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Magiluth equilibra poéticas de luta e de afeto

Como artífices da arte de tentar e de errar, verbos incontornáveis aos trabalhadores do teatro, o...

Publicado em 07/05/2019

Atualizado às 17:54 de 27/08/2019

Por Encontro com Espectadores – Valmir Santos

Como artífices da arte de tentar e de errar, verbos incontornáveis aos trabalhadores do teatro, os atores Giordano Castro e Pedro Wagner falam com naturalidade a propósito dos fracassos que pontuaram a caminhada do Grupo Magiluth.

Durante o 28º Encontro com Espectadores, realizado em 28 de abril no Itaú Cultural, em São Paulo (SP), eles reconheceram que os malogros colecionados resultaram decisivos nos 15 anos do grupo de Recife (PE). A vocação para o risco foi uma constante nos modos de organização interna e nos procedimentos de criação e produção de seus espetáculos e intervenções urbanas.

A crítica teatral Maria Eugênia de Menezes e o ator Giordano Castro, do Magiluth (imagem: Ophelia)

Castro, por exemplo, se deu conta da impossibilidade de dirigir Apenas o Fim do Mundo, missão assumida nos primeiros ensaios com vistas ao novo espetáculo. A autocrítica e o recuo da função abriram espaço para a chegada dos diretores convidados Giovana Soar e Luiz Fernando Marques – aliás, ele também contribuiu com a nossa reflexão conjunta na tarde do último domingo do mês, assim como os demais atores da trupe pernambucana: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Lucas Torres e Mário Sergio Cabral.

De fato, o fôlego verbal exigido de quem atua na peça do francês Jean-Luc Lagarce se mostrou um ponto de inflexão no modo como o sexteto abraçou a força da palavra em cena – cabendo a Lucas a função de contrarregra. Um reflexo que Wagner atribuiu à maturidade técnica e à consciência de linguagem acumuladas em dez espetáculos trazidos à luz desde 2004.

Instigados pela jornalista e crítica teatral Maria Eugênia de Menezes e por perguntas e comentários do público que foi ao Itaú Cultural, os atores discutiram o quanto a ênfase na expressividade corporal deu lugar, com Lagarce, a sutilezas outras.

Montagens recentes, como O Ano em que Sonhamos Perigosamente (2015) e Dinamarca (2017), ambas dirigidas por Wagner e com Castro imerso nas dramaturgias, teriam radicado as estratégias pós-dramáticas e performativas, ampliando a condição de jogo, o estado de presença dos atuantes e o vínculo direto com os espectadores.

Essas características não foram apagadas, obviamente, mas são guiadas agora pela inexorabilidade do texto de Lagarce, lapidado no trabalho dos atores por Giovana Soar, que já traduzira a peça, montada em 2006 pela sua companhia brasileira de teatro, de Curitiba (PR).

E foram conduzidas ainda pela inexorabilidade do espaço da sala multiúso do Sesc Avenida Paulista, reinventado de forma singular, na concepção de Luiz Fernando Marques, do Grupo XIX de Teatro (SP), que desloca o público por diferentes níveis de pisos e corredores. Cada passagem tem a angulação editada pela disposição individual das cerca de 50 pessoas que cumprem o percurso coletivo. A intimidade gerada pelo acesso à “casa” constitui um dos dispositivos da encenação. 

“Se existe uma hierarquia neste projeto é a do espaço”, disse Pedro Wagner, contemporizando a proeminência da palavra.

 

O ator Pedro Wagner lembrou o quão importante foi falar sobre afeto, no processo de criação de Apenas o Fim do Mundo (imagem: Ophelia)

O Magiluth já incursionara por um texto pré-estabelecido e não criado pelos integrantes: O Canto de Gregório (2011), de Paulo Santoro, no qual o peso das ideias é fulgurante, com o personagem-título julgado por não ser considerado um bom homem e a contracenar com figuras como Jesus, Buda e Sócrates.

O enredo

No fiapo de enredo de Apenas o Fim do Mundo, cujas noções temporais e espaciais são subvertidas pelo autor, Luís é o protagonista que visita a casa da família onde não pisava havia mais de década. O que o motiva a se dirigir a eles, num domingo, é anunciar à mãe, à irmã, ao irmão e à cunhada a sua morte iminente. A peça de Lagarce foi adaptada ao cinema pelo canadense Xavier Dolan em É Apenas o Fim do Mundo, de 2016.

A finitude é uma das condições humanas abordadas na história concluída pelo dramaturgo em 1995, mesmo ano de sua morte, aos 38 anos, em consequência da Aids.

Castro e Wagner reconheceram no desafio de mergulhar no universo de Lagarce a disposição do Magiluth para mirar suas práticas poéticas e éticas cotidianas, a relação com o mundo lá fora e a permanente tarefa de equalizar os laços fraternos em meio aos dias de luta ante a ascensão do conservadorismo.

“A gente estava num momento de se entender enquanto família, enquanto grupo. Era importante falar sobre afeto. No plano pessoal, estava difícil se encontrar com as pessoas”, afirmou Pedro Wagner, lembrando de como a polarização da sociedade brasileira esgarçou as relações, inclusive as consanguíneas. “Lagarce atravessou todo mundo no lugar do afeto.”

O grupo, que vem conseguindo realizar temporadas de seus espetáculos em São Paulo, colocou dois projetos no radar com foco em artistas recifenses, em médio e longo prazo. Um a partir do poema dramático Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), e outro a partir da obra do poeta João Flávio Cordeiro da Silva, o Miró da Muribeca, de 58 anos.

Grupo Magiluth, responsável pela peça "Apenas o Fim do Mundo" (imagem: Estúdio Orra)

Em tempo: a crítica de Maria Eugênia escrita a partir de Apenas o Fim do Mundo está publicada no site Teatrojornal – Leituras de Cena, que em breve abrigará a conversa transcrita e editada com os atores do Magiluth.

Encontro de maio

Já a 29ª edição do Encontro com Espectadores, em 26 de maio, será dedicada ao espetáculo De Volta a Reims, com direção de Cácia Goulart e atuação de Pedro Vieira. Este participará da conversa ao lado do dramaturgo Reni Adriano, sob mediação da jornalista e crítica Beth Néspoli.

O texto é uma livre adaptação do livro Retour à Reims (2009), do filósofo francês Didier Eribon, de 65 anos, que se notabilizou nos anos 1990 por publicações acerca da obra e da vida de pensadores como Michel Foucault e Claude Lévi-Strauss.

Trata-se de relato autobiográfico sobre a formação da subjetividade gay e os conflitos decorrentes da negação da classe social de origem. No monólogo, o personagem retorna à cidade natal após 30 anos, em razão da morte do pai, e se vê envolvido em questionamentos sobre sua ascensão social, a implicação da homossexualidade no contexto vivido atualmente e a ascensão da extrema direita no cenário mundial.

De volta a Reims está em cartaz no Viga Espaço Cênico até 26 de maio de 2019. Sexta e sábado, às 21h, e domingo às 19h, com ingressos a R$ 30 ou R$ 15 (meia-entrada). O teatro fica na Rua Capote Valente, 1.323, próximo à estação Sumaré do metrô, tel. 3801-1843.

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