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Quarto momento, alianças afetivas, primavera indígena, entre outros enunciados para doutor não reclamar

Na coluna do mês, Naine Terena interpreta algumas reflexões conduzidas por indígenas em torno dos povos originários

Publicado em 12/09/2021

Atualizado às 17:45 de 17/08/2022

Por Naine Terena

(…) para doutor não reclamar (Munduruku, Daniel)

“Usando a palavra certa para doutor não reclamar” é tema de alguns vários textos do escritor Daniel Munduruku, nos quais ele discorre sobre equívocos acerca da palavra índio. Empresto do autor a provocação para trazer algumas reflexões conduzidas por indígenas em torno dos povos originários e “enunciados por eles pronunciados”.

Faço isso para marcar este quarto momento, em especial o mês de setembro de 2021, quando a ocupação de espaços de arte certamente delineia um “marco temporal”, ao mesmo tempo que um grande levante se instaura na luta do movimento indígena organizado contra um “marco temporal”.

Entre outras marcas neste outro tempo, Daniel Munduruku pode ser o primeiro indígena a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL).

Quarto momento (Terena de Jesus, Naine)

O quarto momento da história indígena não é isolado dos demais, mas talvez tenha maior visibilidade a partir da utilização do gravador pelo deputado federal Mário Juruna por volta de 1983. É no quarto momento que indígenas agenciam suas próprias ações via tecnologias (todas elas) com mais impacto, tendo destaque as mídias indígenas, a literatura, as artes, as “cosmoações”.

É no quarto momento que a produção massiva de contrainformação por grupos e indivíduos indígenas disputa espaço com narrativas hegemônicas, principalmente pela ascensão da presença indígena nas redes sociais, na vida política, no direito e nas artes. Alguns artigos já publicados falam mais sobre o que considero neste quarto momento.

Arte indígena (Yawalapiti, Watatakalu)

Arte é como se fosse a identidade, uma espécie de RG, de carteira de motorista. Ela move culturas indígenas. Imagina como seriam os povos indígenas sem as artes, já que elas contam nossas histórias? Um exemplo: a arte da cerâmica conta de onde nós (o povo Yawalapiti) somos. A artista Watatakalu faz cerâmica porque vem de uma linhagem Aruak, que faz cerâmica no Território Xinguano e tem reconhecimento identitário por essa produção.

Arte indígena contemporânea (AIC) (Esbell, Jaider)

A arte indígena contemporânea, por assim dizer, é um caso específico de empoderamento no campo cosmológico de pensar a humanidade e o meio ambiente. É o que se consegue conceber na junção de valores sobre o tema da arte e sobre a mesma ideia de tempo, o contemporâneo, tendo o indígena artista como elemento central.

A arte indígena contemporânea vai muito além do assimilar e usufruir de estruturas econômicas, icônicas e midiáticas.

Reantropofagia (Baniwa, Denilson)

“Agora é o devorar de tudo o que existe sem usar talheres franceses”, aquilo de que a utopia modernista não deu conta, diga-se de passagem. O manifesto é visual e nos convoca a repensar quais repertórios foram e ainda são silenciados na história da arte, mas que a partir deste momento passam a ser horizontalizados.

Na obra de Denilson Baniwa, intitulada Frestas, é possível ver a cabeça de um tigre, ele está rugindo. O animal está no centro da imagem, com uma fresta de iluminação. As beiradas da imagem estão escurecidas.
Frestas, obra do artista Denilson Baniwa (imagem: Adriano Sobral Fotografia)

Transmutar (Borges, Kássia)

Passar de um estado para outro, do canto para a imagem, é uma das diferentes maneiras de criação cosmoartística de alguns coletivos e artistas indígenas, como o coletivo Mahku.

Colocar sentido (Huni Kui, Iban)

O que é oriundo das relações afetivas humanas e não humanas não se traduz para os não indígenas. O que a arte indígena contemporânea produzida pelo coletivo Mahku tem feito, através das suas pinturas, é colocar sentido ao que não se traduz. 

Aliança afetiva (Krenak, Ailton)

Caracteriza-se pelas alianças que vão além das relações humanas, respaldando a ideia de relações de afeto mantida pelos povos indígenas com outros seres, celebrando essas alianças com alegria e beleza: as tradições de fazer festa na floresta, de festejar com ela e todos que nelas habitam, sendo visíveis ou não.

Gustavo -> Caboco -> Wapichana (Caboco, Gustavo)

A ideia de “caboco” não se liga à questão identitária, mas relaciona-se mais como instrumento de sobrevivência em diferentes momentos históricos, visto a necessidade de muitos indígenas de ter que negar uma existência ou silenciar uma língua para existir; assumir-se “caboco” foi uma forma para fugir de perseguições.

Ao ouvir os caminhos de retorno à terra, o caminho das pedras, os encontros da arte indígena contemporânea, o Caboco, Wapichana, conseguiu magicamente (espiritualmente) aproximar indígena, aquele que é originário, e alienígena, aquele que é de fora.

Primavera indígena [Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)]

Considerada a maior mobilização permanente realizada pelos povos indígenas nos últimos anos, trata-se de uma mobilização realizada em Brasília (DF) na luta pelos direitos dos povos indígenas. Nela também ocorre a 2a marcha de mulheres indígenas.

Nota sobre o “quarto momento, segundo semestre de 2021”

No segundo semestre de 2021, ocorrem algumas ações importantes para a história dos povos indígenas no Brasil, o que considero o ápice do quarto momento. No campo das artes, vemos exposições como Moquém – Surarî: arte indígena contemporânea, que tem curadoria do artista convidado da 34a bienal Jaider Esbell e assistência curatorial da txai Paula BeberT, além da presença de artistas indígenas na 34a bienal.

Célia Tupinambá, artista indígena, está de pé em cima de uma pedra. Atrás dela é possível ver um rio correndo e um pedaço da mata.
Célia Tupinambá (imagem: divulgação)

Outros exemplos são a exposição Kwá yapé turusú yuriri assojaba tupinambá | Essa é a grande volta do manto tupinambá (Prêmio Funarte Artes Visuais 2020/2021) – que abre em Brasília em 16 de setembro e segue para Porto Seguro (BA) em outubro –, a mostra virtual Hoje somos muitas árvores – que finca os pés dos indígenas do Nordeste do Brasil em sua própria existência, negada por muitos não indígenas, inclusive em circuitos como o acadêmico (a exposição é uma realização de universidades do Nordeste brasileiro) – e o lançamento da primeira websérie sobre mulheres escritoras indígenas do Brasil, produzida por escritoras indígenas.

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