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Livro retrata em ilustrações pequenas cenas cotidianas da cidade

Em "Pequenos Acasos Cotidianos", Juliana, munida de uma caneta nanquim de ponta fina e certa quantidade de papel Canson, registrou em cerca de 50 desenhos cenas e pessoas que encontrou em uma caminhada pela cidade

Publicado em 24/05/2019

Atualizado às 15:55 de 18/11/2019

Se a desenhista Juliana Russo, autora de Pequenos Acasos Cotidianos, estivesse passando pela Rua Bartira, no bairro de Perdizes, em São Paulo, em uma das tardes outonais de maio, poderia ter visto e, quem sabe, registrado em seu livro de eventos inesperados e acidentais duas moças à espera de uma terceira – e um aviso:

— Um minutinho. Já estou descendo.

— A gente chegou cedinho, né?

— Não, eu que fui fazendo as coisas e pensei: “Vou tomar um banho para receber as meninas”.

Artista plástica paulistana, Juliana, munida de uma caneta nanquim de ponta fina e certa quantidade de papel Canson, registrou em cerca de 50 desenhos cenas e pessoas que encontrou em uma caminhada pela cidade. “Eu pensei em dar uma volta porque penso melhor andando. Essa coisa do caminhar é real na minha vida. Fui andando e encontrando cenas no caminho, como um laguinho com peixes na [Avenida] Sumaré. Aquele dia mudou muito a minha vibração. Depois que tive esses encontros, dei uma amolecida, uma desarmada, e aí veio toda a ideia do projeto de uma vez só”, conta. Pequenos Acasos Cotidianos surgiu pronto, até mesmo com o subtítulo que o acompanha: Presentes e Desastres da Vida Urbana.

(imagem: Anna Carolina Bueno)

O projeto veio na esteira de um processo profundo que Juliana vivenciou em 2017. Durante 15 dias, ao lado de outros 15 artistas, a desenhista participou de uma residência artística para a criação da revista Baiacu, editada por Laerte e Angeli. “A gente ficou enfurnada na casa da Hilda Hilst, e de lá deveria sair uma revista. Você passa duas semanas com outros 15 desenhistas. Conversa muito, reflete e vê outros processos. Então, voltei cheia de ideias, de vontade de desenhar”, explica.

De agosto daquele ano, quando decidiu sair de casa com uma câmera na mão – e um caderno de anotações na outra –, até o resultado do Rumos Itaú Cultural, edital que apoiou o projeto, passou-se um ano. O livro só foi para a gráfica em abril de 2019. “Pensei em fazer um percurso que não sabia aonde iria me levar, eu só sabia que tinha de passar na Faap [Fundação Armando Alvares Penteado] para pegar uns documentos. Fui fotografando tudo e, no fim do dia, pensei que aquilo daria um livro. Comecei, então, a desenhar logo na sequência. Nesse comecinho, eu estava bem empolgada, fiz vários desenhos.”

Retratar a cidade não é algo novo para Juliana. Em São Paulo Infinita (2015), a artista registrou diferentes pontos e ruas por ângulos desconhecidos e inusitados. “Sempre fui essa pessoa que caminha, desde criança. Faz parte da minha natureza. Descobrir lugares que parecem escondidos e que contam sobre a cidade, uma cidade que já foi. Isso sempre me fascinou. Ficou tão forte em mim que há muito tempo só falo disso. No meu próximo projeto, quero ir para a floresta”, diz, entre risadas.

Se para a ilustradora a sensibilidade no olhar pode e deve ser exercitada, a arte do desenho, na mesma linha, está atrelada à prática cotidiana mais do que a qualquer dom divinal. “Comecei a desenhar com 20 anos, na faculdade. Gostava de fazer coisas, mas comecei mesmo na graduação. As pessoas acham que para desenhar é necessário ter um dom. Eu era terrível. As ilustrações dos meus primeiros cinco anos eram sofridas. Não façam essa busca jamais”, conta. Na sua visão, desenhar está próximo de perder o controle.

(imagem: Anna Carolina Bueno)

Sendo gesto, o traço dança, assumindo o caminho aberto pelo primeiro toque no papel. “O desenho é algo gráfico, mas para mim é corpo. Ele está presente. Se você pensar que cada traço é um gesto, o desenho pode ter muito mais a ver com a dança. Quando você chega a esse lugar do corpo, você não pensa mais, você está só fazendo.” Juliana diz que a análise constante leva a momentos iniciais de autoboicote. Segundo ela, é preciso deixar que os primeiros cinco minutos sigam e insistir no desenho.

“Pela insistência, você chega ao processo criativo. O livro tem muito a ver com o que me chama a atenção de você estar nesse lugar do acaso, de se permitir e estar permeável. Nem é uma reflexão que passa por mim, porque, se essa reflexão passou, você já a subverteu. É um exercício de perda de controle. E olhe que interessante: você faz esse exercício e por causa disso rola um livro”, afirma.

Até 31 de maio, na Sala Aberta, espaço que a desenhista dedicou a exposições na Rua Bartira, os originais de Pequenos Acasos Cotidianos estão expostos ao público. Sempre às sextas-feiras, a partir das 16 horas. “Eu já tive muito o sonho de ter um espaço que era uma lojinha, uma galeria, para fomentar trabalhos de que eu gosto, que eu admiro. Especificamente no desenho, porque ele não é considerado uma arte, das grandes artes. Ele fica meio renegado a outro lugar. Não cabiam dentro da minha vida formalidades, eu não funciono assim. Então, abro às sextas-feiras, mas estou fazendo mil outras coisas ao mesmo tempo”, diz Juliana, que, em seis meses, ilustrou três livros e publicou uma obra – e pretende ir, quiçá, para a floresta.

(imagem: Anna Carolina Bueno)

 

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