Acessibilidade
Agenda

Fonte

A+A-
Alto ContrasteInverter CoresRedefinir
Agenda

Maracatu feminino potencializa o protagonismo das mulheres na cultura popular

Projeto da Associação das Mulheres de Nazaré da Mata (Amunam), apoiado pelo Rumos Itaú Cultural, busca empoderar as participantes do Maracatu Feminino Coração Nazareno

Publicado em 26/07/2019

Atualizado às 11:44 de 17/08/2022

por Heloísa Iaconis

Rainhas, reis, princesas, príncipes, baianas, caboclos. Vários são os personagens que constituem o maracatu, manifestação criada por escravos como maneira de preservar a memória dos seus. Até os anos 1960, porém, apenas figuras masculinas integravam o cortejo: mesmo os papéis tidos como femininos eram representados por homens. No fim dessa década, permitiu-se que mulheres ocupassem funções secundárias, postos que não se colocavam na porção dianteira do desfile. Entre as justificativas para afastá-las da brincadeira estava, por exemplo, a menstruação: elas sangram mês a mês e, portanto, podem sujar as fantasias tão belas, diziam. Foi contra esse preconceito que, em 2004, a Associação das Mulheres de Nazaré da Mata (Amunam), em Pernambuco, criou o Maracatu Feminino Coração Nazareno, um resgate do folguedo do povo e uma construção do protagonismo delas – um poder decisório e de fala que se alastra pelas demais esferas da vida.

Mulheres Fortalecendo Raízes da Cultura Popular | foto: divulgação

Nesse grupo, atrelado à categoria de baque solto, há mais de 70 componentes: meninas, moças, senhoras, mães, filhas, todas elas parte de um projeto que visa não só à atuação efetiva no maracatu, como também ao revigoramento de uma postura e uma consciência empoderadas. Com esse intuito duplo, a Amunam se inscreveu no programa Rumos Itaú Cultural para que esse mulherio tenha uma verba que o leve a perpetuar o seu trabalho.

A iniciativa Mulheres Fortalecendo Raízes da Cultura Popular foi então selecionada no edital 2017-2018 e, a partir desse suporte (financeiro e de produção coletiva), desenvolve uma série de atividades: o conserto de indumentárias e a realização de seminários e oficinas que incentivam o pensamento sobre temas ligados a questões de gênero, além do fomento de ações que proporcionem a geração de renda para as envolvidas. No interior das terras dos canaviais, de modo distinto ao que continua a ocorrer por aí, o feminino espraia-se pelos personagens: são elas, todas elas, que desempenham cada uma das missões – rainhas, reis, princesas, príncipes, baianas, caboclos.


Um coração nunca é apenas um 

Dezenove trabalhadoras rurais reunidas paralelamente aos encontros do sindicato: assim teve início uma sequência de compromissos só delas, elas que não eram ouvidas pelos homens sindicalizados. Cansadas da falta de espaço, passaram a conversar entre si nas comunidades. E muito se estruturaram que acabaram por se tornar uma entidade, denominada Amunam, organização que se mobiliza em torno de assuntos como feminismo, raça, educação sexual, combate à violência e governança, um leque crítico e ativo que inspira autonomia e potência.

Em um contexto cheio de estímulos favoráveis à criatividade das mulheres, surge o maracatu 100% feminino, o qual se põe firme em oposição a qualquer intolerância. “Ainda existe preconceito, mas a gente supera. Tenho certeza de que fazemos bonito”, afirma Eliane Rodrigues, dirigente da ONG. O fazer bonito começa, aliás, na costura das roupas, vestimentas que precisam ser renovadas constantemente, devido ao desgaste (tecido esgarçado, desbotado pelo sol) e ao valor que têm para o desenrolar da apresentação. Apoiada pelo Rumos, a equipe cria e recria figurinos e o estandarte, processo demorado, oportunidade de as participantes aprenderem a costurar e, quem sabe, encontrarem nas linhas e nas agulhas uma profissão.

Mulheres Fortalecendo Raízes da Cultura Popular | foto: divulgação

Fora o cerzir paciente, de 2018 a 2019 a associação oferece, a um total de 35 mulheres, rodas de discussão a respeito da história do maracatu, desde as crenças até os vários ritmos, debates que se unem a diálogos acerca de gênero. Em março deste ano, um seminário abriu o ciclo de tarefas assegurado pela contribuição do Itaú Cultural, fase que vislumbra mais um seminário (de encerramento, em novembro) e, na próxima temporada festiva, novos adereços e brilhos a desfilar nas ruas pernambucanas. “A cultura é coisa de Deus, como a comida, e de todos os corações”, pondera Eliane. Um coração nunca é apenas um: ele se multiplica, mora em mais de um peito, são todos em um – e é essa harmonia inventora que conduz os batimentos, de marcha a samba curto, nazarenos.

Compartilhe