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Interiores | Documentarista de sutilezas: as gambiarras de Cao Guimarães

O artista visual Cao Guimarães “registra os atos criativos que resgatam as pequenas crises cotidianas, e eles passam a existir como obras de arte”

Publicado em 21/05/2020

Atualizado às 17:52 de 16/08/2022

A partir de imersões no nosso acervo de obras de arte, propomos, aqui no site e no Instagram, pequenos encontros com artistas em obras. A série Interiores faz parte dessas publicações e é dedicada a obras que retratem os espaços internos de suas casas, ateliês etc.

Cao Guimarães
Gambiarra 01, 2005
fotografia
60 x 45 cm
Acervo Banco Itaú
imagem: arquivo do artista

por Duanne Ribeiro

Gambiarra parece uma palavra muito brasileira: fala da habilidade para lidar com o imprevisto e com o precário e indica uma criatividade pragmática – ambas qualidades que muitas vezes foram usadas para descrever o nosso caráter como povo. Você se lembra de alguma que o impressionou, já fez uma você mesmo? Um conserto de bate-pronto, uma utilidade inventada com materiais e ferramentas provisórios, não convencionais?

Existe algo de especial nessa prática, e pode ser isso o que chamou atenção do artista visual Cao Guimarães, que de 2001 a 2014 produziu a série fotográfica Gambiarras, um apanhado dessas soluções inusitadas. Na obra enfocada neste texto, Gambiarra 01, uma tábua de corte deixa de ser usada para bater carne ou fatiar legumes e serve para segurar uma janela. Cao, afirma a Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras, “registra os atos criativos que resgatam as pequenas crises cotidianas, e eles passam a existir como obras de arte”.

A série Gambiarras coleciona várias dessas pequenas crises resgatadas, feitas obras de arte. A alça do sutiã rompeu? Um clipe resolve o problema. Os óculos estão sem armação? Um fio elétrico colorido dá conta do serviço. A cerveja ficou quente? Colocar gelo não dá, porque vai ficar aguado. E então? Basta pôr um copo dentro de outro com gelo. No total, o artista colecionou 127 dessas situações em que o uso comum se desestabiliza e um novo surge.

Cao “tem interesse em revelar o que não é percebido ou valorizado”, descreve a Enciclopédia, “[ele] oferece outro sentido e novo lugar de permanência ao que é desprezado”. “Observador atento às realidades”, o artista é um “documentarista de sutilezas”, articulando questões como o desvio – falamos um pouco disso há pouco –, a memória – talvez possamos dizer toda a carga que significa um objeto – e o tempo – pois ele é quem defasa os instrumentos e abre a possibilidade de alterá-los. Você concorda com essas interpretações?

Atuante no cruzamento entre cinema e artes plásticas, Cao Guimarães exibe uma produção intensa desde o final dos anos 1980 e tem suas obras no Brasil e no exterior. No nosso canal do YouTube, você pode acessar vários conteúdos com a participação do artista: sua entrevista para o Jogo de Ideias, os vídeos da mostra Filmes e Vídeos de Artistas e a oficina Ver É uma Fábula, ministrada por ele durante a exposição homônima dedicada ao seu trabalho.

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