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Recortes sobre Rino Levi

Educadora do IC comenta três das salas de cinema projetadas pelo arquiteto na cidade de São Paulo

Publicado em 11/08/2020

Atualizado às 17:42 de 16/08/2022

[Este texto integra uma série de relatos produzidos pela equipe de atendimento educativo do Itaú Cultural (IC). Nesses relatos, cada educador comenta sua experiência relacionada a uma exposição apresentada no IC, destacando três das obras presentes na mostra.]

por Mayra Reis Rocha

O arquiteto Rino Levi criou projetos dos mais variados tipos – de prédios residenciais a teatros e hospitais. Homenageado da 49ª edição do programa Ocupação Itaú Cultural, ele foi uma figura fundamental no processo de transformação da cidade de São Paulo numa metrópole, com uma oferta cada vez maior de serviços e uma intensa vida cultural.

Veja também:

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>>Os cinemas de Rino Levi
>>Rino Levi, arquitetura e paisagismo
>>O legado de Rino Levi para a arquitetura

No que diz respeito a essa vida cultural, Rino está muito ligado à história dos cinemas de rua da cidade. Com pouca coisa a ver com as salas de projeção de shopping centers, esses espaços estavam geralmente em meio a outros equipamentos culturais, como bibliotecas e museus, e abrigavam milhares de espectadores por sessão. Podemos dizer, portanto, que ir ao cinema significava encontrar pessoas. E ir aos cinemas elaborados por Rino era uma experiência à parte.

Um dos visitantes da Ocupação Rino Levi me contou que era comum as pessoas falarem que viram determinado filme nesta ou naquela sala. Na conversa que tivemos, ele lembrava detalhadamente desses espaços, das obras, das atrizes que via nas telas. Dizia que passava tardes inteiras nas chamadas matinês, assistindo a filmes em sequência. Também meu pai, nascido e criado no Brás, bairro onde havia muitos cinemas – incluindo o Cine Universo, de Rino –, se lembra dessas grandes salas e das estreias.

A seguir, conheça três das salas projetadas por Rino.

(imagem: autoria desconhecida)

Cine Ufa-Palácio

Construído em 1936 com recursos da produtora cinematográfica alemã Universum Film AG (Ufa) – e rebatizada de Art-Palácio após o início da Segunda Guerra Mundial –, foi uma das primeiras salas da região que, a partir da década de 1960, por reunir dezenas de outros espaços desse tipo, viria a se chamar Cinelândia Paulista: a Avenida São João e suas transversais, entre o Largo do Paissandu e a Praça Júlio Mesquita. Foi também o primeiro cinema projetado por Rino, e já trazia uma importante inovação no contexto brasileiro: a atenção especial ao som dos filmes – que havia poucos anos tinham deixado de ser mudos. Isso foi possível em grande medida graças aos estudos de acústica aos quais o arquiteto se dedicou na Itália, onde cursou a graduação. Com base neles, Rino definiu a forma paraboloide das paredes, bem como as características do piso e do forro, entre outras, que permitiam uma ótima distribuição das ondas sonoras.

(imagem: acervo FAU/USP)

Cine Universo

Se as sessões no Ufa-Palácio, com seus 3.139 assentos distribuídos entre plateia e balcão, já possibilitavam uma grande reunião de pessoas, imagine entrar no Cine Universo, que somava 4.500 lugares – este foi considerado o maior cinema da América Latina na época de sua inauguração, em 1936. Atualmente, é difícil pensar numa sala de projeção com essas dimensões. O teto ainda contava com uma abertura mecânica, permitindo a vista do céu e conferindo ao espaço um efeito de continuidade entre o interior e o exterior.

(imagem: acervo Romano Guerra Editor)

Cine Ipiranga

O efeito de continuidade entre o interior e o exterior também aparece no Cine Ipiranga, que traz em seu hall de entrada uma luminária similar à da sala de projeção. Suas formas geometrizadas, com linhas esféricas no interior e retas na fachada, são características de um estilo da primeira metade do século XX, o art déco. Os detalhes do lado de fora do cinema – localizado no térreo de um edifício de 22 andares que funciona até hoje como o Hotel Excelsior – ainda podem ser admirados. As particularidades do projeto e seu significado para a história paulista o tornaram, em 2014, um patrimônio histórico do estado de São Paulo.

Após os anos 1970, quando mais pessoas começaram a ter acesso à televisão e a produção cinematográfica aumentou consideravelmente, as salas tiveram seu tamanho reduzido. O Cine Ipiranga, por exemplo, foi dividido em dois. Já o Ufa-Palácio teve sua programação radicalmente transformada a partir da década de 1980, exibindo filmes pornográficos. O Cine Universo, por sua vez, 40 anos depois de encerrar suas atividades, abriga hoje uma igreja.

Aos que não vivenciaram esses espaços, incluindo-me aqui, fica a noção de quanto o ambiente influencia a experiência do público. Se continuamos indo ao cinema, mesmo com a possibilidade que temos hoje em dia de ver filmes em casa – e, muitas vezes, de graça –, isso provavelmente se deve às sensações geradas pelas próprias salas – uma inegável contribuição da arquitetura, e de Rino Levi, para o campo das artes.

Sobre mim

Mayra Reis Rocha, graduada em história da arte e em gastronomia, é educadora no Itaú Cultural. Entre o que ocupa lugar em seu coração estão os mistérios dos livros, as memórias dos objetos e o deslumbramento dos encontros.

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