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Érico Assis reflete sobre o presente, o passado e o futuro das HQs em seu primeiro livro

Em sua coluna Sarjeta, Ramon Vitral, além de comentar sobre sua relação com o trabalho de Érico Assis, entrevista Helena Cunha

Publicado em 28/03/2021

Atualizado às 15:49 de 01/10/2021

Por Ramon Vitral

por Ramon Vitral

Escrevo profissionalmente sobre quadrinhos desde 2010 mais ou menos, porém não sou de expor muito meu rosto. Acho que minha única foto profissional está no pé da coluna que você lê. Daí minha surpresa, na Comic Con Experience de 2015, maior convenção de cultura pop do Brasil, ao ser reconhecido por um autor que admiro, mas com quem nunca havia me encontrado pessoalmente. Ao me ver, ele sorriu, deixou a mesa que ocupava e veio falar comigo.

“Cara, prazer em finalmente te conhecer ao vivo”, ele me disse, com o sorriso ainda no rosto. “Gosto de ler os seus textos, eles são muito importantes para mim, me fazem pensar bastante.” 

Gostei de ser reconhecido. Contudo, só deu tempo de falar que também estava feliz com o encontro e feliz pelo impacto do meu trabalho. Apesar da empolgação dele, notei sua pressa com a chegada de alguns possíveis clientes em sua mesa. Uma pena. Era um raro momento de reconhecimento público e vi que não ia durar tanto. Mas, tudo bem, o ego estava abastecido – não precisa de muito quando você vive de escrever sobre HQs.

Antes de partir correndo, ele se despediu: “Sempre te acompanhei, você é uma grande influência para mim. Enfim, preciso ir para a mesa, passa lá depois. Legal te conhecer ao vivo. Obrigado por tudo, Érico”.

Lembro aos leitores que o meu nome é Ramon. O Érico com quem fui confundido é Érico Assis. E, olha, tudo bem. É uma tremenda honra. As críticas, matérias e reflexões dele sobre histórias em quadrinhos impactaram a formação de toda uma geração de leitores, autores, editores e jornalistas. Seus textos compõem o principal registro da história recente do mercado brasileiro de HQs.

Meu primeiro contato com o trabalho do Érico foi no site Omelete, no início dos anos 2000. Acompanhei um blog antigo dele, Parênteses, depois o outro blog, A pilha. Sempre li as colaborações dele com jornais, revistas e sites. Agora, ele também participa de um podcast, o Notas dos tradutores, no qual fala sobre sua vida paralela como tradutor – ele traduziu, por exemplo, Aqui, obra-prima do norte-americano Richard McGuire, uma das obras mais importantes da história das HQs e uma das minhas leituras preferidas de todos os tempos.

Parte desse conteúdo produzido pelo Érico como crítico, jornalista e pesquisador de quadrinhos é publicado, desde 2010, na coluna dele no blog da editora Companhia das Letras. Esse material acabou de ser reunido em Balões de pensamento textos para pensar quadrinhos, livro de 336 páginas lançado pela Balão Editorial.

Não deixei passar nenhuma das colunas do Érico até aqui. Então, ler Balões de pensamento é quase como uma releitura para mim, mas a experiência é diferente. Ele convidou cinco quadrinistas (Gabriel Dantas, Samanta Flôor, Ing Lee, André Valente e Wagner Willian) para ilustrar a obra e agrupou os textos em sete capítulos temáticos: “Autores”, “Resenhas”, “Teoria”, “Leitores”, “Traduzi”, “História das histórias” e “Mercado”.

Reencontrei no livro várias críticas e análises que abriram meus olhos para o que estava sendo produzido no Brasil e no mundo sobre HQs. Reflexões sobre os trabalhos de Chris Ware, Luiz Gê e David Mazzucchelli, pensatas sobre escrever quadrinhos, apostas em relação ao futuro da linguagem e proposições sobre o mercado brasileiro de HQs. Exalto, no entanto, Balões de pensamento, principalmente por seu serviço prestado como registro histórico.

Érico escreveu sobre os trabalhos lendários da letrista Lilian Mitsunaga na adaptação de HQs gringas para o português. Comentou sobre a relação dele com vários dos títulos que traduziu.  E noticiou a chegada ao Brasil de obras e autores históricos como Marjane Satrapi (Persépolis) e Bryan Lee O'Malley (Scott Pilgrim).

Em texto de dezembro de 2011, presente no livro, ele fala sobre a agitação na cena de quadrinhos brasileiros autorais e independentes, chamando a atenção para o possível distanciamento entre autores e editoras com a presença crescente de campanhas de financiamento coletivo virtuais. Dez anos depois, a análise soa como uma prévia do que se tornou a atual cena brasileira de HQs autorais e independentes.

A coluna que fecha o livro, “Por que o Prêmio Jabuti deveria ter categoria de quadrinhos ou por que o Prêmio Jabuti não deveria ter categoria quadrinhos”, originalmente publicada no início de 2011, serviu de base para a campanha que impulsionou a Câmara Brasileira do Livro a incluir histórias em quadrinhos como categoria do Prêmio Jabuti em 2017.

Quando se fala sobre a fase extraordinária vivida pelos quadrinhos brasileiros nos últimos dez anos (ou mais), nem sempre é lembrado o papel dos jornalistas e críticos que cobrem e registram isso tudo. Érico é um símbolo da “classe” não apenas pela qualidade de sua escrita e sua bagagem, mas por ser um dos poucos que conseguiram profissionalizar suas práticas, e hoje ele vive, também, de seus textos sobre quadrinhos.

Balões de pensamento deveria ser livro de cabeceira para quem sonha em ir além do “fazer pela paixão” na hora de escrever sobre HQs – ou qualquer área do jornalismo e da crítica de cultura. Você não vai encontrar texto publicitário disfarçado de jornalismo, condescendência com artistas nacionais ou discussões preguiçosas sobre lombadas e capa dura. É sobre quadrinhos, arte, linguagem e pensamento crítico.

Então, por mais que eu prefira ser reconhecido pelo meu nome e pelos meus trabalhos, está tudo bem caso alguém me confunda com o Érico Assis.


Três perguntas para… Helena Cunha, autora de Boa sorte

Convidei para a seção de entrevista que fecha a 18ª edição da Sarjeta a ilustradora e quadrinista Helena Cunha, autora do álbum independente Boa sorte. Você também pode acompanhar os trabalhos dela no Instagram.

Página de Boa sorte, HQ de Helena Cunha | foto: divulgação


O que você vê de mais especial acontecendo na cena brasileira de quadrinhos hoje?

A participação do público. Hoje, as redes sociais são uma ferramenta para os autores independentes publicarem seus trabalhos. Então, muitas vezes, o público se envolve com a obra antes mesmo de ela estar completamente finalizada. Acho que cada vez mais o público entende o seu papel para que os autores continuem produzindo as obras que ele gosta de consumir. Um bom exemplo disso é o sucesso de campanhas de crowdfunding de quadrinhos ultimamente. 

O que mais lhe interessa, atualmente, em termos de histórias em quadrinhos?

Gosto de histórias sobre amadurecimento, descoberta e as relações entre as pessoas. Gosto de ler sobre pessoas boas cometendo erros graves e lidando com as consequências. Tenho um carinho especial por personagens LGBTs, que eu sentia tanta falta na adolescência, e fico muito feliz que, agora, nossas vozes têm encontrado mais espaço.

Qual é a memória mais antiga que você tem da presença de quadrinhos na sua vida?

Aprendi a ler com a Turma da Mônica. Lembro que minha mãe lia as histórias para mim antes de eu dormir e fazia as vozes das personagens. Meus favoritos eram o Penadinho e o Chico Bento. Sempre queria ouvir mais uma história, o que foi um bom incentivo para que eu aprendesse a ler.

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