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Sustentabilidade cultural | Financiamentos criativos

Jonaya de Castro comenta a pesquisa que está realizando sobre modelos de financiamento de projetos socioculturais (crowdfunding e...

Publicado em 08/09/2016

Atualizado às 10:30 de 03/08/2018

Jonaya de Castro comenta a pesquisa que está realizando sobre modelos de financiamento de projetos socioculturais (crowdfunding e matchfunding), fala daqueles já praticados no Brasil, de seus resultados, e compartilha sua percepção de como as pessoas e as empresas se relacionam com essas plataformas de financiamento. A pesquisa estará disponível a partir de setembro no labExperimental.

Jonaya de Castro coordena pesquisa sobre matchfunding e é idealizadora do labExperimental, onde desenvolve outras pesquisas e projetos culturais. Foi coordenadora do Núcleo de Ação Cultural dos CEUs Navegantes e Três Lagos, no Grajaú, e das secretarias de Educação e Cultura de SP (2003 a 2009), além de ter integrado a Cátedra Unesco de Cultura e Desenvolvimento (2008).

Por Andréia Briene

Você poderia contar um pouco da pesquisa que está desenvolvendo sobre formas criativas de financiamento a projetos socioculturais, comentando a diferença entre crowdfunding e matchfunding, os objetivos, impactos e consequências de cada?

Estamos desenvolvendo uma pesquisa sobre matchfunding, que é uma modalidade de financiamento misto, metade vem da sociedade civil, ou seja, de pessoas físicas, e a outra metade, de alguma empresa. A ideia é 1x1: cada parte que uma pessoa doe a empresa também doa. Existem variações, a empresa pode querer contribuir com uma porcentagem maior ou menor do que metade, 20% ou 30%, por exemplo. Depende muito de como o projeto de matchfunding é elaborado e proposto, mas a ideia genuína é que a captação seja dividida entre esses dois setores. O crowdfunding vem da ideia de captação diretamente com pessoas físicas dispostas a fomentar um projeto através de financiamento coletivo; o matchfunding potencializa esse financiamento, envolvendo o fomento de parte significativa através de pessoas jurídicas.

O objetivo da pesquisa é traçar um cenário de potência para o desenvolvimento do financiamento coletivo no Brasil, conversando com as empresas. O setor empresarial ainda engatinha na cultura de financiamento direto e na responsabilidade social. Enxergamos no matchfunding uma possibilidade de potencializar a conexão direta entre os projetos e os apoiadores, pessoas físicas e empresas.

Por outro lado, as empresas interessadas em fomentar a cultura poderão se deparar com diversas ideias inovadoras, originais, que teriam dificuldade de entrar em processos de editais, mas que no universo do financiamento coletivo podem se expressar com mais espontaneidade. O impacto do matchfunding pode ser surpreendente para o fomento de projetos culturais. E, com o apoio da comunidade interessada, simultaneamente vai potencializando o projeto com dinheiro das empresas. Sendo otimista, espero que as empresas se tornem cada vez mais sensibilizadas em apoiar financeiramente a produção cultural sem tantos meandros burocráticos, respeitando cada vez mais a originalidade e a inovação de cada um.

Como você avalia hoje as principais plataformas de crowdfunding e matchfunding? E quanto à sustentabilidade dessas plataformas?

Não temos um modelo único de sustentabilidade de plataformas de crowdfunding no Brasil, o que é muito interessante, porque estamos vendo diferentes formas de essas ferramentas se manterem. Temos o modelo do Catarse ou do Kickante, que cobram dos projetos suas taxas administrativas. Há modelos como o Juntos, que é uma plataforma que não cobra do usuário, ou seja, dos realizadores de projetos, e vive de financiamentos de organizações e de prêmios, por ser um modelo de negócios visto como mais solidário, justamente por funcionar nessa lógica (sempre há a taxa do meio de pagamento). Há o modelo do Benfeitoria, que também não cobra do usuário, mas abre a possibilidade de os projetos, após sua captação, pagarem à plataforma, ou se capitalizarem através de novas demandas que surgem a partir do crowdfunding, como é o caso do matchfunding, prestando um serviço às empresas interessadas nesse modelo.

Como esse cenário ainda é muito novo por aqui, vemos que essa gama de modelos pode ser rica, para trazer diversidade tanto aos formatos de ferramentas quanto às opções aos usuários, que podem escolher pagar pelos serviços de uma plataforma, caso se mostre vantajosa (com mais plugins, comunicação mais incisiva, mais aplicativos de expansão e conexão de redes virtuais ou outras funcionalidades variadas), ou podem escolher não pagar por serviços e utilizar um sistema menos sofisticado, que lhes dê o básico para a captação (sistema de transação financeira e uma página on-line para o seu projeto ficar público). Cada vez mais plataformas e mais projetos estão buscando essa forma de arrecadação, ampliando por consequência o número de doadores e a cultura do financiamento colaborativo.

Do seu ponto de vista, como as pessoas em geral se relacionam com essas formas de financiamento coletivo?

Quando você apoia um projeto via crowdfunding, acredita nele. Você quer ver o resultado, torce, acompanha o desenvolvimento. Isso é o mais legal. E, com o matchfunding, achamos que vai acontecer o mesmo: um entusiasmo pelo projeto, tanto das pessoas da sociedade civil quanto daquelas da empresa apoiadora. Porque, em qualquer lugar, somos sempre pessoas por trás de marcas.

Quem é usuário frequente do financiamento colaborativo, seja como um realizador de projetos, seja como um doador, costuma ter confiança nesse sistema, inclusive orgulho por poder ser também um impulsionador de inovação. O envolvimento de um doador financeiro costuma ser maior que o de um replicador de conteúdo on-line, que tem sua importância, mas costuma ser menos participativo.

Como essa realidade no Brasil ainda não é de milhões de doadores frequentes, vemos que há um caminho longo pela frente de conquista e manutenção de público, que precisa não somente ser sensibilizado pela campanha do amigo ou do vizinho, mas também por causas, ativismos e realidades que também querem construir. A realidade do "nós podemos fazer muitas coisas com a participação de muitos" precisa se tornar popular não apenas entre as pessoas que gozam de uma vida financeira mais estável, mas entre todos, porque o financiamento colaborativo está muito associado a recursos financeiros, mas pode ser expandido para outras formas de envolvimento que incluem doações de tempo ou de conhecimentos específicos, apoios em materiais ou insumos. Há possibilidades para cofinanciar de outras formas a concretização de projetos e ações. Nesse contexto, acreditamos que a tendência é termos cada vez mais entusiastas de processos desse tipo.

Você conhece algum mapeamento ou pesquisa sobre os impactos desses financiamentos na realização de projetos com produtores independentes e que muitas vezes não conseguem recursos via Lei Rouanet?

Existem algumas pesquisas brasileiras sobre os proponentes de projetos de financiamento coletivo, mas não necessariamente um recorte de quem não conseguiu esse recurso via Lei Rouanet. Uma pesquisa realizada em 2013 revelou dados bem interessantes da categoria profissional dos proponentes dos projetos no Catarse: no ranking dos quatro primeiros, temos 10% de comunicação e jornalismo, 10% de administração e negócios, 10% de web e tecnologia e 9% de artes, ou seja, artes e o campo cultural ocupam uma parcela pequena desse tipo de financiamento. Talvez por ser um campo já mais acostumado ao processo de editais. Já a mídia livre e os projetos de web não encontram tantos editais e, por isso, somados, dão mais de 20% do bolo do crowdfunding nesse caso. Tem uma questão interessante também que é a distribuição geográfica das iniciativas: 63% dos proponentes estão na região Sudeste, enquanto apenas 1% está no Norte. São mais homens (59%) do que mulheres (41%). Outras pesquisas indicam que, em 2015, foram mais de 60 milhões de reais captados em todas as plataformas.

Para você, qual é o principal fator que faz com que as pessoas inscrevam seus projetos nessas plataformas de financiamento? E qual é o perfil das pessoas que apoiam por meio dessas plataformas?

Vários fatores. O primeiro é não se enquadrarem nos editais. Uma galera se juntou e comprou o Ônibus Hacker pelo Catarse. Já viu algum edital permitir a compra de um ônibus? Hacker? Não, né?! A autenticidade das propostas é o fator número um. Outra questão é querer ser apoiado exclusivamente pela sociedade civil. De maneira generalizada, marcas não são muito amigáveis a projetos culturais com debates políticos explícitos, o que é uma pena para o desenvolvimento da democracia. Eu vejo quase nenhuma empresa se envolvendo com mídia livre, e isso seria um salto qualitativo imenso na cultura da liberdade de expressão do Brasil. Tem também a questão de que, às vezes, o tempo do edital não corresponde à urgência de desenvolvimento de um projeto, e não dá para esperar. Colocaria aqui também como um dos fatores a insuficiência de verba pública (editais) para a potência da cultura do Brasil, e o crowdfunding é uma opção de captação criativa que amplia o fomento.

Como essas formas de financiamento podem ajudar a desenvolver políticas públicas?

A hora em que a sociedade perceber o potencial real do crowdfunding e do matchfunding, acreditamos que poderemos influenciar muito as políticas públicas, já que a autonomia da sociedade civil pode trazer reflexões/dinamicidades e, como otimistas que somos, mudanças na forma de operar e consolidar as políticas públicas. Só para deixar claro, não estamos falando de estado mínimo, nem nada que caminhe nessa linha, porque há setores em que o investimento estatal é vital e ainda acreditamos nele como regulador da sociedade e responsável por muitas coisas no que tange ao desenvolvimento coletivo e a distorções de desigualdades.

Mas há exemplos como uma ponte no Rio de Janeiro construída com uma vaquinha entre vizinhos que custou 5 mil reais, numa obra que tinha sido orçada em 2 milhões de reais pelo poder público. Isso, para mim, é política pública: resolver um problema urbanístico da cidade.
No campo da cultura, por exemplo, temos editais que deixam de fora muitos projetos incríveis, por terem uma verba limitada. Imagina se pudéssemos apoiar uma parte significante da lista de espera do VAI, em São Paulo, que foi de mais de 1.200 projetos? O VAI é um edital da Secretaria de Cultura voltado para jovens e não tão jovens, cujo aporte é de dois tipos de valores, entre 35 e 72 mil reais, verbas bem alinhadas com as praticadas em crowdfunding, e que facilmente podem dialogar com um matchfunding.

Tendo como base a pesquisa que está realizando, quais são as suas percepções de como as instituições (ou espaços mais institucionalizados) compreendem essas formas de financiamento?

Nas entrevistas que fizemos com tomadores e tomadoras de decisão de grandes instituições, empresas e organizações, percebemos o pouco conhecimento dos mecanismos de financiamento coletivo, das suas plataformas de realização no Brasil e no mundo. Em linhas gerais, os gestores ainda carecem de ferramentas para fugir do tradicional patrocínio direto ou incentivo fiscal e partir para formas mais inovadoras e inusitadas. Isso quando existe vontade genuína e interesse em apoiar um projeto social e/ou cultural inovador, o que infelizmente ainda é raro.
No entanto, quando os entrevistados eram apresentados às possibilidades e potencialidades existentes, bem como aos cases de sucesso do mercado, o crowdfunding e o matchfunding se mostravam soluções para muitos desafios relacionados à curadoria e à otimização do orçamento da área. Esse entusiasmo encontrado após a apresentação nos trouxe a clareza de que existe uma oportunidade real de desenvolvimento de mais e mais ações nesse sentido, bem como a necessidade de articulação de outros atores desse setor.

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