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Tecnologias e fluxos de informação: impactos nas dinâmicas sociais e culturais | Entrevista com Pablo Ortellado

Tecnologias e fluxos de informação: impactos nas dinâmicas sociais e culturais | Entrevista com Pablo Ortellado

O entrevistado comenta a propagação de notícias falsas e as maneiras pelas quais essa prática pode impactar a sociedade

Publicado em 13/02/2020

Atualizado às 11:56 de 10/08/2022

Pablo Ortellado é professor do curso de gestão pública da Universidade de São Paulo (USP) e vem estudando a polarização política no Brasil na última década. Seu interesse no assunto foi despertado pelas manifestações de rua que aconteceram em junho de 2013, em São Paulo, em razão do reajuste do preço da passagem no transporte público e que rapidamente se espalharam pelo país. Para o professor, é evidente que o reajuste foi apenas o estopim do movimento que se assemelhou bastante ao que vinha ocorrendo em outras partes do mundo, como o movimento Occupy, nos Estados Unidos, e a Primavera Árabe.

Pablo Ortellado (imagem: Nicole McLain)

Pouco depois das Jornadas de Junho, Ortellado e mais três professores da USP desenvolveram a ferramenta Monitor do Debate Político no Ambiente Digital, que coleta dados sobre alcance e interações de temas políticos em diversas redes sociais. Em 2013, o mapeamento apontava a existência de sete agrupamentos ideológicos – pessoas que interagiam entre si constantemente em razão de temas com os quais se identificavam. Seu acompanhamento desses debates aponta um agravamento da polarização política no Brasil a partir de 2014 até chegar ao retrato atual, no qual existem apenas dois agrupamentos que não interagem entre si. Uma das áreas em que ele tem se aprofundado é a investigação do impacto que a difusão de notícias falsas ou imprecisas, também conhecidas como fake news, tem sobre esse cenário.

Na entrevista, Ortellado fala sobre alguns dos dados encontrados em suas pesquisas e faz alguns prognósticos para as eleições municipais de 2020.

Um estudo recente da Universidade de Nova York aposta que nas eleições de 2020 daquele país o fenômeno da desinformação deve ser marcado pelo uso de imagens descontextualizadas e deepfakes (sistema de inteligência artificial que permite alterar vídeos digitalmente. Uma das possibilidades é fazer parecer que alguém disse algo que nunca disse). O senhor acredita que o mesmo possa acontecer nas eleições municipais brasileiras deste ano?

O risco do uso de deepfakes é antigo. Já se falava sobre os riscos de usar esse tipo de manipulação de imagens há dois ou três anos, mas até hoje ele não foi usado, o que é curioso. Existe uma grande expectativa de que ele seja usado e faça um grande estrago, mas a tecnologia está aí há algum tempo e a gente não tem registros numerosos de casos significantes de uso maliciosos. A tecnologia existe e está mais barata e simples, mas não há como prever se ela vai de fato ser usada nas próximas eleições.

Na última eleição presidencial estadunidense, e no plebiscito do Brexit, ambos em 2016, o foco da manipulação se deu através do uso de microdirecionamento (criação de anúncios veiculados para pessoas específicas escolhidas com base em uma análise psicológica dos dados compartilhados em suas redes sociais). Relatórios das comissões de investigação, tanto do Parlamento britânico, quanto do Senado americano, falam em dezenas de milhares de anúncios políticos usados dessa forma. O senhor vê algum indício de que isso tenha acontecido na eleição brasileira de 2018?

No Brasil isso não aconteceu em 2018 e não deve acontecer em 2020 porque para fazer microdirecionamento você precisa de dados segmentados que só as plataformas têm. O que aconteceu nesses dois casos foi um vazamento massivo de dados, o que não aconteceu no Brasil. Aqui o que vazou foi uma parcela muito pequena de dados. A inovação no caso da eleição brasileira foi no uso de uma nova ferramenta que é o WhatsApp. Ele já tinha sido usado na eleição do México, um pouco antes da nossa, e no referendo da Paz na Colômbia.

Pablo Ortellado e Ana Luiza Aguiar (imagem: Nicole McLain)

O senhor acredita que esse cenário de uso massivo do WhatsApp vai se repetir nas eleições municipais de 2020 no Brasil?

Depende de como a plataforma vai se preparar para as eleições. Se ela atuar duramente, impedindo a formação de grupos novos, impedindo envio em massa, pode ser que o quadro se reverta. A variável mais importante nesse cenário é saber quais as diretrizes internas que o WhatsApp vai estabelecer para as eleições de 2020.

Uma de suas pesquisas recentes mostrou que pessoas mais velhas estão mais suscetíveis a acreditar em notícias falsas. Por que o senhor acha que isso acontece?

Na verdade, essa correlação entre pessoas mais velhas e a propensão em acreditar em notícias falsas não é um achado apenas das nossas pesquisas aqui na USP. É algo que vem sendo encontrado em diversas pesquisas do mundo. Já foram encontrados indícios disso na Inglaterra e nos Estados Unidos. Não há uma teoria consolidada do motivo de isso acontecer. Há pesquisas tentando associar isso a características cognitivas das pessoas mais velhas, há outras que tentam relacionar isso à forma com que as pessoas mais velhas lidam com a tecnologia. Há ainda outra corrente que acredita que isso esteja ligado à natureza das pessoas mais velhas de hoje. Elas foram jovens na década de 1960, período em que houve uma explosão dos temas que hoje dominam as guerras culturais e, para essa corrente, isso poderia fazer delas pessoas mais sensíveis a temas divisivos. Mas nenhuma dessas me parece definitiva. Todas me parecem especulativas, até agora, embora os dados demonstrem claramente que existe, sim, um padrão etário bem nítido na difusão de desinformação.

Outra pesquisa sua mostrou que mesmo sendo mais céticos os jovens são mais influenciáveis pelo que veem no YouTube. Por que isso acontece?

Esse também é outro aspecto que não se tem uma hipótese consolidada que o justifique. O padrão etário é seguramente algo importante, mas o motivo não está muito claro. As pesquisas que investigam isso não dão uma boa resposta nesse momento.

Notícias falsas ou imprecisas não são um fenômeno novo, embora elas tenham se tornado o foco de embates ideológicos nos últimos anos. O avanço tecnológico poderia explicar esse aumento de difusão?

Sim. Mas é importante ressaltar que, embora mentiras políticas e jornalismo partidário não sejam novidades, as simulações de jornalismo (sites que vendem opinião política como se fosse jornalismo) são. Esse fenômeno dos sites partidários que fingem fazer jornalismo e se utilizam das redes sociais para difusão é um fenômeno bem novo. E é aí que entra o avanço tecnológico, através das mídias sociais. Antes, quando se queria disseminar esse tipo de desinformação, era preciso ter gráficas para impressão, equipe de distribuição etc., e isso era muito caro. Agora com as redes sociais o custo de difusão dessas mentiras caiu muito. As barreiras de entrada para o jogo sujo da desinformação caíram muito. E isso permitiu essa avalanche que a gente vive hoje.

Como podemos explicar essa expressiva quantidade de notícias incorretas circulando pela internet?

Porque é barato e é fácil. Antes, para conseguir o impacto que se consegue hoje, era preciso montar um jornal, uma rádio ou uma emissora de televisão. Agora só é necessário escrever “notícias” que causem indignação no público e os motivem a apertar o botão de compartilhar. Hoje vemos operadores pequenos, com recursos bastante limitados, competindo em pé de igualdade – e às vezes até derrotando – com empresas que têm um edifício cheio de jornalistas.

Pablo Ortellado e Ana Luiza Aguiar (imagem: Nicole McLain)

A polarização parece ser um dos combustíveis que alimentam esse fenômeno. Movimentos populistas, tanto de esquerda quanto de direita, têm usado notícias falsas ou imprecisas para mobilizar seus seguidores. O que pode ser feito para combater esse tipo de manipulação?

A solução é política. Campanhas de educação midiática, agências de verificação ou campanhas de esclarecimento do público são todas medidas paliativas. É preciso desfazer a polarização política. Enquanto não se resolver essa dicotomia, tudo que a gente fizer vai ser igual a ficar enxugando gelo. A notícia falsa ou imprecisa é um efeito colateral da polarização política. Ela existe e é alimentada pela polarização – e a retroalimenta. No passado, o campo político não era polarizado. Existia antagonismo, mas não polarização, o que era mais saudável já que não gerava intolerância política nem alinhamento das posições. Por isso acredito que a solução definitiva passa, necessariamente, por reverter a polarização.

Ana Luiza Aguiar é jornalista com mais de 20 anos de profissão, tendo atuado em veículos de grande mídia, assessorias de comunicação e empresas do terceiro setor. Atuou ainda como assessora técnica no Ministério da Justiça, no Senado Federal e na Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Atualmente, está concluindo o mestrado em estudos culturais na USP, cujo foco é o distúrbio informacional e a polarização política nos meios digitais.

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