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Cultura acessível: curadoria, comunicação e formação de público

Viviane Panelli Sarraf Introdução O desenvolvimento de ações de acessibilidade para pessoas com deficiência e novos públicos em espaços...

Publicado em 10/09/2015

Atualizado às 14:58 de 13/08/2017

Viviane Panelli Sarraf

Introdução

O desenvolvimento de ações de acessibilidade para pessoas com deficiência e novos públicos em espaços culturais, incluindo os centros de memória institucionais, é uma demanda que vem se tornando cada vez mais presente na área de cultura e preservação do patrimônio.

Uma das maneiras de promover a mudança cultural nos métodos de preservação e difusão do patrimônio dessas organizações é desenvolver ações de curadoria acessível. Essa forma de curadoria, bastante recente, promove o protagonismo (e nele acredita) de indivíduos que são representantes dos novos públicos de cultura, como as pessoas com deficiência, os idosos, as crianças pequenas, as populações carentes e os povos nativos (no Brasil, as etnias indígenas).

Nessas ações, identificadas como projetos participativos, representantes desses públicos trabalham em conjunto com os profissionais dos espaços culturais, compartilhando responsabilidades e decisões. Essa é uma forma inusitada de promover aproximação e obter mais informações sobre novos públicos. Os projetos de exposição, ação educativa, documentação e ação cultural resultantes dessa abordagem concretizam as diretrizes da acessibilidade cultural correspondendo às necessidades e aos anseios dos públicos beneficiados.

Patrimônio cultural, participação e acesso

As instituições que promovem o envolvimento do público nos procedimentos museológicos de pesquisa, coleta, salvaguarda e ação cultural, até então reservados unicamente ao conhecimento e à tomada de decisão de profissionais altamente especializados, admitem que os indivíduos que formam seu público possuem conhecimentos e habilidades válidas para auxiliá-los a preservar e a comunicar o patrimônio cultural, que por sua vez pertence à comunidade. É uma nova postura, que investe nos benefícios de compartilhar o poder de decisão sobre o que é patrimônio e como apresentá-lo aos seus pares, levando em consideração os conhecimentos de indivíduos da sociedade.

A construção do patrimônio cultural é um direito do cidadão. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento de 1948 de referência para a garantia dos direitos do homem, afirma no artigo 27: “Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios”.

Assim, é possível afirmar que todos os indivíduos, independentemente de sua origem, classe social, experiência prévia, aquisição de deficiência ou quaisquer outros fatores socioeconômicos que os identifiquem como minorias ou integrantes de populações socialmente excluídas, têm o direito de usufruir e participar da construção do patrimônio cultural. Nesse sentido, promover a acessibilidade nos espaços culturais para pessoas com deficiência e novos públicos e propiciar o protagonismo deles é trabalhar pela garantia do direito de participação de todo ser humano na vida cultural da comunidade.

As adequações promovidas pelo conceito de acessibilidade não são necessidade exclusiva das pessoas com deficiência física, visual, auditiva, múltipla e intelectual. Acessibilidade significa: garantia do direito de alcançar, perceber, usufruir e participar de tudo que é oferecido com respeito, dignidade e sem barreiras físicas, de comunicação, de informação e de atitude. A aplicação da diretriz em ambientes, ações culturais, serviços e produtos promove o acesso livre de barreiras nos espaços culturais e nos centros de memória.

Os recursos e as atividades desenvolvidos para beneficiar pessoas com deficiência, crianças e idosos beneficiam os demais visitantes:

As adequações físicas – como rampas, elevadores, pavimentos sem degraus, passagens e portas mais largas, altura de balcões mais baixa e sanitários maiores – beneficiam famílias com bebês e crianças pequenas, bem como pessoas com dificuldade temporária de locomoção, e proporcionam um percurso ergonômico a todos os indivíduos.

As adequações de comunicação – como legendas em português em filmes e vídeos, audiodescrição, materiais de mediação multissensoriais e guias de visitação auditivos e multimídia – melhoram as visitas de crianças em fase de alfabetização, de imigrantes que ainda não são fluentes na língua portuguesa e de pessoas que possuem diferentes formas de conhecer o patrimônio cultural.

A eliminação de barreiras de atitude nas formas de relacionamento com o público contribui para um ambiente mais acolhedor e convidativo para todos os visitantes, independentemente de diferenças sociais e preferências individuais.

Considerando que o acesso às coleções nas principais ações de extroversão dos espaços culturais se dá pelas exposições, para eliminar as barreiras de acesso ao conteúdo delas é necessário o uso de tecnologias assistivas, criatividade, recursos de comunicação multissensoriais e abordagens que considerem as diferenças dos indivíduos (pessoas com perdas sensoriais, transtornos de desenvolvimento, sofrimento psíquico, dificuldades de aprendizado e convívio).

Levando em consideração a complexidade de formas de comunicação, locomoção, aprendizagem, preferências e identidades desses indivíduos que configuram os novos públicos dos espaços culturais,podemos afirmar que a participação em propostas de preservação e comunicação com base nas coleções de museus e a garantia de participação na construção do patrimônio cultural são novos desafios para as organizações e para seus profissionais.

No Plano Nacional Setorial de Museus, redigido e monitorado pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), um dos órgãos pertencentes ao Ministério da Cultura (MinC), é possível encontrar várias afirmações que dizem respeito à garantia dos direitos de acesso e participação da sociedade na construção do patrimônio.

Sobre a participação de membros da comunidade nos processos de curadoria de coleções e ações culturais, o documento afirma que é necessário promover a “consolidação de estratégias de exposição e comunicação que conjuguem mostras itinerantes e [a] utilização de meios midiáticos comunitários que promovam a interação com a população, inclusive no processo de elaboração da exposição” (BRASIL, 2010).

A dimensão participativa nas práticas curatoriais traz como benefício a fidelização e a formação de novos públicos, que potencializam a função social dos espaços culturais e dos centros de memória, colaborando para o desenvolvimento do pertencimento, para a criação de sentidos e para o uso e a apropriação de seus espaços com finalidade de convívio, lazer e crescimento cultural.

Conclusão

Desde o início do século XXI, as políticas culturais, as instituições e os movimentos sociais vêm aproximando novos públicos, como as pessoas com deficiência, do universo cultural por meio de ações educativas e programações acessíveis.

A participação dos indivíduos que representam os novos públicos em propostas de curadorias participativas e acessíveis resulta na compreensão de suas necessidades e de seus anseios, pois só é possível conhecê-los verdadeiramente por meio de ações de aproximação e convivência em que seja possível ouvir e compartilhar experiências e conhecimentos.

A construção e a comunicação do patrimônio cultural protagonizadas por indivíduos representantes dos novos públicos têm como resultado a transformação dos museus em espaços mais acessíveis para todos os visitantes.

Referências

BRASIL. Ministério da Cultura. Instituto Brasileiro de Museus. Plano Nacional Setorial de Museus – 2010/2020. Brasília: MinC/Ibram, 2010.

BRUNO, Maria Cristina Oliveira (Ed.). Waldisa Rússio Camargo Guarnieri: textos e contextos de uma trajetória profissional. Colaboração Maria Inês Lopes Coutinho, Marcelo Mattos Araújo. São Paulo: Pinacoteca do Estado: Secretaria de Estado da Cultura: Icom – Brazilian Comitee, 2010.

_______. Políticas públicas no Brasil contemporâneo: qual é o papel dos museus e dos centros de memória? Cadernos Tramas da Memória, v. 1, p. 115-126, 2011.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>.

SARRAF, Viviane Panelli. A comunicação dos cinco sentidos nos espaços culturais brasileiros: estratégias de mediações e acessibilidade para as pessoas com suas diferenças. 2013. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica)–Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.

_______. Acessibilidade para pessoas com deficiência em espaços culturais e exposições: inovação no design de espaços, comunicação sensorial e eliminação de barreiras atitudinais. In: CARDOSO, Eduardo; CUTY, Jeniffer (Org.). Acessibilidade em ambientes culturais. 1. ed. Porto Alegre: Marca Visual, 2012. v. 1, p. 60-79.

_______. Acessibilidade em espaços culturais: acessibilidade cultural na prática. In: Guia de Acessibilidade Cultural/SP, São Paulo, v. 2, 2014. Disponível em: <http://acessibilidadecultural.com.br/artigos/artigo.php?id=423&/acessibilidade-em-espacos-culturais-acessibilidade-cultural-na-pratica>.

SARRAF, Viviane Panelli; BRUNO, Maria Cristina de Oliveira. Cultural heritage, participation and access. Museum International, v. 65, p. 93-105, 2013.

UNESCO. Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, 2002.


Viviane Panelli Sarraf é pesquisadora de pós-doutorado e professora colaboradora do programa de pós-graduação de interunidades em museologia da Universidade de São Paulo (USP). Diretora técnica da empresa Museus Acessíveis e coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa de Acessibilidade em Museus (Gepam), da USP. Atua nas áreas de museologia e acessibilidade cultural há 17 anos. Foi responsável pela criação, pela coordenação e pela curadoria do Centro de Memória Dorina Nowill. Contato: viviane@museusacessiveis.com.br.

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