, Minas Gerais, interior da Zona da Mata. É uma cidade com 26 mil habitantes, bem pequena. Eu saí de lá com 14, 15 anos e fui estudar em Juiz de Fora, cidade um pouco maior. Lá, fiz faculdade de psicologia junto com a de música. Elas foram fundamentais na minha formação como sujeito, músico e ser humano.

E quando você veio para São Paulo? Como foi essa decisão e como essa mudança moldou sua produção?

Eu vim para São Paulo faz quase seis anos, e foi crucial para muitas coisas. Eu estava lançando um CD e DVD com o Túlio Mourão, pianista do Clube da Esquina maravilhoso, um sujeito fundamental para cunhar o piano brasileiro. A gente estava fazendo alguns shows em São Paulo, e eu estava compondo muita coisa para meu disco novo. Então, decidi vir para São Paulo porque achava que era o lugar em que eu poderia executar plenamente tanto os lançamentos desse disco novo com o Túlio quanto formar um grupo e conseguir os músicos necessários para Fronteira, meu disco anterior.

A vinda para São Paulo foi fundamental porque me colocou em contato com minhas raízes. Às vezes a gente precisa sair de casa para entender a força das nossas raízes. Vi isso quando retomei o canto. Eu entendi o poder da música popular e da canção na minha vida, na minha trajetória, e o quanto isso fazia sentido para mim, o quanto isso me emocionava, e como era transformador.

Você acha que a produção precisa de algum tipo de falta, de saudade?

Acho que a minha produção é muito ligada à minha vida pessoal, é quase autobiográfica. Ela está muito ligada à minha saudade. Tanto Fronteira quanto Teletransportar têm muito da minha saudade, têm muito daquilo que precisa ser olhado, trabalhado, ressignificado, remoldado. É um olhar para dentro mesmo. A minha produção artística é sempre voltada para minhas mutações e transformações e para a vontade que tenho de expressar isso. E tem essa coisa da minha participação no mundo. Hoje faz muito sentido para mim falar sobre política, meio ambiente, coisas que estão mexendo comigo na ordem do dia.

E como surgiu Teletransportar? Pode me falar um pouco sobre o processo de construção do disco?

Ele nasceu basicamente com uma decisão que tomei com a minha companheira há uns dois anos e meio de tentar explorar mais o Brasil profundo. Somos fissurados em viagens e decidimos explorar um pouco mais o Brasil, que é tão maravilhoso, intenso, vasto e conhecemos tão pouco. Há dois anos fizemos a primeira viagem com esse cunho de desbravadores e fomos para a Ilha de Marajó, no Pará. Foi um processo maluco de ver que o Brasil é tão maravilhoso, profundo, rico. A partir disso comecei a me reconectar com o poder da natureza.

Fomos uma segunda vez para o Pará, para a Floresta Nacional dos Tapajós, que fica dentro do rio. Tivemos contato com uma floresta primária de árvores com 500 anos, e aquilo foi mexendo muito comigo, uma retomada de uma religiosidade que eu sempre tive, mas que foi sendo apagada pela frieza e dureza de estar neste mundo, em São Paulo.

Esse contato com a natureza e o sentimento de pertencimento foram mexendo muito comigo em várias questões, tanto de valorização do meio ambiente quanto de entender que a gente é muito menor do que acha que é. Foi um momento de religar o que estava perdido em mim. E isso começou a fomentar uma ideia de fazer um disco nesse sentido de entendimento da minha vivência neste planeta. No meu trabalho eu sempre tive parceiros muito fiéis, sempre fui o cara das melodias e fiz muitas trilhas para cinema e teatro. Então eu sempre fui um contador de histórias a partir da música, da melodia. Com esse disco, eu queria falar de uma vivência minha, eu precisava botar para fora aquilo que eu tinha de ideias também a partir da palavra, e comecei a escrever as letras. O disco tem esse olhar poético.

Você fala sobre se reconectar com a natureza, e acho que neste momento é inevitável repensar nossas relações com o meio ambiente e o mundo externo. Como tem sido para você?

No processo do disco, fui me reestruturando, repensando a vida. Consegui conceber toda a proposta estética dele na nossa última viagem, para a Amazônia. Fomos para o Lago Mamori, que fica a três horas de barco de Manaus, um lugar fantástico. Nesse lugar, ficamos em uma comunidade ribeirinha e fomos fazer um passeio para dentro da mata, densa, mas muito jovem. Aquela mata, há 50 anos, era pasto para o gado dos donos das fazendas de borracha. Eu perguntei ao ribeirinho se ela havia sido reflorestada; ele me disse que não, que tudo renasceu, ressurgiu sozinho. Depois disso fiquei muito pensativo, e aquilo fez muito sentido para mim.

E, quando começou essa pandemia, essa história voltou muito forte para mim, de que a gente está destruindo nossa possibilidade de vida aqui. Somos muito pequenos perto da grandiosidade que é o todo, e precisamos mesmo repensar. Nós não estamos acabando com o planeta, estamos acabando com a nossa possibilidade de vida aqui. Meu olhar sobre isso tudo que está acontecendo está neste lugar.

Onde será o lançamento do disco?

YouTube, streamings. Ele estará disponível a partir da meia-noite de sexta (10). E vou fazer uma live no meu Instagram no dia 12, às 19h, quando seria o lançamento do disco no Itaú Cultural, porque quero muito dividir essas histórias, essa vivência, porque o disco não é só o disco, né? Ele é uma imersão. As pessoas não fazem muita ideia do processo inteiro e eu acho tão bonito, talvez mais bonito do que o resultado. E acho que a possibilidade de dividir um pouco isso são os shows, o contato com as pessoas, então vou fazer essa live para suprir essa minha vontade.

Confira a seguir as indicações culturais de Rafa Castro:

[CONTO E MÚSICA] "A Terceira Margem do Rio", conto de Guimarães Rosa e música de Milton Nascimento e Caetano Veloso
Recomendo fortemente a todos parar por 30 minutos de sua vida e se entregar a uma viagem profunda para dentro dessa escrita, e posteriormente da música. O conto de Guimarães Rosa é uma das coisas mais lindas que já li na vida, e de tempos em tempos volto para visitá-lo. Ele me atravessa de sentidos.

O conto é narrado por um personagem não nomeado que não consegue compreender a escolha peculiar do pai, partir para a Terceira Margem do Rio em sua canoa. E uma obra de arte fez nascer a outra.

É muito emocionante perceber a música de Milton e Caetano e sentir a magnitude de nossos artistas brasileiros.

[FILME] A Lenda do Pianista do Mar (The Legend of 1900), de Giuseppe Tornatore 
É um filme emocionante de Tornatore, com trilha de Morricone. Conta a história de (1900), um homem que nasceu em alto-mar e nunca deixou o navio, crescendo num mundo encantado de fortes ventos tempestuosos e de sua paixão pelo piano.

[DISCO] Milton Nascimento e Belmondo
Esse é um dos discos mais bonitos da vida. Carrega elementos pelos quais sou completamente apaixonado. Solos e formações de trio e quarteto de jazz, arranjos incríveis para orquestra sinfônica, e voz e música de Milton Nascimento.

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