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Cidades | Quando o Museu Nacional pôs o Brasil no mundo: o Rio de Janeiro de Bertichem

No século XIX, o desenhista e gravador holandês retratou a instituição e a cidade em uma época na qual ambas estavam em transição e louvavam o desenvolvimento

Publicado em 12/11/2020

Atualizado às 17:25 de 16/08/2022

Cidades destaca produções de artistas presentes na coleção de obras de arte do Itaú Cultural. A cada edição da série, uma conversa sobre trabalhos com temáticas e estilos variados, buscando ampliar horizontes. Siga aqui pelo site ou no nosso perfil no Instagram.

Pieter Gottfried Bertichem
Rio de Janeiro – Museu Nacional, s.d.
litografia impressa em cores e aquarela
18,5 × 27,2 cm
Acervo Banco Itaú
Imagem: Iara Venanzi/Itaú Cultural

Por Duanne Ribeiro

No último 3 de setembro, completaram-se dois anos do incêndio do Museu Nacional, ocorrência causada por um problema elétrico e que destruiu quase totalmente o acervo de 20 milhões de fósseis, documentos históricos, obras de arte, entre outros itens. Fundada em 1818, essa é uma das instituições científicas mais antigas do país. O fogo atingiu 200 anos de história. Atualmente, ela se recupera; mantém atividades em funcionamento e projeta reabrir o seu espaço em 2022.

Veja também:
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Na gravura de Pieter Gottfried Bertichem (1796-1856) apresentada, essa trajetória estava só no começo. Nela, a instituição ainda era sediada na Praça da República – ou, como diz a imagem, Campo d’Acclamação (o logradouro, mais conhecido como Campo de Santana, foi chamado por muitos modos). Só em 1892 o museu foi levado para o endereço atual, no Paço de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, onde está até hoje. Podemos supor que a litografia foi feita após 1889 – antes da proclamação da República, o nome do espaço era Museu Real.

Bertichem retrata, assim, um museu que acabava de mudar e que estava prestes a mudar. E isso não só pelas alterações na política nacional, mas pela sua dinâmica interna. Conta Luiz Fernando Dias Duarte – pesquisador e ex-diretor do Museu Nacional – que, a partir da década de 1870, o local “assumiu um protagonismo científico de nível internacional”. Para isso, foi fundamental a gestão do botânico Ladislau de Souza Mello Netto (1838-1894), diretor da instituição entre 1874 e 1893. Com ele, o museu se reorganizou, ampliou sua atuação e compôs o debate científico mundial.

Em 1882, por exemplo, quando ocorreu a Exposição Antropológica Brasileira, evento científico de destaque na época, Ladislau comemorava com intensidade o que havia sido realizado:

Este é o certame mais nacional que as ciências e as letras poderiam congratuladas imaginar e realizar no fito de soerguer o Império do Brasil ao nível de intelectualidade universal, na máxima altura a que pôde ela atingir além do Atlântico e nas extremas luminosas do continente americano. E coube ao Museu Nacional a imensa glória de havê-lo empreendido e efetuá-lo como esplendente e pujante fecho de seu último decênio de ininterruptos ainda que às vezes amargurados laboros…

Esse casarão que vemos impor-se na litografia em diagonal, com pequenos grupos esparsos nas entradas, senhores, senhoras, carruagens (além deles, em primeiro plano, um homem sozinho, ao lado do seu cavalo, sentado na relva, indiferente à alta cultura?) – tal casarão incluía, vimos, o Brasil como pensante entre os pensantes. Com efeito, foi para aprofundar essa integração que Ladislau lutou pela transferência, é o que informa Regina Dantas: “Sua insistência, inicialmente, foi pautada na falta de espaço para uma instituição que estava em crescente desenvolvimento”.

Representar esse tipo de avanço era um objetivo de Bertichem. Rio de Janeiro – Museu Nacional faz parte de O Brasil Pitoresco e Monumental – O Rio de Janeiro e Seus Arrabaldes, álbum – como afirma Gilberto Ferrez em uma edição dessa obra em 1975 – relevante pois apresenta “toda a cidade do seu tempo [...] Bertichem pôs nos seus desenhos grande ênfase na parte arquitetônica como que querendo mostrar o desenvolvimento alcançado até então”. O artista retrata um Rio de Janeiro que acabava de mudar e que estava prestes a mudar, descreve Ferrez:

O Rio deixara de ser a cidade colonial do tempo de D. João VI e Pedro I [...]. Em 1850, o Rio tinha 266.466 habitantes. Os bairros residenciais mais procurados [...] estavam em franco desenvolvimento e neles surgiram novos sobrados, palacetes e chácaras. O Rio de Janeiro tornava-se um poderoso ímã, atraindo artistas, políticos, jornalistas, senhores de engenho, fazendeiros, todos desejosos de ver e viver na corte, o que dava o bom tom e onde eram distribuídas honrarias e posições. A cidade crescera, civilizara-se e embelezara-se.

Além do trabalho em foco, Bertichem produziu gravuras da então vizinha Câmara Municipal, do Hospício de Pedro II, na Praia Vermelha, e do Palacete Imperial, em Petrópolis, entre outros. Estão também essas localidades, como o caso que observamos, em um nó de projetos de poder e saber? E podemos questionar: se tais dinâmicas do passado são análogas às do presente, que desejo de país, quais tensões e expectativas constituem nossa visão do Museu Nacional hoje?

Pieter Gottfried Bertichem foi desenhista e gravador. Nascido na Holanda, veio para o Brasil em 1837, já com histórico de exposição em Amsterdã entre 1818 e 1832. Em 1845, ganhou uma medalha de ouro na Exposição Geral de Belas Artes daquele ano pela pintura Vista da Cidade do Rio de Janeiro Tomada da Ilha dos Ratos. Em 1850, passou a produzir litografias, como é o caso da obra aqui apresentada (conheça a técnica). O álbum O Rio de Janeiro e seus Arrabaldes é hoje muito raro.

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