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Violonista Marcelo Ozorio explora e homenageia as raízes do rock com o projeto Ozorio Trio

Em entrevista, o músico fala sobre o recém-lançado “Big Town”, segundo disco do grupo

Publicado em 08/04/2020

Atualizado às 14:24 de 07/01/2022

por Thiago Rosenberg

O rock, como tantos gêneros musicais e botânicos, tem frutos e raízes. Foi entre os primeiros que Marcelo Ozorio começou sua carreira, em bandas como Labo e Jumbo Elektro – essa última um septeto que, com o new wave, o electro-rock e o punk rock entre as referências, fazia canções em alemão, espanhol, francês, inglês e japonês, tudo na base do “embromation” (aquele discurso que de determinado idioma tem quase que só o jeito de falar). Hoje, no entanto, o músico paulistano se dedica sobretudo às raízes do rock: depois de passar uma temporada no meio rural, ele trocou a guitarra pelo violão e formou o Ozorio Trio, projeto que bebe em fontes como o folk norte-americano.

Recém-lançado em março de 2020, o segundo disco do grupo, Big Town, seria apresentado em show no Itaú Cultural (IC), mas, para atender às medidas de contenção da pandemia de coronavírus, a programação foi suspensa. Na entrevista a seguir, Marcelo comenta a origem e alguns dos aspectos centrais do trabalho da banda – que, diferentemente do que o nome sugere, não tem uma formação fixa e funciona tanto como um trio de fato quanto como um conjunto de 12 ou mais músicos. “O importante é fazer um som com quem estiver disponível, praticar a música com o intuito de comunhão entre as pessoas”, diz ele.

Este texto integra uma série de conversas com artistas que se apresentariam no IC nas próximas semanas. São conteúdos pensados para ser desfrutados de longe, em casa.

O violonista Marcelo Ozorio, fundador do Ozorio Trio (imagem: Felco)

Em 2008, você se mudou da sua São Paulo natal para um sítio perto de Curitiba, certo? Em que medida essa mudança de ambiente alterou a sua relação, pessoal e profissional, com a música?

Fui morar em um viveiro de plantas, uma antiga chácara, em São José dos Pinhais, no Paraná, e depois me mudei para Curitiba. O início dessa experiência foi dos momentos mais importantes, tudo era novidade, e isso afetou completamente a minha maneira de olhar para a vida. Apesar do cotidiano diferente, não me desliguei profissionalmente da música, e acredito que naquele momento a minha relação pessoal com ela era muito íntima.

Gravava em fitas cassete melodias e ideias tocadas no violão, passava noites praticando, improvisando e gravando. Eu não tinha internet e não existiam smartphones; tocar violão e criar melodias me colocava em contato com tudo de que eu precisava.

Os grupos que você integrou antes de formar o Ozorio Trio tinham algo a ver com o projeto atual?

As bandas que integrei anteriormente tinham muito pouco a ver com o Ozorio Trio. Elas eram influenciadas basicamente por vertentes mais recentes do rock, como o new wave e o pós-rock, enquanto meu projeto atual foi criado justamente a partir do que havia antes do rock, a fonte disso tudo: o folk norte-americano, o delta blues, mas também um pouco da nossa sonoridade caipira.

(imagem: Felco)

Ainda considera (ou espera) outra dessas mudanças de rumo? Houve algo desse tipo entre o primeiro disco do Ozorio Trio, de 2015, e o álbum que acaba de ser lançado?

Espero e gostaria que sim. Mudar de rumo me fez criar uma obra, algo que ainda não havia feito nem imaginava que faria. Foi um processo muito rico que envolveu criação, produção, paciência, perseverança, pesquisa, administração, sensibilidade, espiritualidade e muita sorte de poder contar com os artistas e amigos que participam das gravações e dos shows.

Os dois álbuns do Ozorio Trio são especialmente interligados. Os shows e o projeto em si tiveram início em 2013, quando comecei as gravações desse segundo disco, Big Town. Mas em abril de 2014 decidi fazer uma gravação ao vivo, acústica e analógica, em gravador de rolo e sem edições ou overdubs [confira o vídeo abaixo], justamente para publicar antes um primeiro disco mais simples, sem muita produção e com a originalidade de um primeiro take. Há até algumas músicas que foram tocadas pela primeira vez durante a própria gravação.

Em Big Town fiz o oposto disso. O álbum teve uma produção muito maior, contou com diversas participações e muitas sessões de gravação. Passei por sete estúdios em três cidades. Foram sete anos para produzir esse trabalho, enquanto o primeiro disco foi gravado em uma tarde.

O Ozorio Trio não é um trio?

Pois é... Não é. Mas pode ser. Às vezes é. O termo trio indica um conjunto musical. Os shows chegam a ter 5, 8, 12 ou mais músicos no palco, e, além disso, não existe uma figura central marcante – há uma cobrança para que essa figura seja identificável, mas não acho necessário. É uma forma de respeitar como realmente sou e o que o projeto realmente é. Respeitar que, antes de mim e das minhas composições, existem técnicas, afinações e dedilhados tradicionais que me tocam profundamente e me inspiram para criar um repertório. Ozorio Trio é a identidade que recebe essas entidades.

De fato, no início, imaginei que montaria um pequeno trio para ser versátil e poder circular o máximo possível. Logo isso se mostrou sem importância, não havia razão para ter uma formação fixa. O importante é fazer um som com quem estiver disponível, praticar a música com o intuito de comunhão entre as pessoas.

Depois de um tempo notei que o “trio” estava em muitos outros elementos importantes do projeto: sou sobrinho-neto dos irmãos Osório [Afonso, Armando e Stênio], fundadores do Bando da Lua [conjunto vocal em atividade entre 1929 e 1955]; o dedilhado popular no violão usa apenas três dedos; entre outras coincidências.

Gosto da ideia de desarticular essa obviedade. Ozorio Trio não é um trio.

A música que ouvimos no disco segue sendo a mesma quando executada ao vivo, para uma plateia? O que muda (se muda) entre um contexto e outro?

Agora, com o Big Town publicado, já posso dizer que sim: as músicas do show são as mesmas do disco. O que pode mudar é a formação do conjunto ao vivo, pois a gravação do disco contou com quarteto de cordas, naipe de trompas, três cantores diferentes, pianos, e nem sempre é possível fazer isso num show.

Nestes dias em que o isolamento social se faz necessário para conter a propagação do novo coronavírus, você poderia nos indicar um álbum, um filme ou série e um livro?

Um álbum: Viva Garoto – Gravações Originais (1993). É tocante ouvir o violão solo revolucionário de Garoto nessas gravações de 1950, que ele realizou com o pretexto de presentear um amigo. As melodias são lindas e os títulos das músicas sugerem canções, que de fato são. Além da beleza, fica clara a transição entre o erudito e o popular que essas gravações revelam.

Um livro: Gente Humilde – Vida e Obra de Garoto (2012), de Jorge Mello. Baseada no diário do próprio Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, essa publicação é, até onde sei, a primeira e única biografia dele. Garoto integrou a orquestra dirigida por Radamés Gnatalli na Rádio Nacional e depois chegou a ter seu próprio programa, no qual tocava suas músicas. Acompanhou Carmen Miranda e tocou com meus tios-avós no Bando da Lua, fez turnê nos Estados Unidos e ganhou prêmios. Uma carreira intensa e prolífica interrompida por uma morte precoce.

Um filme: Cassette: a Documentary Mixtape (2016), de Zack Taylor. O documentário reúne entrevistas com músicos e outros artistas adictos da fita cassete – inclusive o próprio criador dessa mídia, o holandês Lou Ottens. Nunca deixei de usar essas fitas, especialmente para registrar composições e criar músicas mais experimentais e lo-fi, com poucos recursos. Sempre gravei caseiramente para presentear amigos e distribuir as músicas; logo passei a fazer isso com o Ozorio Trio, criando compilações e desenhando as capas uma a uma.

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