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Revista Observatório 30 | O festival tá on: artes cênicas na internet

Revista Observatório 30 | O festival tá on: artes cênicas na internet

Felipe Assis analisa a política cultural para os festivais de artes cênicas para além das políticas de fomento dos editais, os desafios e a manutenção dos festivais de cênicas na internet.

Publicado em 06/12/2021

Atualizado às 17:38 de 15/08/2022

[acesse o índice da Revista Observatório 30]

por Felipe de Assis - https://orcid.org/0000-0003-2366-0071

No ano de 2020, depois de 12 edições, adiamos pela primeira vez a realização do Festival internacional de artes cênicas da Bahia (Fiac Bahia), em virtude da pandemia de covid-19. Investimos tempo na preparação de uma edição on-line em 2021, dedicando-nos à pesquisa de eventos que migraram para ambientes virtuais e encarando os desafios relacionados a linguagem, participação do público e captação de recursos.

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Nesse contexto, a equipe do Fiac Bahia participou de festivais, rodadas de negócios e debates on-line. Em tais ocasiões, identificamos três tendências nas produções artísticas: compartilhamento na web de registros de espetáculos; conteúdos discutindo os efeitos da pandemia; e criação com recursos do meio eletrônico, como o uso de multiplataformas (ARAMBURO, 2021). Conforme temos argumentado, as práticas artísticas repercutem-se nos formatos dos festivais presenciais (ASSIS, 2015), o que também se confirma no ambiente on-line.

Acompanhamos festivais que exploraram diferentes formatos, conteúdos e modos de produção. O britânico Gateshead international festival of theatre (Gift) realizou um encontro público para avaliação de sua edição on-line. O norte-americano Fusebox festival, por sua vez, investiu na comunicação com o público por meio de newsletter e de campanhas de financiamento por doações. No Brasil, deslocamos nossos olhares para o eixo Sul-Norte. O festival Porto Alegre em cena publicou a revista-festival-objeto Corpo futuro presente (2020). A peça gráfica deu suporte a experiências com texto, ilustrações e códigos QR, redimensionando os contornos e o espaço do evento, transportando o leitor-espectador para experiências híbridas. Na outra ponta, estreava o Potência das artes do Norte (PAN), festival on-line independente da região amazônica. Lançando mão de recursos de interatividade, o evento desenvolveu campanhas de promoção nas redes sociais e experimentou o financiamento direto com a venda de ingressos – muitas vezes adquiridos em número superior, como forma de apoio ao evento.

Os depoimentos dos organizadores relatam o alcance territorial proporcionado pela internet, a diminuição de custos com logística, o uso de ferramentas de acessibilidade e alternativas de geração de receita.

Em todas as experiências, constatamos o quanto os festivais de artes cênicas estavam distantes do ambiente virtual. Assim como o Fiac Bahia, antes da pandemia, esses eventos tendiam a tratar as redes como espaço de divulgação de suas atividades presenciais, subutilizando os recursos das plataformas.

No Fiac, nossa atividade se restringia ao Facebook e ao Instagram. Começamos, então, a explorar o funcionamento do YouTube e da Twitch, plataforma de streaming da Amazon. Chamou nossa atenção a naturalidade dos usuários da Twitch diante das câmeras, a interação em tempo real e a duração das transmissões, frequentemente sustentadas por 12 horas ininterruptas. Embora haja canais patrocinados por grandes corporações, predomina o micropatrocínio por meio de assinaturas mensais. A relação com o dinheiro é naturalizada e, invariavelmente, as transmissões têm molduras (overlays) adornadas com códigos QR com coordenadas para Pix. Elogios são feitos em forma de bits, moeda da plataforma.

Uma mulher em pé, desfocada, na praia a noite, iluminada de baixo para cima entre pedras grandes, ao fundo o céu com lua.
"Escavar o Escuro" (2015), Daniela Paoliello (imagem Daniela Paoliello) (imagem: Daniela Paoliello)

 Apesar de estimulados, constatamos que a comunidade de artes cênicas ainda não frequenta a Twitch. Sendo assim, em março de 2021, criamos no canal do Fiac Bahia no YouTube a série de entrevistas Fazedores de festivais. Em encontros semanais, conversamos com diretores e curadores de festivais de artes cênicas do Brasil e discutimos a relação entre obras, artistas e públicos, acessibilidade e formas de financiamento. A cada episódio trouxemos profissionais de diferentes contextos, como Soraya Portela, do Trisca festival (Teresina), Antônio Araújo e Guilherme Marques, ambos da Mostra internacional de teatro de São Paulo (MITsp). A escolha dos convidados considerou a diversidade geográfica e de experiências e posicionamentos a respeito da realização de eventos na web

Apesar dessa pluralidade, reconhecemos um modelo econômico similar entre os 14 eventos representados: nove festivais usaram leis de fomento, editais de cultura e apoios institucionais; um festival utilizou recursos próprios; três eventos optaram por não realizar edições on-line; e apenas o Festival internacional de teatro de rua de Porto Alegre experimentava uma campanha de financiamento coletivo.

Ao que parece, os eventos refletem a ausência de políticas culturais para além do fomento dos editais.

Vive-se hoje, no Brasil, um novo ciclo de “ausência, autoritarismo e instabilidade" (RUBIM, 2007).

O Fiac Bahia não foge à regra. As edições de 2021 e 2022 estão asseguradas pelo Edital de Eventos Calendarizados da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA). Contudo, o festival experimenta recursos de comunicação e conexão com o seu público na internet e investe em formas de participação. Em 2021, o Fiac Bahia veste sua overlay estampada de Pix e ousa nos formatos da programação e nas fontes de financiamento híbridas.

Como citar este artigo

ASSIS, Felipe de. O festival tá on: artes cênicas na internet. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 30, 2021. Disponível em: [https://www.itaucultural.org.br/secoes/observatorio-itau-cultural/revista-observatorio/o-festival-t%C3%A1-on-artes-c%C3%AAnicas-na-internet]. Acesso em: [data_atual]. DOI: https://www.doi.org/10.53343/100521.30.07

 

Felipe de Assis é artista-curador, é mestre em artes cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Desde 2008 atua como coordenador-geral e curador do Festival internacional de artes cênicas da Bahia (FIAC Bahia). Contato: felipe@7oito.com.br.

 

Expediente da Revista Observatório 30

 

Referências

ARAMBURO, Diego, 2021. 1º encontro Reside dramaturgia Ibero-americana na pós-pandemia. 1 vídeo (1h57min). Publicado pelo canal Reside Festival. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Mao5xwSbmWc&t=2244s>. Acesso em: 23 jul. 2021.

ASSIS, Marcelo Felipe Moreira de. Por uma prática curatorial mediadora e colaborativa em artes cênicas. 2015. Dissertação (mestrado em artes cênicas) – Escola de Teatro, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

CORPO FUTURO PRESENTE. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Cultura, Porto Alegre em Cena, 2020. 

FIAC BAHIA. Canal no YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/fiacbahia>. Acesso em: 23 jul. 2021.

RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas culturais no Brasil: tristes tradições. Galáxia, São Paulo, n. 13, p. 101-113, 2007.

 

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