Em entrevista ao site do Itaú Cultural (IC), o poeta fala sobre sua trajetória e o lançamento de “Flores da batalha”
Publicado em 19/05/2023
Atualizado às 13:14 de 19/05/2023
por Heloísa Iaconis
Foi numa quarta-feira, no dia 10 de maio, que Sérgio Vaz ganhou a Sala Itaú Cultural. No palco, o autor recebeu artistas-amigos que, assim como ele, entendem a poesia como um fazer coletivo, um modo de ver o mundo: Esmeralda Ribeiro, Laura Conceição, Marcelino Freire, Samanta Biotti, Dona Edite, Akins Kintê, Elizandra Souza, Dinha, Cocão Avoz e Raquel Almeida. O sarau em questão, a valer, celebrou o lançamento de Flores da batalha, obra que Sérgio construiu no período de isolamento social, uma busca por compreender seus sentimentos em meio à aflição pandêmica. O novo título é, aliás, um dos tópicos da entrevista abaixo, oportunidade em que o poeta também revisita outros momentos de seus 35 anos dedicados à literatura – da escrita à formação de leitores. Confira.
Qual é a sua lembrança mais antiga em relação aos livros?
A minha primeira memória é ver o meu pai lendo. Apesar da vida simples que a gente sempre levou, na periferia de São Paulo, ele trouxe o hábito da leitura de Minas Gerais. Ao vê-lo lendo, acabei imitando.
E a escrita? Quando percebeu que ela seria um caminho seu?
Aos 20 anos, escrevia algumas coisas, mas sem compromisso. Na minha rua, havia um grupo musical de amigos meus. Como eu não sabia tocar ou cantar, eles me sugeriram compor. Comecei, então, elaborando letras de música e peguei gosto por colocar e tirar palavras. Ainda nessa época, passei a ouvir música popular brasileira, a entender a importância das canções durante a ditadura militar. Pensei: “É isto o que quero: lutar com a minha palavra”. Depois disso, para me sentir poeta foi um pulo.
Como se dá a criação para você?
Geralmente, quando tenho alguma ideia, gosto de ler sobre o assunto. Antes de tudo, sou um leitor. Só vou para o papel ao ter um pensamento formado a respeito do que quero escrever. Procuro subsídios para que a poesia seja viva. Nesse sentido, a criação é um trabalho de pesquisa – do tema e da forma.
De onde veio a inspiração para Flores da batalha, o seu novo livro?
Surgiu na pandemia. Foi angustiante estar longe das pessoas, com a liberdade tolhida e tendo que lidar com batalhas internas. E é sobre elas que decidi falar: como sobreviver ao que se passava dentro de nós? Não se trata de um livro de poemas, mas, sim, de tentativas de explicar o que senti em um momento tão aflitivo, do desejo de curar feridas da alma.
De que maneira você lidou com projetos como o Sarau da Cooperifa e o Poesia contra a violência (bate-papos em escolas públicas visando ao incentivo à leitura) durante a pandemia?
Em respeito à ciência, não fizemos o sarau nem o Poesia contra a violência (algo que adoro fazer com os jovens). No início, aconteceram as lives – que, com o tempo, se tornaram cansativas. Fomos ficando mais sozinhos, com dificuldade em termos perspectivas (o que será de nós? O que será da arte? O que será da palavra?). Mesmo protegido, em casa, com a minha família, foi tudo muito difícil. Sou um poeta da rua, estar na rua me alimenta e, nesse período, esse contato estava impedido. Essa situação me afetou profundamente.
Como foi a retomada?
Também difícil, já que nós mudamos, estamos mais reservados. No Sarau da Cooperifa, teve gente que não voltou mais. A vontade de estar em grupo foi como que tirada das pessoas. Para mim, que organizo eventos visando à conexão, a tarefa é a de reconstruir esse hábito. Reconstruir o sarau, o público, os poemas.
Isso também vale para o contexto escolar, não?
O Poesia contra a violência tem mais de 15 anos e, atualmente, em razão das tragédias nas escolas, parece uma profecia. Retomar esse projeto agora não traz apenas o intuito de formar público para a literatura, vai além. Mais do que nunca, eu me vejo com o papel, como artista, de colaborar na educação.
Qual é a importância da literatura hoje?
A poesia representa uma postura diante da humanidade, e a literatura como um todo é necessária para nos mantermos vivos.
Ao longo de 35 anos de produção artística, como tem sido o contato com os leitores?
Uma vez, fui ao mercado com a minha esposa e, no final da escada rolante, estava um jovem de uns 12 anos distribuindo panfletos. Ao me ver, ele abriu um sorriso. Peguei um dos panfletos, disse “Obrigado” e ele me respondeu “Obrigado você, poeta”. O garoto me contou que me conhecia porque eu fui à escola dele. Nessa hora, pensei: valeu e vale a pena lutar pela poesia. Tenho o que quero: ser reconhecido pelas pessoas para quem escrevo, com quem escrevo (a população da periferia). Olhando para essa cena, sinto gratidão: é como se estivesse realizando o sonho de ser um poeta popular.
A seu ver, a criação literária é mais coletiva do que individual, certo?
Precisamos entender o seguinte: sagrado não é quem escreve; sagrado é quem lê. Estou em busca do sagrado dessas pessoas, do Sarau da Cooperifa (quando a poesia desce do pedestal e beija os pés da comunidade), de mostrar para todos que a literatura pode ser acessível.
Já que o sagrado vive em quem lê, a última pergunta se dirige ao leitor Sérgio Vaz: o que você está lendo?
Água de barrela, de Eliana Alves Cruz.