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Gestão compartilhada: Centro Cultural Casarão e os coletivos

Conversamos com o Coletivo Casarão sobre a gestão do Centro Cultural Casarão, sediado no distrito de Barão Geraldo, em Campinas (SP)

Publicado em 14/11/2018

Atualizado às 15:22 de 04/12/2018

Tambor de Criola União de São Benedito (imagem: Marli Wunder)


O Coletivo Casarão é formado por artistas, arte-educadores, moradores do entorno e demais pessoas que usufruem, atuam e/ou apoiam o Centro Cultural Casarão. É aberto e tem o objetivo de agregar pessoas e grupos interessados em consolidar o Casarão do Barão como centro cultural. A entrevista foi realizada com os integrantes Alexandre Freire, Alik Wunder, João Arruda e Neusa Aguiar. Confira a seguir.

Como funciona o Centro Cultural Casarão em relação ao Poder Público? E a relação com os coletivos que estão atuantes nele?

O Centro Cultural Casarão é um espaço público que há sete anos tem experimentado a gestão compartilhada entre um coletivo e a Secretaria Municipal de Cultura de Campinas. No seu entorno há uma área de preservação permanente com mata em regeneração e um grande lago com água limpa, uma raridade na cidade de Campinas. A área pertencia a uma fazenda de cana de açúcar e foi doada à prefeitura em 2005, na gestão do prefeito Antonio da Costa Santos (Toninho), como contrapartida do loteamento do bairro. Desde então o Centro Cultural Casarão funciona como equipamento público comunitário sob os cuidados diretos de Neusa Aguiar, conhecida como Neusinha, funcionária da Secretaria Municipal de Cultura.

Em 2011, a prefeitura de Campinas publicou no Diário Oficial a intenção de doação do espaço a um clube privado. Como resposta, um grupo de artistas, educadores, moradores e funcionários públicos se mobilizou contra a doação, ocupando o espaço e fundando, em julho de 2011, o Coletivo Casarão. Vale destacar que Neusinha, em seus 13 anos de atuação no Casarão, teve o importante papel de agregar pessoas a um movimento comunitário de ação cultural, que possibilita esse singular modo de gestão compartilhada entre o Poder Público e moradores da cidade.

Desde então o Coletivo Casarão agrega grupos e pessoas interessadas em consolidar o Casarão como centro cultural público. É um coletivo aberto, formado principalmente por artistas de diversos segmentos – música, teatro, circo, artesanato – que usufruem do Centro Cultural Casarão para a realização de ensaios e projetos, bem como por outros artistas, produtores culturais, pesquisadores, educadores e moradores de Barão Geraldo interessados na experimentação de novas formas de gestão e de vivências comunitárias.

A prefeitura de Campinas provê uma parte da manutenção básica do espaço, com o pagamento de água, luz e telefone, bem como dois funcionários (Neusinha e Rubens, transferido neste ano), que com o coletivo realizam sua gestão.

Como essa parceria com a prefeitura ainda está sendo construída e negociada, o Coletivo Casarão promove reuniões quinzenais para a organização de agenda e gestão, distribuindo funções como o acompanhamento de espetáculos, a manutenção de equipamentos e estratégias de comunicação. Além disso, realiza movimentos para a manutenção da estrutura física dos prédios e dos jardins, como elaboração de projetos para a captação de recursos, campanhas e mutirões de trabalho para a manutenção física do espaço.

A diversidade do Coletivo Casarão – com artistas de várias linguagens, bem como profissionais de outras áreas – gera um ambiente heterogêneo, multifacetado e fértil que possibilita a experimentação criativa da gestão, além da formação de um público consciente e conectado com a proposta do espaço.

Hoje o Centro Cultural Casarão tem mais de 11 coletivos. Como é feita a seleção dos grupos/coletivos?

O Centro Cultural Casarão é um lugar de acolhida. Os grupos vão e vêm a seu tempo. Alguns estão desde antes de o Coletivo Casarão ser formado, outros passam por aqui em momentos necessários da vida, tudo fluido e orgânico. Hoje é formado por aproximadamente sete grupos (os grupos de teatro e circo Família Burg; Companhia Paraladosanjos; Nato – Núcleo Ascese de Teatro do Oprimido e Madalenas Ascese – Teatro das Oprimidas; os grupos de música e pesquisa com culturas tradicionais Flautins Matuá, Caixeiras da Guia e Grupo Maracatucá; o grupo de capoeira Semente do Jogo de Angola; e o grupo Entrefios e Memórias), bem como por pessoas comprometidas com a gestão do espaço.

Esses anos de experiência de gestão coletiva já nos possibilitaram a criação de alguns princípios comuns e regras de convivência que são apresentados aos que chegam, e sempre discutidos e reformulados. Não há um modelo de gestão pronto, mas uma ideia de experimentação e aprendizado com princípios, com os acertos e com os problemas que surgem. Não há seleção; existem princípios, e as pessoas que procuram o espaço, em geral, vêm sintonizadas a eles.

Um desses princípios é a gratuidade. Não recebemos eventos, cursos, oficinas e workshops que preveem pagamento de mensalidade ou entrada. Há espaços na cidade que cumprem essa função. Outro princípio é a vivência comunitária. Afirmamos a importância de que todos os integrantes dos grupos se comprometam de alguma forma com o lugar. Há muitas possibilidades de contribuição: organização de blog, divulgação das atividades, comunicação interna, cuidado com a casa e os jardins, acompanhamento de espetáculos, escrita de projetos, harmonização dos ambientes…

A ideia é somar e afirmar sentidos de vida comum hoje tão raros nos espaços urbanos. Não é um trabalho fácil nem sempre conseguimos realizar tudo com o que sonhamos e funcionar do jeito que desejamos. Os recursos financeiros são escassos e, por vezes, os humanos também. Há muita circulação de pessoas e uma necessidade de contínua reorganização e afinamento interno. No entanto, existe um núcleo de pessoas mais ativas que, nestes anos, ajudam a manter os princípios que nos norteiam e nos movem.

Oficina de panelas de barro com paneleiras do grupo Sabuká Kariri-Xocó (imagem: Alik Wunder)

Como é pensada a programação, considerando as diversas linguagens artísticas desses grupos?

As atividades que acontecem no Centro Cultural Casarão são muito variadas: aulas, cursos, encontros semanais; apresentações de teatro, dança, circo e música; ciclo de festas tradicionais; ensaios e grupos de estudos. Há algumas atividades fixas, como aulas de ioga, dança e capoeira, e também mostras e festivais contínuos.

Pensando na sustentabilidade do espaço, como é feita a sua gestão?

Com relação à sustentabilidade financeira, uma pequena mensalidade é cobrada dos grupos integrantes do coletivo, a qual custeia, principalmente, o serviço de uma faxineira uma vez por semana (a prefeitura não disponibiliza serviço de limpeza para o Casarão). Além disso, ao final dos espetáculos há um chapéu para receber contribuições espontâneas do público – 30% do valor arrecadado é revertido ao Casarão e 70% aos artistas (no caso de o espetáculo ser patrocinado por alguma lei de incentivo, todo o valor arrecadado é revertido). O coletivo também lança mão de campanhas de arrecadação para cobrir necessidades específicas, como a recente “Nessa Casa Tem Goteira”, que, por meio de financiamento coletivo pela internet, arrecadou recursos para a reforma do telhado da casa do Casarão.

Almoço comunitário (imagem: Alik Wunder)

Ainda sobre a questão da gestão, quais são os principais desafios em relação à manutenção desse espaço, levando em conta que o Centro Cultural Casarão é uma propriedade com mais de 14 mil metros quadrados?

Os desafios são muitos, e temos pessoas que gostam disso! Nesses oito anos, os grupos que aqui estão têm se organizado para conseguir suprir as necessidades diárias de manter um espaço como este em funcionamento. Desde manter as chaves em locais corretos e combinados até reformas estruturais que são necessárias há anos.

Em 2015 o trabalho do Coletivo Casarão e do Centro Cultural Casarão foi premiado pelo Ministério da Cultura com o prêmio Cultura de Redes – Fortalecimento de Redes Culturais do Brasil, e com o recurso recebido pudemos reformar completamente uma de nossas edificações, a atual Casa das Árvores. Estamos há dois anos em uma campanha para a arrecadação de recursos e recebemos doações de outros coletivos, de vários artistas e da sociedade civil em geral. Essas doações vieram em diferentes formatos – dinheiro, shows, festas, espetáculos, CDs e DVDs –, e também tivemos arrecadação virtual de dinheiro (crowdfunding – a mencionada campanha "Nessa Casa Tem Goteira") para realizar outras reformas estruturais.

O principal desafio é a falta de uma política pública que tenha um investimento em cultura de forma contínua e intersetorial, ou seja, que se relacione com as áreas de educação, saúde, esportes, áreas verdes. Também há pouco investimento público na manutenção dos equipamentos de cultura na cidade de Campinas, o que cria a necessidade de outros setores assumirem o papel de gestores públicos: setor privado e a sociedade civil organizada. Esse é um problema que vivemos em Campinas e em todo o país. A cultura não tem sido pensada como política pública contínua, intersetorial e descentralizada.

O coletivo busca afirmar o Casarão como espaço público e gratuito, de forma a resistir à lógica da privatização dos espaços de cultura da cidade. O recebimento da chancela do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ainda em processo, como Casa do Patrimônio Imaterial vem complementar todas as ações de encontros de diversidade que acontecem no Centro Cultural Casarão há muito tempo. Esperamos que com isso haja maior presença da prefeitura de Campinas, do Iphan e dos demais órgãos públicos para pensar o Casarão no cenário cultural da cidade e integrado a uma política cultural que envolva produção de cultura, movimento comunitário, aulas de arte e economia solidária.

Oficina de panelas de barro com paneleiras do grupo Sabuká Kariri-Xocó (imagem: Alik Wunder)

Como é a relação dos coletivos e do Casarão com os moradores do entorno? E quais são os principais desafios para a construção de políticas culturais que dialoguem com a diversidade cultural da cidade de Campinas? Pensando a cultura de forma transversal e presente em todos os âmbitos da vida social, vocês acreditam que possa haver caminhos possíveis para ampliar os diálogos entre diversas áreas do conhecimento de forma mais orgânica e sem delimitações?

A maior participação dos moradores do entorno acontece em atividades fixas, como nas oficinas e nas aulas. Os jovens e os adolescentes estão sempre presentes nos espetáculos de teatro e circo e no Ciclo de Festas com as brincadeiras do Quintal. Moradores do bairro que participam do coletivo têm contribuído para a efetivação de ações que visam a esse diálogo.

Campinas é uma cidade grande e múltipla. O Casarão se localiza em um extremo da cidade, perto de universidades e faculdades, mas sem grandes opções de lazer e cultura para a população que não está diretamente envolvida com tais instituições. Assim, cumprimos também a função de intermediar atividades fornecidas por membros dessas instituições de ensino, tornando-as mais acessíveis para a população de Barão Geraldo. O grupo Maracatucá, por exemplo, divulga o maracatu de baque virado por meio de oficinas, pesquisa, ensaios e apresentações. Grande parte de ex-integrantes do grupo foram alunos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que, terminando seus cursos, voltaram a suas cidades e lá formaram novos grupos, multiplicando essa vivência. Além disso, há várias atividades que se realizam com a Unicamp.

Há muitos desafios a suplantar para construirmos políticas culturais que deem conta da diversidade de uma cidade do tamanho de Campinas, a começar pela baixíssima prioridade com que o Poder Público trata as questões da cultura. O coletivo tem, ao longo de sua existência, mantido uma representação nos movimentos políticos da cultura na cidade, como na recente Conferência Municipal de Cultura, que tratou da reformulação do Conselho Municipal de Cultura e do Plano Municipal de Cultura, assuntos que dizem respeito, de forma direta, ao papel do Casarão na cidade. É importante dizer que a atuação do coletivo é baseada numa visão republicana, que assume que o Casarão, sendo um bem público, deve se abrir à participação direta da sociedade na sua gestão.

A ampliação do diálogo entre cultura e outras áreas de conhecimento passa por uma ação do Poder Público via políticas intersetoriais em troca constante com os conselhos de saúde, educação e cultura. As ações dos coletivos e dos grupos nos espaços são locais e podem se expandir e se fortalecer numa relação mais aprofundada com o Poder Público. Gostaríamos de caminhar por essas vias.

Assim, há ações no Casarão de mais de dez anos integradas aos centros de saúde, como a Roda Movimento Expressivo, aulas de ioga e o grupo Entrefios. Os grupos de teatro, em especial a Família Burg e o grupo Nato, realizam também, frequentemente, apresentações e oficinas de teatro e circo voltadas para as escolas públicas da cidade.

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