Na segunda edição do “CineAula IC Play”, Jefferson Cabral apresenta uma sequência didática sobre “Moventes”, filme do qual é diretor
Publicado em 18/05/2025
Atualizado às 10:17 de 20/05/2025
CineAula IC Play – 2ª edição
Luz, câmera, educAção:
o streaming gratuito do cinema brasileiro na sala de aula
por Jefferson Cabral
Sequência didática #2: Memórias em movimento
Ficha técnica
Filme Moventes (Rio Grande do Norte, 2023)
Direção e montagem Jefferson Cabral
Roteiro Helio Ronyvon e Jefferson Cabral
Elenco Ana Luísa Camino (Elfiza), Erhi Araújo (Manoel), Marlene Sena (Mainha), Mateus Brito (João), Rosy Nascimento (Graça) e Wallace Martin (José)
Assistência de direção Tereza Duarte
Produção executiva André Santos
Produção de elenco Franco Fonseca
Preparação de elenco Alessandra Augusta
Direção de produção Larissa Sales
Assistência de produção Edo Sadística
Motoristas Altamir Viana e Jairo Silva
Segurança Mário Pontes
Serviço de bufê Recanto do Sabor
Direção de fotografia Johann Jean
Assistência de câmera Mylena Sousa
Maquinista e eletricista Christiano Miranda
Fotografia adicional Julio Schwantz
Direção de arte Paula Vanina
Assistência de arte Joyce Kelly e Tainah Nogueira
Técnico de som Herison Pedro
Microfonista Letycia Miranda
Efeitos visuais Suelayne Cris
Tratamento de cor Maísa Joanni
Colorização das fotos Raí Gandra Moreira
Gravação dos offs Magnus Brasil
Desenho de som Catharine Pimentel
Mixagem Nicolau Domingues
Tradução em inglês Jefferson Cabral
Tradução em espanhol Cleiton Pereira
Tradução em francês Renato Bezerra
Classificação indicativa livre
Gênero drama
Acessibilidade legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE)
Locações Natal, Parnamirim, Nísia Floresta e São José de Mipibu (RN)
Sinopse Um retrato particular da migração de uma família de Natal (RN) para São Paulo (SP)
>>Assista aqui ao trailer do Moventes
I. TRAILER PARA QUEM EDUCA
Caro professor e cara professora,
Pensemos nestas situações: Lúcia dá aula de língua portuguesa na Escola Estadual Carolina Maria de Jesus; Jéssica está se preparando para o vestibular; secundaristas colocam-se contrários ao fechamento de colégios. Mais do que circunstâncias, essas são cenas, respectivamente, da série Segunda chamada (2019-2021), do longa Que horas ela volta? (2015) e do documentário Escolas em luta (2017). Todas elas unem contextos de aprendizagem ao audiovisual criado no nosso país. As câmeras colaboram para discussões e imaginários acerca da educação no Brasil – em diferentes fases, com diferentes sujeitos. Mas por que começar esta conversa assim, recuperando takes? A razão nada tem de complicada: o que queremos mesmo é falar dessa combinação entre os fazeres cinematográfico e educacional, essência do novo projeto do Itaú Cultural (IC).
Com a intenção de aproximar o cinema da Educação Básica, estimulando o letramento audiovisual e a valorização das produções nacionais, apresentamos o CineAula IC Play. A cada mês, vocês podem conferir, aqui no site do IC, sequências didáticas baseadas em conteúdos disponíveis na IC Play, a nossa plataforma de streaming gratuita. Esta iniciativa busca oferecer ferramentas para a aplicação da Lei nº 13.006/2014 – a qual obriga a exibição de filmes brasileiros nas escolas básicas –, entendendo, ainda, que a fruição estética e crítica corresponde a um direito e um componente fundamental do processo formativo e cidadão.
Os exercícios propostos, vale salientar, estão em consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e com o seu complemento, que aborda a área da computação. E, em alguns casos, as tarefas podem suscitar debates sobre inteligência artificial (IA) em aula (tudo em conformidade com a Lei nº 15.100/2025, que proíbe o uso de aparelhos eletrônicos portáteis em sala, exceto quando utilizados para fins estritamente pedagógicos ou didáticos, sob orientação de educadores).
As atividades aparecem divididas em tópicos, cujas denominações remetem a termos do audiovisual, incorporando essas expressões ao nosso vocabulário. Esta parte, por exemplo, é como um trailer; depois, há o plano-sequência e os bastidores, vejam só. Fora isso, saibam que todas as produções selecionadas para o CineAula IC Play estão licenciadas para exibição em ambientes escolares. Logo, fiquem à vontade para assistir às indicações com os alunos.
Nesta segunda sequência didática do projeto, Jefferson Cabral trabalha com Moventes, obra da qual é diretor e roteirista. O curta-metragem narra, com uma poética sensível, o percurso de uma família que migra de Natal (RN) para a capital paulistana.
Destacamos, por fim, que, embora este material tenha sido elaborado pensando em turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) – considerando-se a resolução que institui a BNCC como uma das diretrizes para essa modalidade de ensino –, ele pode ser adaptado para outras etapas da educação, desde que respeitada a classificação indicativa do filme. Nesse sentido, as adequações devem considerar as necessidades e os momentos de cada grupo, observando o seu ritmo e construindo um percurso que sempre respeite a todos.
Boa leitura! E boa sessão!
a) Luz – Em busca do coletivo na memória
Objetivos
A proposta deste exercício é aproximar ainda mais os estudantes dos temas centrais do curta-metragem Moventes, promovendo conexões entre as memórias familiares e os processos de construção da identidade coletiva brasileira, aquela que nos constitui enquanto sujeitos históricos, culturais e sociais em um território. A partir das relações entre experiências íntimas e aspectos da vida em sociedade, os alunos serão estimulados a analisar diferentes visões de mundo e trajetórias de vida, compreendendo-se como parte de um tecido social mais amplo. A atividade busca, assim, reforçar o sentimento de pertencimento e uma comunidade de histórias entrelaçadas, promovendo um diálogo sensível entre a turma.
Habilidades da BNCC
(EM13CHS201) Analisar e caracterizar as dinâmicas das populações, das mercadorias e do capital nos diversos continentes, com destaque para a mobilidade e a fixação de pessoas, grupos humanos e povos, em função de eventos naturais, políticos, econômicos, sociais, religiosos e culturais, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a esses processos e às possíveis relações entre eles.
(EM13CHS206) Analisar a ocupação humana e a produção do espaço em diferentes tempos, aplicando os princípios de localização, distribuição, ordem, extensão, conexão, arranjos, casualidade, entre outros que contribuem para o raciocínio geográfico.
(EF69AR05) Experimentar e analisar diferentes formas de expressão artística (desenho, pintura, colagem, quadrinhos, dobradura, escultura, modelagem, instalação, vídeo, fotografia, performance etc.).
Mãos à obra
Solicite aos estudantes que tragam de casa uma fotografia antiga de família, que pode ser física ou digitalizada. Explique que essa imagem servirá de ponto de partida para conversas sobre memória, identidade e pertencimento. Em seguida, divida a turma em pequenos grupos. Cada aluno deve observar a sua fotografia, anotar as suas respostas aos itens a seguir e compartilhá-las com os colegas do grupo.
- Faça uma descrição breve da imagem.
- Onde e quando a imagem foi feita?
- Quais lembranças ou sentimentos essa foto desperta em você?
Após esse momento de conversa, escolha uma fotografia de cada grupo para ser apresentada à turma inteira. Sempre que possível, projete a imagem em formato digital para que todos possam vê-la com nitidez, observando todo o quadro da fotografia e analisando os elementos captados pelo fotógrafo. O estudante que trouxe a foto deve responder às perguntas acima e relatar a história ou a memória associada àquela imagem.
Ao final das apresentações, conduza um bate-papo que relacione as histórias pessoais compartilhadas com os temas centrais do curta-metragem Moventes (a memória, a migração, o tempo, o espaço e a família, por exemplo). Tente contextualizar as fotografias no período histórico aproximado em que foram tiradas, ressaltando aspectos culturais, sociais, econômicos ou políticos que possam enriquecer a leitura das imagens e conectar as experiências individuais com a construção da memória coletiva.
Essa atividade visa fortalecer os laços entre a vida pública e privada dos alunos, valorizando a escuta, a elaboração da memória e a troca de experiências como formas de aprendizado e construção de identidade. Para obter ferramentas de análise e interpretação das imagens, você pode consultar os livros mencionados nas referências bibliográficas desta sequência didática.
b) Câmera – Em busca do afeto na memória
Objetivos
Agora os estudantes serão convidados a expressar sentimentos, experiências, dúvidas e opiniões a partir da exibição e discussão do curta-metragem Moventes em sala de aula. A atividade procura estimular a autopercepção das emoções provocadas pelos enquadramentos, pelas encenações e pelos efeitos sonoros do filme, especialmente em relação ao conteúdo narrativo das cartas e à forma como foram interpretadas pelos atores.
Habilidades da BNCC
(EF89LP34) Analisar a organização de texto dramático apresentado em teatro, televisão, cinema, identificando e percebendo os sentidos decorrentes dos recursos linguísticos e semióticos que sustentam sua realização como peça teatral, novela, filme etc.
(EM13LGG103) Analisar o funcionamento das linguagens, para interpretar e produzir criticamente discursos em textos de diversas semioses (visuais, verbais, sonoras, gestuais).
(EM13LP53) Produzir apresentações e comentários apreciativos e críticos sobre livros, filmes, discos, canções, espetáculos de teatro e dança, exposições etc. (resenhas, vlogs e podcasts literários e artísticos, playlists comentadas, fanzines, e-zines etc.).
Mãos à obra
Se possível, realize a exibição coletiva do filme em um ambiente fechado, com pouca iluminação e um bom sistema de som. Isso permitirá que os estudantes percebam com mais atenção os diferentes elementos da linguagem audiovisual que contribuem para a construção narrativa do curta-metragem. Após a sessão, promova uma roda de conversa guiada, realizando perguntas como as sugeridas a seguir.
- Sobre o que trata o curta Moventes?
- Quais imagens mais chamaram a sua atenção?
- Como os sons e a narração afetaram você?
A proposta é escutar livremente as impressões dos educandos, incentivando-os a interpretar a obra a partir de suas vivências e referências estéticas. Na sequência, compartilhe brevemente o contexto de criação do filme – você pode consultar o conteúdo dos bastidores do filme no material complementar desta sequência didática –, abordando os principais temas presentes nas cartas narradas (memória, migração, afeto familiar, medos individuais etc.).
Por último, retome os elementos criativos utilizados no curta (como os planos, os sons e as cores), estabelecendo um diálogo com as respostas e percepções levantadas no diálogo, a fim de desenvolver competências em leitura de imagens e narrativa audiovisual.
c) Ação – Gerando memória e afeto com IA
Objetivos
Nesta etapa da sequência didática, os estudantes serão incentivados a integrar o uso de celulares e ferramentas de inteligência artificial (IA) como meios de expressão e criação, sempre com a mediação do educador. A ideia consiste em gerar imagens a partir de lembranças, sentimentos ou relatos orais de familiares, estimulando a imaginação na reconstrução de memórias não registradas. O objetivo é ampliar o repertório visual e simbólico dos alunos, promovendo a criatividade e a sensibilidade estética diante das memórias, vividas ou recriadas, que emergiram nas atividades anteriores com as fotografias e o curta-metragem Moventes. A atividade também busca desenvolver o letramento digital e a consciência crítica do uso de novas tecnologias na produção artística.
Habilidades da BNCC
(EM13LGG703) Utilizar diferentes linguagens, mídias e ferramentas digitais em processos de produção coletiva, colaborativa e projetos autorais em ambientes digitais.
(EF15AR04) Experimentar diferentes formas de expressão artística (desenho, pintura, colagem, quadrinhos, dobradura, escultura, modelagem, instalação, vídeo, fotografia etc.), fazendo uso sustentável de materiais, instrumentos, recursos e técnicas convencionais e não convencionais.
(EF15AR26) Explorar diferentes tecnologias e recursos digitais (multimeios, animações, jogos eletrônicos, gravações em áudio e vídeo, fotografia, softwares etc.) nos processos de criação artística.
Habilidades da BNCC Computação
(EM13CO14) Avaliar a confiabilidade das informações encontradas em meio digital, investigando seus modos de construção e considerando a autoria, a estrutura e o propósito da mensagem.
(EM13CO10) Conhecer os fundamentos da Inteligência Artificial, comparando-a com a inteligência humana, analisando suas potencialidades, riscos e limites.
(EM13CO22) Produzir e publicar conteúdo como textos, imagens, áudios, vídeos e suas associações, bem como ferramentas para sua integração, organização e apresentação, utilizando diferentes mídias digitais.
Mãos à obra
Relembre com os educandos as apresentações dos grupos, especialmente os relatos que foram despertados pelas fotografias. Pergunte: “Como seria uma foto que nunca foi tirada, mas que representa a memória de alguém da sua família?”. Em seguida, divida a turma novamente em grupos. Os estudantes devem responder à pergunta escrevendo uma breve descrição de como seria essa imagem que não existe. Explique que essa descrição servirá de base para a construção do comando (prompt) que será fornecido a uma ferramenta de IA generativa de imagens.
Os alunos criarão uma memória na forma de uma imagem gerada por IA, realizando um exercício de leitura dos elementos que constituem as imagens, como a escolha das cores, a iluminação, a composição, os objetos, as pessoas presentes e o contexto sócio-histórico. Eles também deverão analisar as sensações transmitidas pela imagem, como sentimentos de nostalgia, felicidade ou solidão.
Além disso, ao comparar suas imagens com as geradas pelos colegas, os estudantes terão a oportunidade de refletir sobre como diferentes comandos e escolhas criativas podem resultar em representações visuais variadas, ampliando a compreensão da subjetividade das memórias e do funcionamento da IA generativa.
Inicialmente, centralize o processo, digitando um exemplo de comando com base na memória de um familiar seu. Depois, projete a imagem gerada para toda a turma e analise como a descrição da memória não vivida se reflete na imagem gerada. Em seguida, instrua os alunos a escreverem o comando com precisão, incluindo o contexto que deverá ser apresentado e os elementos da imagem de forma bem definida. Oriente-os a detalharem:
- o lugar e a atmosfera (luz, clima, cores, vegetação etc.);
- as pessoas (quem está presente, o que estão fazendo etc.);
- as sensações envolvidas (saudade, solidão, amor etc.).
Caso haja celulares disponíveis na sala de aula, guie os alunos para que explorem essas ferramentas em pequenos grupos, permitindo que cada grupo crie suas imagens de forma independente. Se não houver dispositivos, você pode realizar o comando de cada grupo e projetar a imagem gerada para que toda a turma acompanhe o processo.
Com as imagens geradas, cada grupo apresentará o resultado para a turma, explicando o que inspirou a cena, que sentimento ela expressa e por que escolheram esses elementos específicos. Encoraje os educandos a refletirem sobre suas escolhas e discutirem como diferentes detalhes contribuem para a emoção ou memória representada. Estimule a escuta atenta e os comentários construtivos entre os colegas. Por fim, encerre a atividade com uma conversa guiada, abordando as questões a seguir.
- Como a IA recriou ou reinventou nossas memórias?
- O que essa tecnologia pode ou não representar sobre nossas histórias?
Relacione o exercício à proposta criativa e estética do curta Moventes, no qual memória, afeto e imaginação se entrelaçam por meio das cartas e dos planos (consulte a entrevista com o realizador para conhecer a concepção criativa por trás do filme). Mostre, ainda, como a linguagem do cinema, assim como a IA, também inventa imagens a partir de sentimentos, lembranças subjetivas e referências visuais, entre outros elementos tecnológicos e de produção artística.
III. CORTA! QUE TAL UM POUQUINHO DOS BASTIDORES?
Durante as reescritas do roteiro e a produção do curta-metragem, Jefferson Cabral teve como livro principal de consulta Quarto de despejo (1960), de Carolina Maria de Jesus. Essa obra foi essencial para encontrar os conteúdos das cartas do filme Moventes, pois oferece uma forte representação da vida de uma mulher nas favelas de São Paulo nas décadas de 1950 e 1960. A voz de Carolina, com sua visão crua e poética da realidade de quem habitava a periferia urbana, representou uma fonte de inspiração para conectar as memórias familiares do realizador às experiências daqueles que vivem à margem, lutando contra as adversidades sociais e econômicas do seu território.
>> Veja também: entrevistas com pesquisadores da obra de Carolina Maria de Jesus
>> Veja também: Cartas negras, publicação da Ocupação Conceição Evaristo
Esses filmes, com suas visões sobre a experiência dos trabalhadores, especialmente os migrantes e de classes populares do Sudeste, foram importantes para situar Moventes em uma narrativa social e histórica, tanto do presente quanto do passado. Eles se conectam profundamente com as vivências de pessoas que, em diferentes períodos e locais, enfrentaram os desafios de uma vida marcada por pobreza, condições de trabalho precárias e migração, elementos da identidade brasileira desde sempre.
IV. PAPO DE SET
Confira a entrevista com Jefferson Cabral sobre Moventes. Conheça também o site do diretor.
Como surgiu a ideia de Moventes?
A concepção criativa do curta-metragem Moventes nasceu da busca pela memória da minha avó, Elfiza, que nunca conheci, pois ela faleceu três dias após o meu nascimento, em 1989, aos 71 anos de idade. A ficção foi uma tentativa particular de me aproximar dela por meio da representação audiovisual das lembranças que meu pai e meu tio reelaboraram ao longo dos anos – memórias que combinam admiração, saudade, alegria e esperança vividas entre as cidades de Natal (RN) e São Paulo (SP).
A partir desse desejo, reuni as histórias que ouvi do meu pai (João) durante a infância e a adolescência. E conversei com meu tio (José) e minha tia (Graça) sobre as suas experiências como migrantes na década de 1970. Meu pai relatava a sua vida como nordestino em São Paulo quase sempre em tom de advertência, carregando tanto discretas alegrias quanto grandes dificuldades cotidianas. Foram mais de três viagens de ida e volta, tentativas do meu avô (Manoel) de sempre seguir em busca de algo melhor.
Aos poucos compreendi que essas travessias familiares não eram experiências isoladas, mas parte de um movimento coletivo vivido por milhares de nordestinos que, impulsionados pela necessidade imediata, mas também por um projeto de país, realizaram o mesmo percurso em busca de sobrevivência e esperança.
Assim, com Moventes, propus-me a remediar, recriar e reinventar essas memórias, preenchendo os silêncios deixados pelo tempo e elaborando imagens que nunca foram registradas, mas que continuam a mover afetivamente a minha família e a de tantos outros nordestinos que migraram em busca de melhores condições de vida.
O curta-metragem trabalha com o gênero drama. Por que o uso desse gênero para contar essa história?
Escolhi o drama porque ele me permite acessar as emoções mais profundas dos personagens, explorando o que muitas vezes não é dito, apenas sentido na imagem. Em Moventes, o drama se expressa nos silêncios, nas pequenas ações do cotidiano, nas cartas narradas que atravessam o tempo e o espaço num movimento anacrônico.
O uso desse gênero foi essencial para tensionar a relação entre passado e presente, para tratar a migração não apenas como um deslocamento físico, mas como uma experiência emocional e sensorial complexa – presa à casa e não à viagem. Com isso, pude valorizar a densidade dos sentimentos, a saudade, o desejo de permanência e a necessidade de partir, que ganham mais profundidade quando tratados pela lente dramática.
Qual é a importância de abordar o tema da migração hoje?
Para mim, falar sobre migração hoje é fundamental, pois, embora os grandes fluxos migratórios nordestinos do passado tenham diminuído, o movimento, o deslocamento e a busca por melhores condições de vida continuam a fazer parte da nossa realidade contemporânea. Seja no Brasil ou em outros lugares do mundo, no passado ou no presente, diferentes gerações carregam consigo memórias de experiências migratórias – um traço comum que nos une enquanto seres históricos.
Moventes é uma tentativa de relembrar essas histórias, de dar visibilidade aos sentimentos de dúvida, medo, resistência e esperança que atravessam gerações. No Brasil, ainda precisamos preencher muitas lacunas e silêncios históricos. E acredito que revisitar as dores e os afetos dos nossos antepassados é uma forma de construir novas narrativas, mais sensíveis e mais justas sobre quem somos.
Quais preocupações estéticas e políticas permearam o desenvolvimento da obra?
No campo estético, optei por trabalhar com o anacronismo – misturando elementos antigos e contemporâneos na composição das imagens – para criar uma temporalidade indefinida, mas capaz de comunicar a sobreposição dos tempos vividos por essa família. Não busquei reconstruir a década de 1970 com rigor histórico, mas sim criar uma sensação de memória viva, em constante movimento entre passado e presente, materializada nos objetos da casa, no figurino, na fotografia e na iluminação.
Politicamente, Moventes é também um gesto de reflexão sobre o Brasil em 2022, um país marcado, naquele momento, pelas consequências do isolamento social provocado pela pandemia de covid-19. O curta busca dar centralidade aos sentimentos frequentemente silenciados das pessoas empobrecidas, especialmente das populações migrantes, reconhecendo a dignidade e a complexidade das emoções que atravessam suas vidas. Cada escolha visual, sonora e narrativa foi cuidadosamente pensada para fazer ecoar essas existências que continuam ressoando no Brasil atual.
Como você descreve a família retratada no curta?
A família retratada no curta-metragem é, para mim, um reflexo de tantas outras famílias migrantes: unidas pela partilha dos espaços, pela força dos afetos e pela esperança de um futuro melhor, mesmo diante das dificuldades externas e das sombras internas. É o desejo de seguir tentando, acima de tudo.
Eles vivem em uma casa pequena, com pouca privacidade, mas repleta de presenças – algumas visíveis no espaço, outras ausentes pelo tempo. A rotina da casa e a repetição dos dias são marcadas pelo desejo de partir, pela dúvida, pela espera e pelo cuidado.
Construir essa família, em sua simplicidade e profundidade, foi uma tentativa de carregar a experiência coletiva de tantas vidas atravessadas pela migração – baseada naquilo que é particular em minha história familiar. Mais do que representar um núcleo isolado, eles simbolizam um tecido social mais amplo, no qual a resistência cotidiana e o amor silencioso tecem as bases da memória e da identidade, mesmo diante da repetição dos dias e do vazio deixado pelas partidas.
>>Confira o roteiro de Moventes
V. SOBEM OS CRÉDITOS
A EDIÇÃO do Nordeste. Direção: Pedro Fiuza. Rio Grande do Norte: Casa da Praia Filmes, 2024.
ARÁBIA. Direção: Affonso Uchôa e João Dumans. Minas Gerais: Katásia Filmes e Vasto Mundo, 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2018. Disponível em: gov.br/mec/pt-br/escola-em-tempo-integral/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal.pdf. Acesso em: 28 abr. 2025.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: Computação – Complemento à BNCC. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2022. Disponível em: portal.mec.gov.br/docman/fevereiro-2022-pdf/236791-anexo-ao-parecer-cneceb-n-2-2022-bncc-computacao/file. Acesso em: 28 abr. 2025.
BRASIL. Ministério da Educação. Proposta curricular para a Educação de Jovens e Adultos: segundo segmento do Ensino Fundamental (5ª a 8ª série): introdução. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2002. Disponível em: portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/eja_livro_01.pdf. Acesso em: 28 abr. 2025.
ELES NÃO usam black tie. Direção: Leon Hirszman. Rio de Janeiro: Leon Hirszman Produções e Embrafilme, 1981.
FERRO, Marc. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 10. ed. São Paulo: Ática, 2020.
KOSSOY, Boris. Fotografia & história. 2. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
MOVENTES. Direção: Jefferson Cabral. Rio Grande do Norte: casaquatroseis, 2023.
MINIBIOGRAFIA DO ELABORADOR
Jefferson Cabral (ele/dele) é pesquisador e realizador audiovisual residente em Natal (RN). Atua, desde 2018, em projetos que investigam as relações entre memória e cidade, com foco na utilização de imagens de arquivo como ferramenta criativa. É formado em história e comunicação social/audiovisual, com especialização em cinema e mestrado em estudos da mídia, todos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Foi professor de história nos anos finais do Ensino Fundamental, no Ensino Médio e na Educação de Jovens e Adultos em escolas públicas de Natal. Transita, atualmente, entre pesquisa acadêmica e realização e distribuição de curtas-metragens.